Arquivo de Agosto, 2012

Da Agência Brasil

Brasília – Manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento de Apoio aos Trabalhadores Rurais (Matr) ocuparam, na madrugada de ontem, a Fazenda Gama, apontada pela Polícia Federal como propriedade de Carlinhos Cachoeira. A fazenda está localizada às margens da BR-040, distante 26 quilômetros de Brasília.

O MST pressiona o governo do Distrito Federal (GDF) a agilizar a destinação de terras à reforma agrária. “Queremos que o GDF abra espaço para dialogo com o MST. Esta ação é para mostrar ao governo que estamos abertos ao dialogo”, disse a coordenadora do acampamento, Viviane Moreira.

Segundo a coordenadora, existe no GDF uma lentidão na destinação de áreas para assentar famílias. “É uma terra produtiva que está parada. Podemos plantar aqui e fornecer alimentos para todo o DF”, disse.

A fazenda ocupada foi citada nas investigações da PF como propriedade de Carlinhos Cachoeira. Segundo a PF, o contraventor teria pago propina para a regularização da área e comprado a fazenda por R$2 milhões. No entanto, a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) afirma ter a posse da fazenda.

É a segunda ocupação do MST no Distrito Federal em 2012. No dia 8 de março, cerca de 600 famílias invadiram a Fazenda Toca da Raposa, em Planaltina, no Distrito Federal. Elas pedem a destinação de 40% da área da fazenda de 1.700 hectares para a reforma agrária.

Edição: Fábio Massalli

Por Terra, Território e Dignidade!

                                                            

 

Após séculos de opressão e resistência, “as massas camponesas oprimidas e exploradas”, numa demonstração de capacidade de articulação, unidade política e construção de uma proposta nacional, se reuniram no “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o caráter da reforma agrária”, no ano de 1961, em Belo Horizonte. Já nesse I Congresso os povos do campo, assumindo um papel de sujeitos políticos, apontavam a centralidade da terra como espaço de vida, de produção e identidade sociocultural.

Essa unidade e força política levaram o governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte de suas reformas de base, contrariando os interesses das elites e transformando-se num dos elementos que levou ao golpe de 1964. Os governos golpistas perseguiram, torturaram, aprisionaram e assassinaram lideranças, mas não destruíram o sonho, nem as lutas camponesas por um pedaço de chão.

Após décadas de resistência e denuncias da opressão, as mobilizações e lutas sociais criaram condições para a retomada e ampliação da organização camponesa, fazendo emergir uma diversidade de sujeitos e pautas. Junto com a luta pela reforma agrária, a luta pela terra e por território vem afirmando sujeitos como sem terra, quilombolas, indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, quebradeiras, comunidades tradicionais, agricultores familiares, camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas. Neste processo de constituição de sujeitos políticos, afirmam-se as mulheres e a juventude na luta contra a cultura patriarcal, pela visibilidade e igualdade de direitos e dignidade no campo.

Em nova demonstração de capacidade de articulação e unidade política, nós homens e mulheres de todas as idades, nos reunimos 51 anos depois, em Brasília, no Encontro Nacional Unitário de Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, tendo como centralidade a luta de classes em torno da terra, atualmente expressa na luta por Reforma Agrária, Terra, Território e Dignidade.

Nós estamos construindo  a unidade em resposta aos desafios da desigualdade na distribuição da terra. Como nos anos 60, esta desigualdade se mantém inalterada, havendo um aprofundamento dos riscos econômicos, sociais, culturais e ambientais, em conseqüência da especialização primária da economia.

A primeira década do Século XXI revela um projeto de remontagem da modernização conservadora da agricultura, iniciada pelos militares, interrompida nos anos noventa e retomada como projeto de expansão primária para o setor externo nos últimos doze anos, sob a denominação de agronegócio, que se configura como nosso inimigo comum.

Este projeto, na sua essência, produz desigualdades nas relações fundiárias e sociais no meio rural, aprofunda a dependência externa e realiza uma exploração ultrapredatória da natureza. Seus protagonistas são o capital financeiro, as grandes cadeias de produção e comercialização de commodities de escala mundial, o latifúndio e o Estado brasileiro nas suas funções financiadora – inclusive destinando recursos públicos para grandes projetos e obras de infraestrutura – e (des)reguladora da terra.

O projeto capitalista em curso no Brasil persegue a acumulação de capital especializado no setor primário, promovendo super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira. Esta super-exploração, em nome da necessidade de equilibrar as transações externas, serve aos interesses e domínio do capital estrangeiro no campo através das transnacionais do agro e hidronegócio.

Este projeto provoca o esmagamento e a desterritorialização dos trabalhadores e trabalhadoras dos povos do campo, das águas e das florestas. Suas conseqüências sociais e ambientais são a não realização da reforma agrária, a não demarcação e reconhecimento de territórios indígenas e quilombolas, o aumento da violência, a violação dos territórios dos pescadores e povos da floresta, a fragilização da agricultura familiar e camponesa, a sujeição dos trabalhadores e consumidores a alimentos contaminados e ao convívio com a degradação ambiental. Há ainda conseqüências socioculturais como a masculinização e o envelhecimento do campo pela ausência de oportunidades para a juventude e as mulheres, resultando na não reprodução social do campesinato.

Estas conseqüências foram agravadas pela ausência, falta de adequação ou caráter assistencialista e emergencial das políticas públicas. Estas políticas contribuíram para o processo de desigualdade social entre o campo e a cidade, o esvaziamento do meio rural e o aumento da vulnerabilidade dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. Em vez de promover a igualdade e a dignidade, as políticas e ações do Estado, muitas vezes, retiram direitos e promovem a violência no campo.

Mesmo gerando conflitos e sendo inimigo dos povos, o Estado brasileiro nas suas esferas do Executivo, Judiciário e Legislativo, historicamente vem investindo no fortalecimento do modelo de desenvolvimento concentrador, excludente e degradador. Apesar de todos os problemas gerados, os sucessivos governos – inclusive o atual – mantêm a opção pelo agro e hidronegócio.

O Brasil, como um país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas. Externamente, o Brasil vem se tornando alavanca do projeto neocolonizador, expandindo este modelo para outros países, especialmente na América Latina e África.

Torna-se indispensável um projeto de vida e trabalho para a produção de alimentos saudáveis em escala suficiente para atender as necessidades da sociedade, que respeite a natureza e gere dignidade no campo. Ao mesmo tempo, o resgate e fortalecimento dos campesinatos, a defesa e recuperação das suas culturas e saberes se faz necessário para projetos alternativos de desenvolvimento e sociedade.

 

 

Diante disto, afirmamos:

1)       a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável, pressupondo mudança na estrutura fundiária, democratização do acesso à terra, respeito aos territórios e garantia da reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

2)      a soberania territorial, que compreende o poder e a autonomia dos povos em proteger e defender livremente os bens comuns e o espaço social e de luta que ocupam e estabelecem suas relações e modos de vida, desenvolvendo diferentes culturas e  formas de produção e reprodução,  que marcam e dão identidade ao território.

3)      a soberania alimentar como o direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos que garantam o direito à alimentação adequada a toda a população, respeitando suas culturas e a diversidade dos jeitos de produzir, comercializar e gerir estes processos.

4)      a agroecologia como base para a sustentabilidade e organização social e produtiva da agricultura familiar e camponesa, em oposição ao modelo do agronegócio. A agroecologia é um modo de produzir e se relacionar na agricultura, que preserva a biodiversidade, os ecossistemas e o patrimônio genético, que produz alimentos saudáveis, livre de transgênicos e agrotóxicos, que valoriza saberes e culturas dos povos do campo, das águas e das florestas e defende a vida.

5)      a centralidade da agricultura familiar e camponesa e de formas tradicionais de produção e o seu fortalecimento por meio de políticas públicas estruturantes, como fomento e crédito subsidiado e adequado as realidades; assistência técnica baseada nos princípios agroecológicos; pesquisa que reconheça e incorpore os saberes tradicionais; formação, especialmente da juventude; incentivo à  cooperação, agroindustrialização e comercialização.

6)      a necessidade de relações igualitárias, de reconhecimento e respeito mútuo, especialmente em relação às mulheres, superando a divisão sexual do trabalho e o poder patriarcal e combatendo todos os tipos de violência.

7)      a soberania energética como um direito dos povos, o que demanda o controle social sobre as fontes, produção e distribuição de energia, alterando o atual modelo energético brasileiro.

8)      a educação do campo, indígena e quilombola como ferramentas estratégicas para a emancipação dos sujeitos, que surgem das experiências de luta pelo direito à educação e por um projeto político-pedagógico vinculado aos interesses da classe trabalhadora.  Elas se contrapõem à educação rural, que tem como objetivo auxiliar um projeto de agricultura e sociedade subordinada aos interesses do capital, que submete a educação escolar à preparação de mão-de-obra minimamente qualificada e barata e que escraviza trabalhadores e trabalhadoras no sistema de produção de monocultura.

9)      a necessidade de democratização dos meios de comunicação, hoje concentrados em poucas famílias e a serviço do projeto capitalista concentrador,  que criminalizam os movimentos e organizações sociais do campo, das águas e das florestas.

10)   a necessidade do reconhecimento pelo Estado dos direitos das populações atingidas por grandes projetos, assegurando a consulta livre, prévia e informada e a reparação nos casos de violação de direitos.

 

Nos comprometemos:

1.        a fortalecer as organizações sociais e  a intensificar o processo de unidade entre os trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas, colocando como centro a luta de classes e o enfrentamento ao  inimigo comum, o capital e sua expressão atual no campo, o agro e hidronegócio.

2.        a ampliar a unidade nos próximos períodos, construindo pautas comuns e processos unitários de luta pela realização da reforma agrária, pela reconhecimento, titulação, demarcação e desintrusão das terras indígena, dos territórios quilombolas e de comunidades tradicionais, garantindo direitos territoriais, dignidade e autonomia.

3.        a fortalecer a luta pela reforma agrária  como bandeira unitária dos trabalhadores e trabalhadoras e povos do campo, das águas e das florestas.

4.        a construir e fortalecer alianças entre sujeitos do campo e da cidade, em nível nacional e internacional, em estratégias de classe contra o capital e em defesa de uma sociedade justa, igualitária, solidária e sustentável.

5.        a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, pela soberania alimentar, em defesa da biodiversidade e das sementes.

6.        a construir uma agenda comum para rediscutir os critérios de construção, acesso, abrangência, caráter e controle social sobre as políticas públicas, a exemplo do PRONAF, PNAE, PAA, PRONERA, PRONACAMPO, pesquisa e extensão, dentre outras, voltadas para os povos do campo, das águas e das florestas.

7.        a fortalecer a luta das mulheres por direitos, pela igualdade e pelo fim da violência.

8.        a ampliar o reconhecimento da importância estratégica da juventude na dinâmica do desenvolvimento e na reprodução social dos povos do campo, das águas e das florestas.

9.        a lutar por mudanças no atual modelo de produção pautado nos petro-dependentes, de alto consumo energético.

10.    a combater e denunciar a violência e a impunidade no campo e a criminalização das lideranças e movimentos sociais, promovidas pelos agentes públicos e privados.

11.    a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses, bem como os direitos de reparação aos seus familiares, com a criação de uma comissão camponesa pela anistia, memória, verdade e justiça para incidir nos trabalhos da Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos, visando a inclusão de todos afetados pela repressão.

Nós, trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas exigimos o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, pois o campo não suporta mais.  Seguiremos em marcha, mobilizados em unidade e luta e, no combate ao nosso inimigo comum, construiremos um País e uma sociedade justa, solidária e sustentável.

Brasília, 22 de agosto de 2012.

Associação das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR)

Associação das Mulheres do Brasil (AMB)

Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA)

Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal (ABEEF)

Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

CARITAS Brasileira                    

Coordenação Nacional dos Quilombolas (CONAQ)

Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)

Comissão Pastoral da Pesca (CPP)

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB)

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB)

Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETRAF)

FASE

Greenpeace

INESC

Marcha Mundial das Mulheres (MMM)

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Movimento Camponês Popular (MCP)

Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)

Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE)

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)

Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

Movimento Interestadual das Mulheres Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)

Oxfam Brasil

Pastoral da Juventude Rural (PJR)

Plataforma Dhesca

Rede Cefas

Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (SINPAF)

SINPRO DF

Terra de Direitos

Unicafes

VIA CAMPESINA BRASIL

Mais de 1,1 mil famílias do semiárido brasileiro e do estado do Mato Grosso têm a partir desta terça-feira (21) a garantia de que serão assentadas ainda este ano. A Presidência da República decretou 21 imóveis rurais como áreas de interesse social para fins de Reforma Agrária. Os decretos estão publicados no Diário Oficial.

As fazendas desapropriadas somam juntas cerca de 54 mil hectares e estão localizadas nos estados de Alagoas, Bahia, Maranhão, Piauí, Paraíba, Sergipe, Minas Gerais e Mato Grosso, em localidades que concentram grande parte da pobreza extrema do país. Os imóveis foram escolhidos levando em conta critérios específicos como área capaz de assentar mais de 15 famílias e proximidade a estradas para garantir o escoamento da produção do assentamento.

A expectativa do Incra, autarquia vincula ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a partir do decreto presidencial, é iniciar a implantação dos assentamentos ainda este ano, assim que as áreas forem imitidas na posse do Instituto, e promover a integração de políticas às ações do Plano Brasil Sem Miséria até 2014.

“Estamos implantando uma Reforma Agrária mais célere e qualificada, integrando politicas para que as comunidades rurais possam viver com dignidade e produzir alimentos para o país”, pontuou o presidente do Incra, Carlos Mário Guedes de Guedes.

Integração ao Brasil Sem Miséria

O primeiro e imediato passo é incluir todas as famílias no Cadastro Único de Programas Sociais do governo federal, o ~CadÚnico. O ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em parceria com os municípios, vai inserir as famílias no ~CadÚnico e imediatamente elas passam a receber o Bolsa Família.

A partir daí, o cadastro de beneficiários do Incra, que estabelece o perfil para uma família ser assentada, será integrado ao ~CadÚnico que indica as condições de pobreza. Até o final do ano, as famílias que atendam aos critérios de seleção de candidatos ao Programa Nacional de Reforma Agrária já podem entrar nos lotes.

A seleção de candidatos segue norma do Incra. Em 2011, a autarquia abriu consulta pública para aperfeiçoar os critérios. A sociedade opinou sobre quatro temas centrais: princípios gerais da seleção de famílias; quem não pode ter acesso à terra; prioridade de acesso à terra em novo assentamento; e prioridade para acesso à terra em lotes vagos.

A integração de políticas ao Plano Brasil Sem Miséria continua com a inclusão no Brasil Carinhoso, benefício integrado ao Bolsa Família para cerca de 2 milhões de famílias com crianças de até 6 anos; acesso à moradia pelo programa Minha Casa Minha Vida, e à água pelo Água para Todos. As estradas internas do assentamento serão viabilizadas pelo PAC Equipamentos, programa de compras governamentais para a aquisição de veículos e equipamentos.

Garantia de produção e comercialização

Para além do acesso às políticas sociais e de infraestrutura, o presidente do Incra explica que o foco é garantir assistência técnica e apoio à produção “para que até 2014 as famílias possam produzir alimentos e fornecer para os programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Alimentação Escolar (Pnae)”.

 

 

 

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Agrário – 21/08/2012

Por Washington Araújo

As sessões do Supremo Tribunal Federal para julgar a Ação Penal 470, conhecida como mensalão, revelam muito mais da natureza humana que dos autos do próprio processo. É impressionante o quanto devemos ao veículo televisão para conhecer melhor como são julgados em nossa instância máxima judiciária os temas que incendeiam a imaginação da grande imprensa e revelam alguns de seus inumeráveis esforços e estratégias para alçá-los ao ápice dos interesses da opinião pública.

Sempre que pensamos em um tribunal de justiça, logo nos vêm à mente a ideia de ambientes solenes, pessoas sisudas, trajes pomposos, vocativos e tratamentos pessoais marcados por explícita afetação, linguajar alguns tons acima do entendimento dos meros mortais. É isso o que surge em toda a sua inteireza nas sessões já realizadas para o “julgamento do século”, como dizem algumas revistas semanais, vociferam comentaristas de política em rádios que só tocam notícia, e as repetitivas colunas da página 2 de nossos jornais de maior circulação diária.

No entanto, temos um convite à desconstrução desse imaginário. É que nem tudo o que parece, realmente é. E não importa todo o esforço para dotar aqueles 11 seres humanos com superpoderes na administração da justiça. Vestem suas becas negras e seus trajes pessoais chegam mesmo a se confundir com o mobiliário austero, porém moderno, do plenário do STF.

No fundo, são não mais que seres humanos deixando vir à superfície do ser suas mais expressivas formas de humanidade: demonstram impaciência, dirigem palavras ríspidas uns aos outros, chamam de excelência a vítima de seus iminentes ataques verbais, adoram expor à fartura seus sofisticados conhecimentos linguísticos, carregam na impostação de voz como se fossem atores se apresentando diante de um júri artístico.

Sóbrias, discretas

Nas muitas horas que passei diante da telinha mágica da TV Justiça não raras vezes senti-me observador atento de uma espécie de Big Brother Brasil, com 9 homens e 2 mulheres divididos em dois distintos grupos, como se tivessem escolhido em qual quarto dormir após a rotina diária. A troca de farpas é muito comum, o excesso de zelo respeitoso com o tratamento mais comum ainda.

Neste BBB da TV Justiça temos alguns tipos clássicos:

>> O que tenta agradar a todos, sempre disposto a responder “Sim” a todas as demandas, transformando vinho em água e esta em azeite, de forma a que todos saibam que com ele pode contar: o ministro Ayres Britto. Age como o líder de toda a temporada do julgamento: concede a palavra aos pares e priva da palavra os advogados de defesa.

>> O que é chegado a um destempero, a um chilique, a uma boa troca de insultos: ministro Joaquim Barbosa. Age como se estivesse sempre num confessionário virtual fazendo o que mais aprecia: emitir condenações a torto e a direito.

>> O que é propenso a não concordar “de primeira”, valorizando sua posição no tabuleiro do julgamento e não disposto a levar desaforos para casa: ministro Ricardo Lewandowski. Age como defensor dos pobres e desvalidos, dos bispos de olhos vermelhos e das viúvas sem porvir, exatamente como na música de Chico Buarque “Geni e o Zepelin”.

>> O que é afeito a carregar no clima de superioridade sobre os pares, afeito a polêmicas, concedendo-se o direito de estar a alguns poucos metros do sobre-humano: ministro Gilmar Mendes. Age de forma impulsiva, desde a forma de afastar a cadeira para sentar até o jeito enfastiado de escandir duas ou três frases a título de “declarar precluso o assunto”.

>> O que se sente talhado para apresentações solo no Scala de Milão, no Opera em Paris, cheio de sensibilidade, tão comuns às divas do bel canto: ministro Marco Aurélio Mello. Age como franco atirador, é rápido no gatilho verbal e sua metralhadora giratória simboliza sempre a do “estado-da-arte”.

>> Os que falam demasiado, são prolixos e buscam colonizar a cabeça dos demais, invertendo o preço do silêncio para prata e deixando o ouro para a palavra: ministros Celso de Mello e Cezar Peluso. Agem como se a vida não passasse de superlotado auditório e, eles, personificassem ninguém menos que Rudolf von Ihering e Norberto Bobbio.

>> Os que guardam obsequioso respeito ante a sapiência de seus pares devido à sua relativa pouca idade e baixa quilometragem no ofício de julgar: Luiz Fux e Dias Toffoli. São jovens e boas-pintas e agem como coadjuvantes em superprodução da Broadway. Nada de prolixidade, muito menos contundência nas posições assumidas.

>> As que trazem um colorido às sessões, são elegantes, sóbrias, discretas, e quando falam realmente têm o que falar: ministras Rosa Weber e Carmen Lúcia. Agem como pessoas comuns, sem superpoderes e sempre trajando suas atitudes com as virtudes do bom senso e da razoabilidade.

Sabedoria e verdade

As câmaras da tevê captam as expressões de ironia, tédio, enfado, superioridade, irritação e até indiferença. Infelizmente nós telespectadores não observamos gestos de cortesia e amabilidade genuínos entre os membros da Suprema Corte. Na falta dessas duas virtudes que tanto engrandeceriam um colegiado, observamos as fórmulas de tratamento forçadas, sem alma, palavras ditas como se estivessem presas nas gargantas aos seus pilotos automáticos: “Vossa Excelência”, “O eminente colega”, “Meus nobres pares”, “Sua Excelência, o competente e imparcialíssimo relator”, “Sua Excelência o ministro revisor, dono de sofisticados conhecimentos jurídicos”.

Em algumas situações pensamos que mesmo a leitura de duas frases de qualquer bula de remédio soaria mais convincente que a verborragia jurídica usada apenas para não ferir a vaidade ou os brios desses onze mortais, porém ilustres mortais togados.

Nos últimos anos percebi quão grande é a distância entre palavra e intenção, e entre a intenção e o gesto. As instituições conseguem manter sua aura de solenidade, respeito, e a sempre perseguida condição de estar “acima do Bem e do Mal” somente quando distantes do meio fio regulamentar que os separa do populacho, da convivência regular com a sociedade.

A transmissão das sessões na TV Justiça aproximam o povo da Corte. E, com isso, desfaz-se o mistério da instituição pairando como avatar sagrado sobre os destinos de todos nós. Estas transmissões contrariam frontalmente Caetano Veloso, nosso conhecido polemista baiano: “De perto ninguém é normal”. De perto é que Suas Excelências parecem normais, normais até demais.

O certo é que vendo os juízes do STF em meio a um julgamento logo percebemos quanta sabedoria e verdade estão entesourados no aforisma de Sua Excelência Friedrich Wilhelm Nietzsche: “Somos humanos, demasiado humanos”.

***

[Washington Araújo é jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org]

Baixe aqui a íntegra >>>  DECRETO No- 7.794, DE 20 DE AGOSTO DE 2012

Desde 2011, movimentos apresentaram tópico para impulsionar mudanças no campo, mas não obtiveram retorno do Executivo

 

 

da Redação

 

 

Representantes do governo recebem Integrantes do MST

para reunião no Planalto em agosto de 2011 –

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Há um ano sem resposta, movimentos sociais do campo e da cidade aguardam uma resposta do governo da presidenta Dilma Rousseff sobre suas demandas para a reforma agrária. As conversas com integrantes do governo se deram sobretudo durante o acampamento da Via Campesina Brasil em Brasília, em agosto de 2011. As propostas dos movimentos e suas análises sobre a morosidade do processo estão sintetizadas no texto abaixo:

 

Plano de aceleração da reforma Agrária

O presidente do Incra preparou uma proposta. Vem discutindo com os movimentos desde agosto de 2011. Mas até agora não teve nenhuma aprovação formal do centro de governo e alega falta de aprovação da Presidência da Republica.

Esse plano é fundamental para centralizar as ações do governo, definir prioridades políticas das diversas medidas complementares necessárias para a solução dos problemas agrários, durante os quatro anos do governo.

O Incra está imobilizado, pendente de normas administrativas, que acelerem o ritual de desapropriação, que mudem o critério de pagamento das TDas, mude o índice de produtividade para avaliação das fazendas improdutivas, reestruture o Incra e sejam deslocados servidores públicos especialistas para a área.

Há 142 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra acampadas em dezenas de acampamentos em todo país esperando soluções. Algumas famílias estão desde o inicio do governo Lula, em 2003.

O Incra precisa ter uma postura de escutar mais os movimentos sociais e as famílias assentadas e ter menos prepotência, quando se dirige aos assentamentos. É necessário interromper qualquer tentativa de emancipação dos assentamentos. E normatizar a possibilidade de que técnicos agrícolas, e de nível médio, bem como professores de ensino médio, possam ser beneficiários de lotes, para que possam residir nos assentamentos e contribuir com o desenvolvimento social de toda a comunidade.

 

Fontes de obtenção de terra

O centro do governo precisa acertar com o Incra e orientar as diversas formas de obtenção de terras, que não dependeriam de recursos orçamentários e que agilizariam a solução para as 186 mil famílias que continuam acampadas.

O governo poderia, por exemplo, determinar que todas as terras arrecadadas por bancos públicos em dividas de financiamentos (BB, CEF, BNB) sejam destinadas à reforma agrária.

Outra medida urgente é a aplicação da lei de expropriação das fazendas com maconha, trabalho escravo e contrabando.

 

Projetos de irrigação no Nordeste

O ministério da Integração Nacional está aprontando projetos de irrigação para agricultura, ao longo do Rio São Francisco e outros rios do Nordeste que prevêem a irrigação de 200 mil hectares nos próximos três anos. Nos jornais e na política regional dominada pelo PMDB e outros grupos conservadores, eles afirmam que vão entregar essas áreas para empresários sulistas cultivarem para exportação, inclusive para Cutrale plantar laranja e a Petrobras plantar cana para etanol.

Nós propomos que essas áreas sejam destinadas em lotes de apenas 2 hectares, que seriam suficientes para uma família, e assentaríamos assim, 100 mil famílias somente no Nordeste, eliminando os acampamentos. E ainda sem custos de desapropriação das terras.

A presidenta Dilma se comprometeu publicamente, durante reuniões no Fórum Social Temático de Porto Alegre, em janeiro de 2012, a dar prioridade aos pequenos agricultores nas áreas irrigadas do Nordeste.

Recomendamos que seja feita uma comissão formada por ministério do Desenvolvimento Agrário, ministério do Desenvolvimento Social, Incra e secretaria geral da República, com o ministério da Integração Nacional, para fazer levantamento dos projetos, e viabilizar o compromisso da presidenta.

 

Programa Nacional de Agroindústrias

Há uma proposta já acordada entre BNDES, Fundação Banco do Brasil e Incra. O BNDES se dispõe a colocar cerca de R$ 300 milhões para projetos agroindustriais de cooperativas dos assentamentos. O Incra se dispõe a liberar os técnicos que fariam os projetos.

O programa está bem formatado. É urgente sua implementação.

 

Programa Nacional de Habitação Rural

Segundo levantamento do Incra há um déficit de mais de 200 mil casas de assentamentos antigos que precisam ser reformadas e outras 180 mil casas precisam ser construídas. Pois as famílias foram levadas pelo Incra para os assentamentos, mas ainda vivem em condições precaríssimas. O Incra se propõe a liberar recursos para as reformas e repassar toda a parte da construção de moradias novas para a CEF.

A presidenta Dilma tomou a iniciativa de propor que deveria ser tudo centralizado numa secretaria de habitação rural, a ser criada na CEF.

A secretaria foi criada, no entanto, na portaria que a normatiza, o ministério das Cidades colocou apenas famílias mais pobres de quilombolas, áreas indígenas, atingidos por barragens, excluindo as famílias assentadas. E estimou a meta de apenas 60 mil casas para 4 anos. O que é ridículo, diante da demanda não atendida nos últimos anos.

É preciso reformar a portaria incluindo todos os pequenos agricultores até três módulos (agricultura familiar) e todas as famílias assentadas. Além disso, é preciso liberar recursos do MDS para a CEF.

 

Programa Nacional de Agroecologia

O governo determinou que se criasse o programa. Constituíram uma comissão no ministério do meio Ambiente, mas até hoje nenhum movimento social foi convocado. É urgente que se constitua o grupo de trabalho junto com os movimentos sociais, para formatar o que seriam as políticas públicas de estimulo e fomento das técnicas de produção de agroecologia.

 

Programa Nacional de Reflorestamento

A proposta é que se crie um programa em que cada família da agricultura familiar e/ou assentada recebesse meio salário mínimo por mês, na forma de bolsa, para pagamento da mão-de-obra, e os governos estaduais dariam as mudas e a assistência técnica. E durante dois anos cada família reflorestaria dois hectares em sua área, com arvores nativas, exóticas ou frutíferas, podendo restabelecer as Áreas de Preservação Permanentes, se for necessário.

A bolsa seria destinada em nome da mulher, como credora, e se editaria um cartão verde pela CEF. E paulatinamente o Programa Bolsa Família poderia ser substituído pela Bolsa Verde, para as famílias pobres do campo.

 

Combate aos agrotóxicos.

O governo se comprometeu a constituir um grupo de estudos para propor políticas publicas de combate aos venenos agrícolas. Há uma portaria orientando para que se forme o grupo no ministério da Saúde. Propomos que a comissão seja interministerial e coordenada pelo MDA, com participação da Anvisa, Fiocruz, Embrapa, movimentos sociais do campo e setores da saúde pública.

 

Pronera

O governo compreende que o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) é prioritário para a inclusão social dos jovens pobres do campo. Há dezenas de cursos já aprovados, de parcerias com as Universidades públicas, mas o Incra não tem recursos.

É preciso garantir um orçamento de cerca de R$ 100 milhões, para transformar o programa em uma política prioritária do governo.

 

Pronaf

O modelo de Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) atual não serve para os assentados. Hoje, menos de 10% das quase 800 mil famílias assentadas têm acesso ao Pronaf.

 

Conab

O programa de compra antecipada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) é o melhor programa de apoio à produção aos assentados. Ele tem efeito direto no aumento da produção, na renda e na segurança. Mas infelizmente ainda estão limitados os recursos e o número de famílias atingidas, também é menor que 10%. O governo precisa se convencer de que esse é o melhor programa de erradicação da pobreza e destinar recursos necessários para a Conab.

 

PNAE

O programa da merenda escolar que reserva 30% dos recursos para agricultura familiar também é um programa revolucionário para viabilizar a renda dos agricultores familiares.

No entanto, enfrenta-se muitas resistências nas prefeituras. É preciso que o governo oriente os agricultores e penalize as prefeituras que não cumprem.

 

Alfabetização de adultos

A presidenta Dilma reconheceu que esse deveria ser um programa prioritário e de urgência. Há no país 14 milhões de adultos analfabetos. A maioria deles localizados nas periferias das grandes cidades.

Propomos a constituição de uma coordenação nacional com pedagogos escolhidos de fora da máquina estatal e coordenada pelo MDS, que usaria dos recursos de combate à pobreza.

 

Apoio a projetos educacionais

Propomos a constituição de um fundo social a partir de contribuições de empresas estatais e dos bancos públicos, estabelecendo inclusive cotas sobre os Fundos constitucionais, que hoje são mal usados pelos bancos. E se constituiria uma comissão interministerial, para analisar os projetos das entidades e sua liberação, destinados a programas de educação e formação de trabalhadores e das camadas mais pobres da população.

 

Tarifa social para remessa de livros e jornais

Estabelecer uma tarifa social, com desconto de 50% das atuais tarifas normais, para enviar livros, até determinado peso e número de exemplares por pacote. E assim se estimularia a leitura e as pequenas compras de leitores de todo o país, sobretudo do interior, para as livrarias enviarem por correio vendendo pela internet.

E tarifa social para os jornais e publicações de todas as entidades sem fins lucrativos, que seriam então cadastradas pelos correios, para evitar fraudes e oportunismos.

 

Haiti

O governo Lula havia se comprometido e determinou que a Petrobras financiasse diversos projetos de desenvolvimento social no meio rural do Haiti, que foram propostos pelos movimentos de agricultores do Haiti, para as entidades e movimentos sociais brasileiros que lá atuam de forma voluntária. A demanda fundamental é para envio de cisternas de polietileno, moinhos para fabricação de farinha; ferramentas agrícolas, equipamentos para uma escola agrícola e instalação de viveiros para projetos de reflorestamento. A Petrobras recebeu a determinação, fez acordos com a Cáritas Brasileira para ser a intermediária e até hoje, nunca honrou com seus compromissos.

 

Guarani-Kaiowa

Constituição de uma equipe interministerial para apresentar soluções imediatas, urgentes e definitivas para resolver os problemas dos povos indígenas Kaiowa e Guarani que tiveram suas terras griladas pelos fazendeiros.

 

Áreas quilombolas

Que se retome a demarcação de todas as áreas consideradas quilombolas, como determina a Constituição.

 

Esperamos que o resultado seja a construção de uma unidade programática, em torno de pontos comuns, para enfrentar os mesmos inimigos.

Editorial da edição 494 do Brasil de Fato

Entre os dias 20 e 22 de agosto, no Parque da Cidade em Brasília (DF), se realiza um encontro nacional de todos os movimentos sociais e entidades que atuam no meio rural brasileiro. Lá estarão os representantes do movimento sindical como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf), dos movimentos sociais do campo vinculados a Via Campesina Brasil como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Estarão também os movimentos de pescadores e pescadoras artesanais do Brasil e representantes das centenas de agrupamentos quilombolas esparramados pelo país. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também marcarão presença com a questão indígena. As pastorais sociais que atuam no meio rural, como Comissão Pastoral da Terra (CPT), Cáritas, Pastoral da Juventude etc, e também dezenas de outros movimentos regionalizados ou de nível estadual se farão presentes.

Assim, será portanto, um encontro unitário, plural e expressivo de todas as formas de organização e representação que existem hoje no meio rural brasileiro, abrangendo desde os assalariados rurais, camponeses, pequenos agricultores familiares, posseiros, ribeirinhos, quilombolas, pescadores e povos indígenas. Todos unidos, independente da corrente política ou ideológica a que se identificam.
Esse encontro será histórico, porque que na trajetória dos movimentos sociais do campo essa unidade somente havia ocorrido uma vez, em novembro de 1961, quando se realizou em Belo Horizonte (MG) o I Congresso Camponês do Brasil. Naquela ocasião também se unificaram todos os movimentos, de todas as correntes políticas-ideológicas, desde o PCB, PSB, esquerda cristã, PTB, brizolistas e esquerda radical. A unidade foi necessária, apesar da diversidade, para cerrar fi leiras contra a direita e dar força ao novo governo popular de João Goulart para assumir a bandeira da reforma agrária e elaborar uma lei inédita de reforma agrária para o país. Daí que o lema resultante dos debates e que iria orientar a ação prática dos movimentos foi “Reforma agrária: na lei ou na marra!”

Passaram-se 50 anos para que, mais uma vez, todas as formas de organização da população que vive no campo viessem a se reencontrar. E agora com uma representação ainda maior, acrescida dos quilombolas, pescadores e povos indígenas, que na época nem se reconheciam como formas organizativas de nosso povo.

E por que foi possível realizar esse encontro? Por várias razões. Primeiro, porque o capital está em ofensiva no campo. Sob a hegemonia do capital financeiro e das empresas transnacionais está impondo um novo padrão de produção, exploração e espoliação da natureza: o agronegócio. E o agronegócio construiu uma unidade, uma aliança do capital, aglutinando o capital financeiro, as corporações transnacionais, a mídia burguesa e os grandes proprietários de terra. E essa aliança representa hoje os inimigos comuns para toda a população que vive no meio rural, e que depende da agricultura, da natureza, da pesca, para sobreviver.

Em segundo lugar, porque estamos assistindo à subserviência do Estado brasileiro, em suas várias articulações a esse projeto. O poder Judiciário, as leis e o Congresso Nacional operam apenas em seu favor.
Em terceiro lugar, estamos assistindo a um governo federal dividido. Um governo de composição de forças, que mescla diversos interesses, mas que o agronegócio possui maior influência, seja nos ministérios seja nos programas de governo.

Em quarto lugar, percebeu-se que essa forma de exploração e de produção do agronegócio está colocando em risco o meio ambiente, a natureza e a saúde da população, com o uso intensivo de agrotóxicos, que matam. Matam a biodiversidade vegetal e animal e matam indiretamente os seres humanos, com a proliferação de enfermidades, em especial o câncer, como têm denunciado os cientistas da área de saúde.

Em quinto lugar, porque o país precisa de um projeto de desenvolvimento nacional, que atenda aos interesses do povo brasileiro e não apenas do lucro das empresas. Nesse projeto, a democratização da propriedade da terra e a forma como devemos organizar a produção dos alimentos é fundamental.

Em sexto lugar, é necessário que se reoriente as políticas públicas, de forma prioritária para preservar o meio ambiente, produzir alimentos saudáveis com garantia de mercado, e garantia de renda e emprego para toda a população que mora no interior.

Em sétimo lugar, é necessária colocar na pauta prioritária dos movimentos sociais do campo a democratização do acesso à educação, em todos os níveis. Desde um programa massivo de alfabetização, que tire da escuridão os 14 milhões de adultos brasileiros que ainda não sabem ler e escrever, até garantir o acesso ao ensino médio e superior aos mais de 3 milhões de jovens que vivem no meio rural.

Tudo isso será debatido durante os três dias do Encontro Nacional de Trabalhadores Rurais. Esperamos que o resultado seja a construção de uma unidade programática, em torno de pontos comuns, para enfrentar os mesmos inimigos, como também se possa avançar para construir uma agenda de lutas e mobilização unitária para 2013.
Salve o II encontro nacional de todos os trabalhadores e populações que vivem no interior do Brasil!

*Silvio Durante e Rui Deglan

Os grandes produtores de laranja apelam ao Estado que compre o excedente da produção de suco. Mas o que fica evidente é que a anarquia da produção gera um abominável desperdício e a vergonhosa fome de milhões de seres humanos.

O “protesto” dos produtores e anarquia da produção

O Estado de São Paulo é responsável por 90% de toda produção de laranja do Brasil. Os laranjais cobrem vastas áreas onde outrora fora a vegetação nativa do Cerrado. A última semana de julho foi marcada por um protesto singular na cidade de Taquaritinga, no interior do Estado.

Segundo informações do Portal de Notícias G1.com, os produtores de laranjas começaram a destruir os pés de laranjas de suas plantações, pois não há para quem vender a produção. No dia 26 de julho, fora distribuído à população daquela cidade cerca de 12 toneladas de laranja e 200 litros de suco. Parte deste inclusive fora jogada em praça pública da cidade como “protesto”.  Era tanta laranja que chegou um momento que a população não conseguia mais carregar.

No mesmo portal, em notícia do dia 26 de julho, eles justificam dizendo que “A crise no setor é causada pelas supersafras dos últimos dois anos e a redução mundial do consumo de suco. A perda da produção em 2012 deve variar entre 50 e 100 milhões de caixas da fruta, segundo estimativas da Câmara Setorial de Citricultura do Ministério da Agricultura e da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos“. E mais a frente concluem: “A concorrência com outras bebidas, como os isotônicos e as águas saborizadas, é apontada como a principal causa para o encolhimento do mercado, mas a crise econômica na Europa e restrições dos Estados Unidos ao produto brasileiro por causa do uso de um agrotóxico proibido naquele país – o Carbendazim – também prejudicaram as vendas.”

Produtores da Região de Bauru também tomaram medida semelhante, enterrando várias toneladas de laranjas. Dialogando com funcionários da Secretaria de Agricultura de Bauru, o professor Silvio Durante foi informado que os produtores preferem destruir as laranjas, pois o mercado interno não teria capacidade para consumir tudo o que foi produzido. Ainda que toda essa laranja fosse levada a mercados, feiras e frutarias, seria tanta oferta que o quilo do produto ficaria a quase um centavo de Real.

Os produtores exigem que o governo do Estado compre o excedente da produção de suco e distribua nas merendas escolares e para entidades assistenciais.

A cretinice da grande Imprensa

No Jornal Nacional no mesmo dia 26 de julho, e também no site deste mesmo noticiário, a manchete “Produtores protestam jogando laranja fora no interior de São Paulo” abordava o tema e mais a frente na matéria: “Um produtor não pensou duas vezes. Sem ter para quem vender a fruta, começou a destruir 30 mil pés de laranja. “Foi a pior crise do setor”, reflete.”

É incrível, mas as imagens mostram laranjas sendo jogadas pelas ruas, litros e mais litros de suco sendo derramados e pés de laranja sendo destruídos por tratores.

Você pode acessar a matéria digitando o link a seguir no seu navegador de internet: http://glo.bo/N6Dw6V

Lembremos que quando o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MS) destruiu algumas centenas de pés de laranjas da CUTRALE, plantados em terras públicas griladas, na cidade de Borebi, interior paulista, o grande mídia fez uma verdadeira pirotecnia, demonizando esta ação e acusando o MST de todo tipo de adjetivos pejorativos para que a opinião pública se posicionasse contra essa ação, que em última instância, foi um ato para que o Estado faça a Reforma Agrária.

Agora, a imprensa toma uma outra postura: curiosamente não critica a derrubada de 30 mil pés de laranja; não faz alarde em torno do suco e da laranja jogados fora e dá ênfase na exigência dos grandes produtores para que o Estado “salve” o setor, comprando o excedente da produção.

Planificação da produção é a saída para a crise

Nenhuma medida do Estado sob a égide do capitalismo será suficiente para “salvar” o sistema, posto que o mercado é anárquico por natureza. A antiga tese do “mercado autorregulável” mostra-se ineficaz em seu poder explicativo a cada crise de superprodução, seja em qual setor ela ocorra.

Os defensores da teoria do “Estado Mínimo” que sempre vociferam contra a presença do Estado na esfera econômica e torcem o nariz para qualquer medida regulamentadora agora tratam de esquecer tudo o que os neoliberais escreveram em suas teses sobre a não intervenção do Estado na Economia quando se trata de “salvar” seus negócios.

Foi assim quando os governos da Europa e dos EUA “salvaram” os bancos privados da falência, as indústrias automotivas e agora, no interior paulista, o agronegócio exige o mesmo para o Brasil Ou seja, o discurso da “mão pesada” do Estado é só para tempos de vacas gordas, pois basta uma crise para que a mão pesada do Estado transforme-se na “mão amiga”.

Contra a anarquia capitalista só existe uma possibilidade: o Socialismo. Nossa certeza é de que este modo de produção econômica não se baseia em utopias, mas em um método de análise científica que é o materialismo histórico e dialético. Matematicamente é comprovado que dadas os atuais estágios das forças produtivas, a planificação do que produzir, quando produzir e como distribuir a produção eliminará a fome e as doenças no mundo e por extensão todas as mazelas que assolam a humanidade. Mas para isso é necessário acabar com a propriedade privada dos grandes meios de produção.

*Silvio Durante – graduado em História, especialista em Filosofia e membro da Executiva do PT de Bauru/SP

*Rui Deglan – professor de História da rede pública e membro do PT de Pederneiras/SP

Publicado originalmente no Esquerda Marxista

 

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Helena Sthephanowitz, via Rede Brasil Atual

A velha mídia está dando espaços generosos para Roberto Jefferson e seu advogado, que querem colocar o ex-presidente Lula como réu do processo – numa tentativa clara de desviar o foco da atenção sobre si.

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, rejeitou por unanimidade os 13 pedidos feitos pelos advogados de defesa do ex-deputado federal – ele sim, réu na Ação Penal (AP) 470 – e decidiu enviar ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil a cópia do acórdão e das notas taquigráficas do julgamento, por considerar que a defesa abusou do seu poder de litigar.

Segundo o relator, ministro Joaquim Barbosa, a defesa do réu “vem agindo com o firme intuito de tumultuar o andamento desta ação penal” porque propôs novamente, entre outras questões, a inclusão do presidente da República como réu – o que já havia sido rejeitado pelo plenário em 19 de junho de 2008.

Roberto Jefferson deve saber que isso é litigância de má-fé. Mas se uniu à imprensa e, juntos, estão dando seus shows diários, para ser usado na campanha eleitoral dos adversários dos candidatos petistas

O STF marcou o julgamento do chamado “mensalão” para coincidir com a campanha eleitoral. Com isso está havendo, em paralelo, um inevitável duelo político travado sobretudo nos meios de comunicação, nas redes sociais e nas militâncias que estarão envolvidas na campanha eleitoral.

O duelo político se fará, por um lado, pela justiça (que se condene aquele que tiver suficientes provas contra si), pela verdade, pela lisura do processo eleitoral, pelos melhores programas de governo para as cidades, contra quem quer fazer o terceiro turno das eleições de 2006 em pleno 2012.

De um lado do “duelo”, setores populares e progressistas, e do outro, a velha imprensa demotucana com seus políticos corruptos blindados, mesmo que carregando nas costas o mensalão tucano, o esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira, a Privataria Tucana, a lista de Furnas etc.

É esse o duelo político que está posto. Cabe ao STF se blindar contra pressões de quem quer que seja, e ater-se às provas, não às versões, ao poder de oratória dos advogados de qualquer das partes, muito menos a testes de hipóteses publicados na imprensa.