Archive for the ‘INFRA ESTRUTURA’ Category

por Helena Sthephanowitz publicado 30/09/2013 16:42, última modificação 30/09/2013 16:59
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Outra campanha negativa da mídia começa a cair: Petrobras vai bem, obrigado

Hoje (30), o jornal O Globo estampou em sua manchete principal “Petrobras ampliará capacidade em 50%”. A matéria trata como novidade que nove navios-plataforma e sondas de apoio estão sendo instaladas este ano pela estatal brasileira, e que tais instalações incrementam a capacidade de produção em mais um milhão de barris de petróleo por dia.

O desavisado leitor de manchetes – e até mesmo o assinante do jornal – deve ficar atônito com esta notícia, depois de ter lido no mesmo jornal, durante meses, que a Petrobras estaria à beira do precipício, inclusive fazendo coro com a irresponsabilidade de alguns líderes da oposição. O senador tucano Aécio Neves, por exemplo, publicou artigos afirmando que a empresa estava praticamente “quebrada”.

Imaginemos o leitor de O Globo concluindo que nove gigantescas plataformas de petróleo teriam sido compradas da noite para o dia, como se a presidente da empresa Graça Foster tivesse ouvido as críticas publicadas no jornal e resolvido agora pegar um carrinho de supermercado e apanhar navios-plataforma na prateleira, como se fossem sacos de arroz.

A verdade é que equipamentos deste porte para a indústria de petróleo precisam ser encomendados com alguns anos de antecedência, e obedecem a criterioso planejamento. Estas plataformas foram licitadas e encomendadas já há algum tempo, fazem parte não só do plano de investimentos da empresa, como do Plano de Aceleração do Crescimento, do governo federal, e da política de desenvolvimento da indústria naval brasileira. Por ser empresa pública e de capital aberto, a Petrobras divulga abertamente todos os fatos relevantes.

Mas o leitor do jornal dos Marinho não ficou sabendo de nada disso. Para tentar reduzir danos à imagem de seu jornalismo, a manchete foi alterada no portal online: “Petrobras eleva produção para neutralizar efeitos da interferência política”. O jornalão se refere ao preço controlado da gasolina e do diesel.

Mas a matéria de novo mostra falta de compromisso com a verdade. Isto porque a decisão de elevar a produção nos volumes que estamos vendo se deu há muito tempo, nada tendo a ver com a situação conjuntural da subida da cotação do dólar neste ano, coisa que afeta o preço dos combustíveis refinados no exterior.

A “interferência política” a que o jornal se refere, é a decisão de aumentar a produção da estatal, o que se deu após a descoberta do pré-sal, ainda no governo Lula, com a determinação de manter a Petrobras no controle hegemônico da produção deste petróleo, inclusive com a capitalização da estatal com 5 bilhões de barris do pré-sal no campo de Tupi. Óbvio que para explorar esse campo foi necessário fazer as encomendas de plataformas que estão sendo entregues atualmente.

No primeiro semestre deste ano, analistas da Merrill Lynch enviaram relatório a seus clientes enumerando cinco boas razões para a compra de ações da Petrobras, entre elas a previsão de que seria uma das líderes globais em crescimento da produção de petróleo na comparação com outras companhias do setor. Naquela mesma época, o leitor de O Globo recebia informações contrárias à esta realidade.

Assim, o jornalão acrescenta mais uma pérola do o jargão jornalístico chama de barrigadas – matérias que se mostram desprovidas de sua matéria-prima principal:  a verdade. Somente em 2013, o jornal já publicou o falso alarme de um racionamento elétrico no início deste ano. Depois, o falso alarme sobre a inflação, com o tomate no papel de grande vilão. Agora, fica comprovado que voltou a faltar com a verdade, ao publicar sistematicamente reportagens, análises e artigos negativos sobre a realidade da Petrobras.

Será que aprende?

 

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Pelo contexto brasileiro, o que aconteceu foi surpreendente, mas do ponto de vista do cenário mundial, ao qual não há nenhum abuso em recorrer para estabelecer alguns parâmetros e referências, torna-se um pouco menos surpreendente” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Marco Aurélio Weissheimer

“Um dos paradoxos da situação provocada pelos protestos de rua que sacudiram o Brasil nas últimas semanas é a impressão, estimulada por alguns setores bem identificados, de que o país estaria acabando quando, na verdade, está começando um novo ciclo, em um novo patamar. É claro que há problemas relativamente agudos na educação, na saúde e na segurança, mas não podemos fazer de conta de que não existiram os grandes avanços que o país teve nos últimos anos. Estou convencido de que esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura”. A avaliação é de Flavio Koutzii, dirigente histórico do PT gaúcho e nacional, que, ao mesmo tempo em que reconhece a legitimidade das manifestações e vê nelas uma expressão de mudança qualitativa na política brasileira, adverte para o risco de uma regressão no país que provoque o desmonte das políticas construídas nos últimos dez anos.

Em entrevista ao Sul21, Koutzii analisa os significados políticos das manifestações, procura situá-las num contexto histórico mais amplo e reconhece responsabilidades do PT e do governo federal nesse quadro de crise da representação política e partidária. Entre as responsabilidades do governo, o ex-chefe da Casa Civil do governo Olívio Dutra assinala uma escolha que, para ele, resultou num desastre: a incapacidade de disputar suas próprias políticas e símbolos no espaço dominante da comunicação:

Houve uma omissão a respeito. Não se trata de uma falha, mas de uma escolha, uma escolha de não enfrentar os monopólios da mídia. Isso tem a ver com o fato de que o tom, a ênfase e o próprio código valorativo do que efetivamente se fez tiveram uma grande diminuição de potência, porque nem o governo transformou isso em bandeiras. O governo anunciou o que fez, é verdade. Mas isso está no meio de todos os demais anúncios. O governo raramente disputou isso como a vitória de uma política, o que no Brasil é considerado um pecado e daria umas cem edições da Folha de São Paulo e umas cinco mil edições da Veja”.

Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Há um pensamento desagregador muito comum hoje entre os cronistas da mídia e editorialistas ao abordar a realidade política, econômica e social brasileira | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21: As mobilizações e protestos de rua que sacudiram o país nas últimas semanas constituíram um fenômeno completamente inesperado. Qual a sua caracterização geral sobre as mesmas, se é que já é possível fazer tal caracterização?

Flavio Koutzii: Essas mobilizações, de fato, foram inesperadas e tiveram como elemento deflagrador reivindicações em várias cidades relacionadas ao preço das tarifas de ônibus. Rapidamente, se agregou a este cenário um nível importante de repressão policial que deu mais combustão a essa energia inicial. Pelo contexto brasileiro, o que aconteceu foi surpreendente, mas do ponto de vista do cenário mundial, ao qual não há nenhum abuso em recorrer para estabelecer alguns parâmetros e referências, torna-se um pouco menos surpreendente. Se olhamos para a Primavera Árabe, as manifestações nos países europeus completamente avassalados pela política de destruição dos direitos mínimos de cidadania, de trabalho e de garantias sociais, temos a percepção inicial, e talvez até mais do que isso, do poder imenso das chamadas redes sociais. Não era exatamente uma novidade tecnológica, mas houve certa desatenção para o fato de que se tratava de uma novidade social de grande potência.

Merece destaque, no caso brasileiro, a sintonia e a sincronia com que os processos se deram rapidamente nas principais cidades do país de forma multitudinária e quase instantânea. É um fenômeno mais ou menos análogo, considerando as respectivas diferenças de contexto, ao que vinha acontecendo em outros países, para derrubar ditaduras ou para denunciar o caráter destrutivo da hegemonia neoliberal no terreno da economia e da aniquilação de direitos sociais. Ainda no caso brasileiro, se considerarmos a visão dos “secadores” do desenvolvimento econômico do país, para tomar uma expressão futebolística, temos a impressão de que esse é o pior Brasil que já tivemos. Eu estou absolutamente convencido de que esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura. Há um pensamento desagregador muito comum hoje entre os cronistas da mídia e editorialistas ao abordar a realidade política, econômica e social brasileira. Esse pensamento teve uma pequena repercussão, mas teve, nas pautas levadas adiante nas manifestações para tentar criar a impressão que esse é o pior Brasil da história. Um dos símbolos desse tipo de pensamento foi a famosa capa da Veja com o tomate, que foi uma grande tergiversação.

Sul21: Se esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura, e há fartos indicadores para apoiar essa afirmação, como entender esses protestos de rua?

FK: Afirmar isso não retira, é claro, a legitimidade das manifestações. Um dos paradoxos da situação atual é essa impressão, estimulada por alguns, de que o país estaria acabando quando, na verdade, está começando um novo ciclo, em um novo patamar. É claro que há problemas relativamente agudos na educação, na saúde e na segurança, mas não podemos fazer de conta de que não existiram os grandes avanços que o país teve nos últimos anos. Mas não resta dúvida de que essas manifestações representam uma ruptura qualitativa em relação a qualquer outro processo que o Brasil já viveu. Isso é o mínimo que se pode dizer. Eu venho de uma geração que atravessou as primeiras lutas que ainda foram possíveis de fazer, de forma direta e massiva, depois do golpe de 64 e da instauração da ditadura. O ápice da luta neste período inicial pós-golpe foi a passeata dos 100 mil, em 1968, no Rio de Janeiro. Foi uma coisa extraordinária, mas durante o período de acumulação para chegar até essa passeata, atividades com 100 pessoas, em sua maioria compostas por jovens também, eram consideradas um grande sucesso.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Houve um movimento da direita para tentar capturar o movimento, uma vez que, dada a sua constituição, ele é impulsionado não só pela pluralidade de eixos” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Estou falando de 50 anos atrás, mas isso ajuda a perceber, até pela experiência vivida, que o gigantismo do processo atual (com manifestações simultâneas que chegaram a reunir 800 mil, um milhão de pessoas em todo o Brasil) é um fato muito relevante. Não menos relevante é o perfil majoritariamente jovem dessas manifestações. Além disso, colocou-se um tema sobre o qual creio que a esquerda, e mesmo o governo nacional, tem que se interrogar fortemente: uma situação dessa dimensão não cai do céu, ela não pode simplesmente ser impulsionada pelas redes, senão a tecnologia é tudo e a política é nada. Não há, obviamente, no início desse processo nenhuma motivação conspiratória, o que não quer dizer que no decorrer do mesmo, em virtude de sua dimensão, não tenha se colocado uma nova situação política, uma grande mexida no tabuleiro político do país, fazendo com que outras forças começassem a se mover.

Sul21: Que forças começaram a se mover e em que direção?

FK: Houve um movimento da direita para tentar capturar o movimento, uma vez que, dada a sua constituição, ele é impulsionado não só pela pluralidade de eixos, mas também por uma espontaneidade inicial de quem participa dele. Mas não existe propriamente uma geração espontânea do movimento e não se pode confundir potencialidade tecnológica com motivos que têm como base expectativas sociais não efetivadas. Volta aí o tema do paradoxo que citei anteriormente e que aparece nos debates hoje nas redes e fora delas. Se eu, reconhecendo todas as dificuldades e limites, afirmo os valores parciais do processo dos últimos dez anos, com Lula e Dilma, logo vem alguém dizer: “Ah, você está dizendo então que está tudo uma maravilha, que está tudo bem na saúde e na educação, que a segurança é perfeita…”. É um clichê lamentável, empobrecido e simplificador, muito a gosto do maniqueísmo.

Esta forma de discutir, que vem se tornando comum em setores médios da população, está sempre nos trilhos do maniqueísmo. Qualquer afirmação positiva é confrontada com tudo o que ainda falta por fazer. E não é levado em conta o caráter concreto e positivo de tudo o que já foi feito. Não se leva em conta, por exemplo, que o modo pelo qual a política e a economia foram administradas nos últimos anos colocou cerca de 30 milhões nisso que vem sendo chamado, certo ou errado, de nova classe média. Será que a aposta feita antes da crise mundial de 2008 de ampliar o mercado interno não foi um elemento que nos permitiu enfrentar a ressaca mundial decorrente da crise do universo financeiro que comanda cada vez mais perversamente a economia e controla muitas sociedades? Arrancar 15 milhões de pessoas da mais extrema pobreza é algo sem significado, de menor importância? Cinco milhões de pessoas beneficiadas pelo Luz para Todos é um detalhe secundário?

Poderia seguir dando outros tantos exemplos. A política internacional, que deu autonomia e capacidade de potencializar a posição do Brasil no cenário mundial não tem nenhuma importância. O fato é que há uma lista de muitas realizações que é substantiva. Poderia citar ainda o Bolsa Família, a política de quotas…Há uma discussão político-ideológica em torno dessas políticas. Elas existem, incidem sobre a sociedade e tem um alcance extraordinário, como é o caso do Bolsa Família. Tem o pré-sal, a Petrobras, que está sempre na linha de tiro da direita. Esse é o Brasil. Tem tudo o que falta, é verdade, senão as pessoas não estariam falando nisso, mas o que falta no que falam é o reconhecimento do que já foi feito, não como um paraíso, mas como avanços concretos e substantivos.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Quer dizer que todo mundo pode tentar defender e usar a linguagem dos meios de comunicação atuais para o que quiser, menos o governo?” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21: Todos esses avanços e resultados parecem ter desaparecido do debate político atual. Como isso pode ocorrer, na sua avaliação?

FK: É como se não tivessem acontecido e como se, juntos, não articulassem um olhar global mais auspicioso sobre a realidade do país. O que isso tem a ver com as manifestações? Tem a ver com um dos elementos da política do governo federal nestes anos, um elemento que é uma escolha e é um desastre: a incapacidade de disputar suas próprias políticas e símbolos no espaço dominante da comunicação. A realidade é que hoje o governo e todo o campo progressista e de esquerda não tem instrumentos para enfrentar esse problema. Pior ainda: houve uma omissão a respeito. Não se trata de uma falha, mas de uma escolha, uma escolha de não enfrentar os monopólios e corporações da mídia. Se juntarmos esses fios, podemos ver que isso tem a ver com o fato de que o tom, a ênfase e o próprio código valorativo do que efetivamente se fez teve uma grande diminuição de potência, porque nem o governo transformou isso em bandeiras. O governo anunciou o que fez, é verdade. Mas isso está no meio de todos os demais anúncios.

O governo raramente disputou isso como a vitória de uma política. Consequentemente, não politizou a própria política que usou, o que é considerado um pecado no Brasil. É claro que isso daria umas cem edições da Folha de São Paulo e umas cinco mil edições da Veja, como se fosse uma grande imoralidade administrativa. Quer dizer que todo mundo pode tentar defender e usar a linguagem dos meios de comunicação atuais para o que quiser, menos o governo? Então, o governo tem uma grande dose de responsabilidade aí. Ocorre essa explosão crítica, nutrida em parte por problemas reais, e, por outro lado, não tem nada, por parte de uma política governamental, que fez coisas tão boas e tão importantes, na defesa política do que fez e na disputa de ideias na sociedade. Essas realizações foram decisivas para a reeleição de Lula e para a eleição da Dilma, porque incidiram na vida real das pessoas. Isso é fantástico. O que é inaceitável é não fazer a batalha política em torno dessas coisas alcançadas. Assim, a direita fica falando sozinha. Esse é um dos temas que considero muito importante para fazer um diagnóstico mais amplo e contextualizado do que está acontecendo. Se tivesse ocorrido uma disputa sobre o que realmente foi feito, seria possível tensionar democraticamente o próprio processo de mobilizações e protestos.

Dois ou três dias depois que as coisas começam a acontecer já é possível perceber uma leve derrapagem de partes do movimento que começam a apontar diretamente para o governo federal. Neste momento entram em ação, na mídia e nas redes sociais, usinas que começam a trabalhar, com maior ou menor sutileza, na direção da desestabilização do governo e da presidência em particular, apostando na lógica do quanto pior, melhor. Esses elementos todos fazem parte de um primeiro olhar sobre como essas coisas todas se articularam. O fator surpresa foi a aparição dos protestos com essa intensidade. O fator explicação é o que temos o dever de procurar, de refletir sem sectarismos ou esquematismos, mas distinguindo as coisas. Esse processo todo acabou se tornando uma espécie de condenação global do país, como se nada tivesse acontecido e como se não estivéssemos muito bem em várias áreas.

Sul21: E parece ter sido muito rápida essa transição de um movimento focado na questão do preço das passagens do transporte coletivo para uma espécie de condenação geral do governo, dos partidos, dos políticos em geral. Qual é a parte de responsabilidade dos partidos neste processo, em especial do PT e dos seus principais aliados? Há um razoável consenso em torno do diagnóstico que vivemos, de fato, uma crise do sistema partidário e de representação política. Qual é o peso dos partidos nessa crise?

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“tem uma espécie de racismo operando que faz com que não suportem o fato de milhões de pessoas que viviam na pobreza terem melhorado de vida” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

FK: Essa é uma questão fundamental. Temos vários elementos precedentes que foram alimentando um caldo de cultura e uma atmosfera política que potencializaram a amplitude e a dimensão do que acabou ocorrendo, e eu diria também, potencializaram a paixão e o rancor que às vezes se misturaram indistintamente nessa atmosfera. Não tenho dúvida que o estado maior das finanças, da grande mídia e de setores empresariais muito importantes nunca estiveram tão bem do ponto de vista de sua atividade empresarial capitalista. Mesmo assim, eles não suportam. Como disse o Chico Buarque certa vez, tem uma espécie de racismo operando que faz com que não suportem o fato de milhões de pessoas que viviam na pobreza terem melhorado de vida. Mesmo tendo ocorrido uma ampliação espetacular do mercado interno brasileiro, que incorporou milhões de pessoas que estavam numa situação de “pré-consumidores” – e escolho essa palavra porque diz respeito a esses setores -, o que os ajudou a não sucumbirem à crise de 2008, eles não suportam quem está no governo hoje. E isso que o que estamos fazendo são políticas de moderadas reformas dentro da sociedade capitalista.

O horizonte socialista, por mais que me doa pessoalmente reconhecê-lo pois dediquei minha vida a esse projeto, não está colocado. Tem gente que não gosta que se diga isso, mas acho que precisamos chamar as coisas pelo nome. O projeto socialista colapsou e os reformistas moderados fizeram coisas boas e interessantes para o povo brasileiro. Mas elas não têm a ver com reformas radicais ou com perspectivas revolucionárias. Essa é a situação e esses são os nomes das coisas que temos diante de nós.

Essa é a moldura do debate sobre a responsabilidade dos partidos. Nós acabamos vivenciando uma crescente relativização de certos valores. Eu me incluo nessa responsabilidade pelo período em que fui dirigente, pelo conjunto da própria trajetória do PT. Eu até aceitaria essa frase que costumam jogar na nossa cara, de que todos os partidos são iguais, com uma ressalva: são quase iguais, mas não fazem a mesma coisa. Essa questão é fundamental. O PT, por uma série de processos em que se envolveu, como o próprio tema do mensalão, foi erosionando dramaticamente a sua própria autoridade moral, que lhe deu tanta potência política e foi tão vital para seu crescimento nos primeiros vinte anos. Mas cabe uma ressalva. Nós podemos ter ficado muito parecidos com os outros, mas a nossa ideia sobre o que fazer do Brasil é diferente da ideia da direita. É por isso, também, que ela nos combate. Não é só porque ela não gosta do nosso cheiro; também não gosta das nossas ideias.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“A escolha de uma espécie de” realpolitik”, ditada pela necessidade de fazer um governo de coalizão também é um elemento inescapável neste debate” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

A nossa responsabilidade, falando como petista, ao dissolver certo núcleo ético que acompanhava a vitalidade das nossas políticas e que nos nutriu para chegarmos onde chegamos, produziu um efeito no campo da direita. Impotente, pelo esgotamento do seu projeto executado nos anos 90 durante o governo Fernando Henrique, ela desloca para o centro da política o tema da ética e da moral. E nós demos muita sopa. Com os erros e procedimentos pelos quais somos responsáveis, nem sempre exatamente como eles dizem, nós abrimos um flanco que eles usaram para introduzir um cavalo de troia no nosso campo, reduzindo a política ao tema da ética, quando a política que se faz, certa ou errada é, na verdade, o centro da política. A política é a expressão de uma disputa de poder.

A escolha de uma espécie de” realpolitik”, ditada pela necessidade de fazer um governo de coalizão também é um elemento inescapável neste debate. Escolha em relação à qual, diga-se de passagem, eu não tenho nenhuma alternativa a oferecer, a não ser em um aspecto: as coligações podem ser feitas, quando temos um peso importante ou certa hegemonia, para garantir a hegemonia de uma determinada política, política esta que deve ser explicitada. Se não explicitamos essa política e se essa hegemonia se sustenta pelo padrão clássico de troca de favores, temos aí um segundo elemento para entender a crise de autoridade.

Nós evitamos tensionar esse padrão para preservar um amplo leque de alianças. O preço disso é o aumento da despolitização. Nós não fizemos uma disputa enérgica e permanente sobre aquilo que efetivamente fizemos, que tem sentido, tem a ver com desenvolvimento, com distribuição de renda, com a melhoria da vida das pessoas. E isso também não foi feito, em parte, para não espantar aliados. Não creio que seja muito esquerdismo defender que a explicitação da índole dessas políticas poderia causar a perda de alguns aliados, mas poderíamos também entusiasmar muita gente. Creio que isso ajuda a entender a formação de um enorme buraco na política que é ocupado e disputado agora.

Sul21: Há um debate em curso sobre a disputa desses movimentos que estão nas ruas. Além disso, o anúncio feito pela presidenta Dilma Rousseff, propondo um plebiscito para encaminhar a Reforma Política, tirou o Congresso da situação de sono esplêndido na qual estava até então, trazendo-o para o centro da cena política. E parece que o Congresso, de modo geral, não reagiu bem às propostas de plebiscito e de um processo constituinte para fazer a Reforma Política. Na sua avaliação, quais são as chances de o Congresso aprovar uma reforma que dialogue com os sentimentos e opiniões que vêm das ruas?

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Tenho um pequeno otimismo sobre a possibilidade de saírem algumas coisas interessantes daí, como a entrada mais consistente de alguns novos protagonistas no espaço da política, mesmo que façam um discurso contra os políticos e os partidos” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

FK: Acho muito difícil que isso ocorra, pois aí entra em ação o sistema de defesa da corporação. Mas é possível que eles deem alguns anéis para não perderem todos os dedos. Isso depende também da continuação ou não dessas manifestações massivas. Acho que o ritmo tende a diminuir, pois exige um esforço dramaticamente duro. Outras manifestações que assistimos pelo mundo, em realidades políticas distintas, se estenderam por meses até, período no qual aconteceram muitas coisas. Uma das questões importantes para este futuro próximo é acompanhar a evolução de forças interessantes que estão surgindo nessas mobilizações e que não são forças ultraminoritárias. É possível que a grandeza dessa experiência política faça com que certos segmentos que participam dele busquem certa organicidade ou certa forma de permanecer. Esse é um dos dilemas profundos de alguns movimentos em outros países, como é o caso da Espanha. Não se isso vai acontecer aqui. No caso da Espanha, a recusa de certa organicidade foi um pouco fatal. Quem acabou se elegendo foi a pior direita de todas, a mais destrutiva para o povo espanhol.

Sul21: No Egito acabou acontecendo algo parecido. No final, até agora, não houve nenhuma grande mudança na estrutura de poder e o resultado da eleição foi a vitória da Irmandade Muçulmana…

FK: Sim, é exatamente o que quero dizer. As mobilizações de rua foram ocorrendo, mas não conseguiram dar um salto qualitativo com uma nova base social potencialmente promissora. Espero que isso não se repita aqui e penso que esse tema ainda está em aberto e vai depender de outros fatores. Neste sentido eu acho que o governo Tarso está indo bastante bem, pois tentou rapidamente estabelecer canais de diálogo reais e não apenas para tentar atenuar a gravidade do conflito. Tenho um pequeno otimismo sobre a possibilidade de saírem algumas coisas interessantes daí, como a entrada mais consistente de alguns novos protagonistas no espaço da política, mesmo que façam um discurso contra os políticos e os partidos. A verdade é que eles estão fazendo política o tempo todo, e não no sentido pejorativo. Então, acho que seria precoce e mesmo errado, do ponto de vista político, abusar de caracterizações que comecem a construir distâncias maiores dos que as que existem neste momento, quando talvez seja possível diminuí-las.

Sul21: Na sua avaliação, os protestos e mobilizações de rua trouxeram algum risco de ruptura institucional para o país?

FK: Acho que essa hipótese não pode ser descartada por quem está prestando atenção nesses acontecimentos. Tudo isso começou a acontecer, cabe lembrar, a pouco mais de um ano do início da campanha para as eleições presidenciais de 2014. A dimensão dos fatos redistribuiu um pouco as peças no tabuleiro. Esse tabuleiro já mudou, o que não quer dizer que os novos posicionamentos já estejam cristalizados. Por isso não excluo a necessidade de seguir muito atento a evolução desse cenário. Uma situação dessa grandiosidade traz muitas incertezas. O certo é que em 2014 decidiremos se o país continua com as mudanças, que podem ser graduais mas apontam na direção dos interesses do seu povo, ou se teremos uma regressão com o desmonte do que foi construído nestes últimos dez anos. Isso não é uma visão paranoica nem conspirativa. É uma visão do atual tabuleiro político.

Publicado originalmente em Sul21

 

Cuidado com os salvadores da pátria

 

 

 

 

 

 

Saiu no JB Online artigo de Mauro Santayana:

 

O joio, o trigo e a razão

Mauro Santayana
A situação criada com as numerosas manifestações, no Brasil, nas últimas semanas, não se resolverá com a reunião realizada ontem (segunda-feira) em Brasília, da Presidente Dilma Roussef, com governadores e prefeitos de todo o país – embora o encontro seja um importante passo para atender às reivindicações dos que foram às ruas.
Seria fácil enfrentar a questão, se as pessoas que vêm bloqueando avenidas e rodovias – levantando cartazes com todo o tipo de queixas – fossem apenas multidão bem intencionada de brasileiros, lutando por um país melhor.
A Polícia Civil de Minas Gerais já descobriu que bandidos mascarados, provavelmente pagos, recrutados em outros estados, têm percorrido o país no rastro dos jogos da Copa das Confederações, provocando as forças de segurança, a fim de estabelecer o caos.
Mensagens oriundas de outros países, em inglês,  já foram identificadas na internet, como parte da estratégia que deu origem às manifestações.
É preciso separar o joio do trigo. Além do Movimento Passe Livre, com sua postulação clara e legítima, há cidadãos que ocupam as ruas, com suas famílias, para manifestar  repúdio à PEC-37, que limita o poder do Ministério Público, ou para exigir melhoria na saúde e na educação.
E há outros que pedem a cabeça dos “políticos”, como se eles não tivessem sido legitimamente eleitos pelo voto dos brasileiros. Esses pregam a queda das instituições,  atacam a polícia e depredam prédios públicos, provavelmente com o intuito de gerar material para os correspondentes e agências internacionais, e ajudar a desconstruir a imagem do país no exterior.
O aumento brusco do dólar, a queda nos investimentos  internacionais, a diminuição do fluxo de turistas em eventos que estamos sediando, como a visita do Papa, a Copa e as Olimpíadas, não prejudicará só o Governo Federal, mas também as oposições, que governam alguns dos maiores estados e cidades do país, e  dependem da economia para bem concluir os seus mandatos.
Os radicais antidemocráticos  se infiltram, às centenas, no meio das manifestações e nas redes sociais, para pregar o ódio irrestrito à atividade política, aos partidos e aos homens públicos, e a queda das instituições republicanas. Eles não fazem distinção, posto que movidos pela estupidez, pelo ódio e pela ignorância,  entre situação e oposição, entre esse ou aquele líder ou partido.
Eles apostam no caos que desejam. Querem ver o circo pegar fogo para, depois, se refestelarem com as cinzas. Não têm a menor preocupação com o futuro da Nação ou com o destino das pessoas a que incitam à violência agora. Agem como os grupos de assalto nazistas, ou os fascistas italianos, que atacavam a polícia e os partidos democráticos nas manifestações, para depois impor a ordem dos massacres, da tortura, dos campos de extermínio, dos assassinatos políticos, como o de Matteotti.
Acreditar que o que está ocorrendo hoje pode beneficiar a um ou ao outro lado do espectro político é ingenuidade. No meio do caminho, como mostra a História,  pode surgir um aventureiro qualquer. Conhecemos  outros “salvadores da pátria”  que atacavam os “políticos”, e trouxeram a corrupção, o sangue, o luto, a miséria e o retrocesso ao mundo.
O encontro de ontem entre a Chefe de Estado, membros de seu governo e os governadores dos Estados é o primeiro passo em busca de um pacto de união nacional em defesa do regime democrático, republicano e federativo. A presidente propôs consultar a população e a convocação de nova assembléia constituinte a fim de discutir, a fundo, a reforma política, que poderá, conforme as circunstâncias, alterar as estruturas do Estado, sem prejudicar a sua natureza democrática.
É, assim, um entendimento que extrapola a mera questão administrativa – de resposta às reivindicações dos cidadãos honestos que marcham pelas ruas – para atingir o cerne da questão, que é política.  Há outras formas de ação da cidadania a fim de manifestar suas idéias e obter as mudanças. A proposta popular de  emenda constitucional, como no caso da Ficha Limpa. Cem mil pessoas que participam de uma manifestação, podem levantar 500 mil assinaturas em uma semana, a fim de levar ao Congresso uma proposta legislativa.
Não é preciso brincar com fogo para melhorar o país.

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“A previsão de renovação dos contratos dos
arrendatários de terminais em portos públicos
e a garantia de autonomia para o Porto de
Suape foram as principais alterações ao
texto original

Depois de mais de 40 horas de sessão na Câmara dos Deputados, o plenário do Senado inicia a votação da MP dos Portos. A redação final da matéria só foi apreciada na manhã de hoje em função da atuação de deputados do DEM, PSDB e PPS, que passaram a madrugada obstruindo a sessão, utilizando manobras regimentais e se alternando na tribuna para fazer os mesmos discursos. 

Durante a sessão, os deputados aprovaram dois destaques, referentes a licitações dos portos privados e à guarda portuária, que fará a segurança local. Também foi aprovada emenda do PT que permite aos concessionários de portos desde 1993 a renovar seus contratos desde que promovam novos investimentos.

Ainda foi aprovada na Câmara emenda aglutinativa do PT, que permite aos portos concedidos desde de 1993 a renovar suas concessões por mais 25 anos em troca de novos investimentos.

O relatório final sobre a Medida Provisória 595/2012, que passou a se constituir no Projeto de Conversão em Lei (PLV) 9/2013, foi aprovado em 24 de abril, após um longo processo de negociações e debates que prosseguiu por 11 semanas, e desenvolveu-se em oito audiências públicas, com 38 convidados, mas, principalmente, nas incontáveis reuniões entre os setores afetados pelo texto, parlamentares e representantes do Executivo.

A criação da chamada “Super Aduana”, os novos critérios para licitações que privilegiarão a eficiência, a previsão de renovação dos contratos dos arrendatários de terminais em portos públicos e a garantia de autonomia para o Porto de Suape foram as principais alterações ao texto original da MP acolhida pelo relator da matéria senador Eduardo Braga (PMDB-AM).

Uma das principais polêmicas criadas pela MP foi a atribuição de competência à Antaq para a realização de licitações. “Essa discussão gerou uma inquietação muito grande em Pernambuco, em virtude da possível perda de autonomia do Porto de Suape”, avaliou o senador Humberto Costa (PT-PE), responsável pela mediação que permitiu a superação das divergências em torno desse ponto.

As alterações incorporadas ao relatório permitem que a União delegue a estados ou a municípios que tenham recebido a permissão para a exploração de portos a elaboração do edital e a realização de licitação para arrendamentos de terminais no porto organizado. “Agora, Suape receberá a delegação da União para continuar a gerir o porto, como já acontece com o Porto de Recife. Isso é muito importante para a economia da Região”, afirmou o senador. 

Para o vice-presidente da comissão mista que analisou a MP, o senador José Pimentel (PT-CE), os acordos construídos ao longo do debate permitiram avanços significativos no texto da MP. “Foi um passo importante para modernizar os portos brasileiros”, afirmou. Segundo o Governo, as mudanças no setor vão permitir investimentos de mais de R$ 54 bilhões, com a oferta de 159 áreas em portos públicos ao setor privado. A medida estabelece um novo marco legal para o setor portuário e substitui a lei atual do setor, em vigor desde 1993.

Pimentel destacou a criação da “Super Aduana”, que é a nova organização dos diversos órgãos federais, como Anvisa e Receita Federal, que atuam nos portos. Essas instituições passarão a funcionar de maneira mais integrada e atendendo 24 horas por dia na liberação de cargas, inclusive aos domingos e feriados. Em Santos (SP), Rio de Janeiro e Vitória (ES), os portos já começaram a operar nesse regime desde 23 de abril. Essa integração poderá reduzir o custo com logística em cerca de 25%.

Negociação
O processo de negociação, porém, foi árduo. Ao apresentar seu relatório, no dia 23 de abril, o senador Eduardo Braga fez um desabafo e um apelo: “Temos conquistas palpáveis, com o compromisso do Executivo de não vetar essas alterações. Tentar avançar mais, sem um acordo, pode representar um retrocesso. Cheguei ao limite da minha capacidade de negociar”.

Os principais focos de resistência à MP 595 eram os interesses corporativos dos trabalhadores portuários e os empresários já estabelecidos no setor, à frente da exploração de portos públicos sob regime de concessão, temerosos da concorrência dos novos terminais privados —pela legislação em vigor até a edição da MP dos Portos, terminais privativos podiam apenas movimentar cargas próprias—e os estados e municípios que operam portos delegados e não aceitavam a centralização das licitações de futuros terminais na Agencia Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

O primeiro segmento a ser pacificado foram os trabalhadores, que tiveram praticamente todos os seus pleitos atendidos e selaram um acordo com o relator ainda em 22 de março.

O sistema portuário brasileiro é composto por 34 portos públicos, entre marítimos e fluviais. Desse total, 16 são delegados, concedidos ou tem sua operação autorizada à administração por parte dos governos estaduais e municipais. Existem ainda 42 terminais de uso privativo (que passaram a se chamar Terminais de Uso Privado) e três complexos portuários que operam sob concessão à iniciativa privada.

O Brasil encontra-se na 130ª posição, entre portos de 142 países. Em 2010, houve 79 mil horas de navios parados nos terminais, gerando uma despesa de R$ 246 milhões a quem paga o custo do frete. O Brasil demora, em média, 5,5 dias para desembaraçar suas cargas nos portos, quanto Hong Kong, que tem o porto mais produtivo do planeta, faz isso em menos de 15 horas.

A movimentação de cargas nos portos brasileiros cresceu 2,03% em 2012 em relação ao ano anterior, chegando a 904 milhões de toneladas. Do total de cargas movimentadas no ano de 2012, a maioria foi transportada pelos portos privados – em 2012, foram movimentados 588 milhões de toneladas de cargas (65%) e 316 milhões de toneladas (35%) nos portos públicos. Entre 1998 e 2011, o crescimento da movimentação de cargas (contêineres) foi de cerca de 10% ao ano.

Segundo estudos do Governo, a expectativa é que os investimentos privados cresçam para algo em torno entre R$ 30 bilhões e 40 bilhões, com contratos a serem firmados até 2014. Há a necessidade de investimentos da ordem de pelo menos R$ 43,6 bilhões até 2030 para atender a previsão do expressivo aumento da movimentação de cargas, que deverá quadruplicar nos próximos 15 a 20 anos.

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A movimentação de cargas nos portos
brasileiros cresceu 2,03% em 2012 em
relação ao ano anterior, chegando a 904
milhões de toneladas

Os investimentos previstos no Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP) contemplam projetos de construção e a ampliação de terminais, a implementação de sistemas de energia, dragagens e derrocagens, entre outras obras, aumentando-se a capacidade anual dos portos para 1,1 bilhão de toneladas, em 2030.

Mais emprego e mais movimentação de cargas

Para o líder do PT e do bloco de Apoio ao Governo, senador Wellington Dias (PI), a MP dos Portos trouxe dois benefícios ao País: a redução dos custos de operação portuária e a geração de mais empregos e investimentos logísticos destinados garantir rapidez na movimentação das cargas. “Nós temos uma situação desafiadora que é como trabalhar no Brasil as condições e as regras na área portuária que permitam atender a demanda existente hoje. São 900 milhões de toneladas e a demanda futura pode chegar a 2 bilhões de toneladas em pouco tempo”, afirmou.

O novo marco regulatório e a modernização do sistema portuário eram considerados imperativos diante da expectativa de crescimento sustentado da economia para os próximos anos e o aumento do volume do comércio internacional do Brasil. As mudanças foram propostas para garantir maior eficiência e competitividade internacional, traduzidas em menores custos das operações portuárias, além de estimular investimentos privados para a expansão das instalações já existentes.

Com o novo modelo portuário nacional, há um esforço governamental para a retomada da capacidade de planejamento no setor, redefinindo competências institucionais da Secretaria de Portos e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) – um marco regulatório, garantindo maior segurança jurídica e competição no setor.

Ranking divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, da Suíça, mostra que a qualidade de infraestrutura dos portos brasileiros encontra-se na 130ª posição, entre 142 países estudados. O mesmo estudo aponta que, em 2010, houve 79 mil horas de navios parados nos terminais, o que gerou uma despesa de R$ 246 milhões a quem paga o custo do frete.

A movimentação de cargas nos portos brasileiros cresceu 2,03% em 2012 em relação ao ano anterior, chegando a 904 milhões de toneladas – os portos públicos apresentaram movimentação 2,27% maior em 2012 em relação ao ano anterior, e os portos privados, o crescimento chegou a 1,91%. Do total de cargas movimentadas no ano de 2012, a maioria foi transportada pelos portos privados – em 2012, foram movimentados 588 milhões de toneladas de cargas (65%) e 316 milhões de toneladas (35%) nos portos públicos. Entre 1998 e 2011, o crescimento da movimentação de cargas (contêineres) foi de cerca de 10% ao ano.

Com o marco regulatório dos portos, a expectativa, segundo estudos do Governo, é que os investimentos privados cresçam para algo em torno entre R$ 30 bilhões e 40 bilhões, com contratos a serem firmados até 2014.

Cyntia Campos

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Josias de Souza

Reza um antigo refrão dos baixinhos que tamanho não é documento. Dona de 90 votos na Câmara, uma oposição diminuta submeteu o condomínio governista, gigante de 493 cabeças, a um sufoco improvável. Emparedados por uma obstrução parlamentar implacável, os governistas dobraram os joelhos pouco depois das 2h. Sem quórum, PMDB e PT passaram a se acusar mutuamente. Criticaram também a debilidade da articulação política do governo Dilma Rousseff.

Líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP) inaugurou o destampatório ao dizer que se sentia “injustiçado” por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Insinuou que o presidente da Câmara beneficava a oposição com interpretações benevolentes do regimento interno. Algo que esticava o processo legislativo e levava à falta de quórum.

Abespinhado, Henrique refutou. “O problema é da base do governo”, disse o mandachuva da Câmara. “A oposição cumpriu o seu papel de obstruir. A base, agora, tem que fazer a sua parte, tem que trazer aqui os seus parlamentares e dar quórum.” Chinaglia tomou as dores do consórcio, que concluíra a análise da MP e das emendas.

Faltava votar, porém, a redação final do texto. Sem isso, todo o esforço anterior seria vão. O bloco governista não conseguia levar ao painel nem o número mínimo de 257 presenças. Àquela altura, cerca de 50 deputados do PMDB e 20 do PT já haviam trocado o terno e a gravata pelos pijamas.

As críticas de Chinaglia estimularam outros petistas a investirem contra Henrique. Entre eles José Genoino (PT-SP). Mal lavados, os petistas distribuíam também indiretas aos peemedebistas desertores. Alceu Moreira (PMDB-RS) escalou a tribuna e elevou o timbre.

“Nao aceito uma sílaba de crítica ao comportamento do presidente Herique Eduardo Alves. Foi sereno. Aqueles que se acham donos do poder e, por ser maioria, querem esmagar a minoria não contem com o PMDB.” Após pregar o respeito ao regimento, o deputado mirou acima do PT, no Planalto.

“Façam uma reflexão: não dá para ter parceiro necessário e indesejável”, disse Alceu Moreira. “Ou o parceiro é necessário e desejável ou não é parceiro. Não dá para chamar o PMDB só para cuidar do doente na beira do leito hospitalar. Para um aniversário nunca fomos convidados. Queremos os dois lados.”

Enquanto o plenário matava o tempo à espera do retorno dos fujões, os governistas esfolavam-se uns aos outros. Líder do PT, José Guimarães (CE) foi ao microfone para repisar as críticas de Chinaglia a Henrique Alves. “É claro que muitos da base do governo se sentiram inseguros porque a interpretação do regimento favoreceu a oposição.”

Henrique Alves atalhou o orador: “Nao favoreceu a oposição coisa nenhuma, caro líder. Só fiz cumprir o regimento. E não me afasto um milímetro do cumprimeiro desse regimento. Não entre por esse argumento que é muito perigoso. Esse tipo de entendimento eu não posso aceitar. Em momento algum tive sequer a intenção de beneficar quem quer que seja.”

Guimarães cuidou assoprar: “Respeitamos a bancada do PMDB e as demais bancadas. Essa base esteve unida durante o dia todo. Deu curto-circuito no final.” Mordeu novamente: “A interpretação que foi dada ao regimento é que terminou facilitando enormente para que a oposição estivesse com essa cara de felicidade.”

Líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), desafeto de Dilma, também saiu em defesa de Henrique Alves. Tido pelo petismo como um dos responsáveis pelo sumiço de deputados, disse que o problema não era nem o regimento nem a obstrução dos oposicionistas PSDB, DEM e PPS. A exemplo do liderado Alceu Moreira, Cunha mirou no Planalto.

“Se nós estamos passando o que estamos passando é por problemas que estão existindo dentro da própria base do governo. Não adianta tapar o sol com a peneira. Há problemas sim, há problemas de articulação política. O método utiizado para tentar melar a votação da semana passada e tumultuar a sessão de ontem não foi prática de parlamentares da base. Foi falha da articulação política. Errou e teve consequências.”

Eduardo Cunha prosseguiu: “Agora, precisamos é baixar a bola. Está faltando voto. Estamos aqui há duas madrugadas. São 4h56. Ninguém aqui é criança. Ninguém aquenta ficar duas noites e dois dias seguidos achando que parlamentar vai ficar aqui defendendo e ainda ouvindo desaforos. Mandei carro buscar quatro, cinco deputados em casa. Agora, isso não pode ser feito debaixo de desaforo.”

Às 5h08, o painel eletrônico do plenário voltou a registrar o quórum mínimo de 257 deputados. A sessão foi reaberta. Porém, num sinal de que a falta de quórum era proposital, os votos do governo voltaram a rarear. No primeiro pedido de verificação do quórum feito pela oposição a sessão voltou cair.

Henrique Alves esticou a sessão até o sol raiar. Só às 8h57 o quórum seria restabelecido. Às 9h43 o processo de votação da medida provisória foi, finalmente, encerrado. “Nasceu a fórceps”, ironizou Chico Alencar (PSOL-RJ). As fornalhas do plenário ficaram ligadas por quase 23 horas ininterruptas. Somando-se às 18 horas do dia anterior, foram 41 horas de atividades.

Ex-líder do PT, Fernando Ferro (PE) atribuiu o suadouro “menos ao mérito da oposiçãoo e mais ao fracasso da base do governo”. Desalentado, disse que “mesmo a conclusão da votação não autoriza comemorações. Não há falhas só aqui. Há falhas da articulação política. Não posso deixar de reconhecer. Inclusive o governo terá de aprender com isso.” Henrique Alves parabenizou-o pela “avaliação realista.”

Ex-candidata à presidência da Câmara, Rose de Freitas (PMDB-ES) resumiu a atmosfera da madrugada: “Esse governo, que eu integro e defendo, não sabe tratar essa Casa. Não tem conversa, não senta na mesa, não discute nenhuma medida antecipadamente. O que aconteceu aqui foi o desdobramento das fatalidades que a falta de articulação do governo está fazendo acontecer.”

Saul Leblon – Carta Capital

No seminário dos dez anos de governo do PT, realizado nesta 3ª feira, em Porto Alegre, o ex-presidente Lula fez uma ponderação interessante:

‘Quando você ficar em dúvida, feche os olhos, imagine o que seria o Brasil de hoje sem os dez anos de governo do PT’.

Um bom começo é dar de barato que José Serra venceu as eleições em 2002 e seria reeleito em 2006, fazendo o sucessor em 2010.

Nesse Brasil imaginário, caso a Petrobras ainda resistisse, reservas imensas de petróleo seriam descobertas em 2009.

A seis mil metros abaixo da superfície do oceano, o Brasil seria premiado com uma poupança equivalente a 50 bilhões de barris. As maiores descobertas de petróleo do século 21.

O que Serra faria com elas não é preciso imaginar.

Basta reler despachos de dezembro de 2009, da embaixada norte-americana no Brasil, revelados pelo WikiLeaks.

Matéria da ‘Folha de S.Paulo’, de 13/12/2010 transcreveu o teor desses documentos.

Neles, o tucano explicita as consequências para o Brasil, caso as urnas de 2010 transformassem em realidade o país imaginário proposto por Lula.

Trechos da matéria da Folha intitulada ‘Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal’:

“Segundo telegrama do WikiLeaks, Serra prometeu alterar regras caso vencesse. Assessor do tucano na campanha confirma que candidato era contrário à mudança do marco regulatório do petróleo (realizada por Lula).

As petroleiras americanas não queriam a mudança no marco de exploração de petróleo no pré-sal que o governo aprovou no Congresso, e uma delas ouviu do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse.

“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato do telegrama.

O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem “senso de urgência”. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu, sempre segundo o relato: “Vocês vão e voltam”.

A mudança no marco regulatório do pré-sal, que Serra prometia reverter, restituiu à Petrobras o controle integral de todo o processo de extração, refino e comercialização, esfarelado em 1997, quando o PSDB rompeu o monopólio.

Desde então, a exploração passaria a ser regida pelo modelo de concessão em que a empresa vencedora dos campos licitados se torna a proprietária soberana de todo o óleo.

Em síntese, o Estado deixa de exercer qualquer controle sobre o processo.

No modelo de partilha do pré-sal, que teve oposição virulenta do conservadorismo, a Petrobras ganhou duas vantagens: será a operadora exclusiva dos campos e terá, no mínimo, 30% de participação nos consórcios que exercerem a exploração.

O óleo extraído será dividido com o país. A presença direta da Petrobrás impedirá manipulações.

Mais importante que tudo: a estatal definirá o ritmo da extração, de modo a viabilizar a pedra basilar do novo marco regulatório.

A regra de ouro consiste em tornar o pré-sal uma alavanca industrializante, capaz de deflagrar um salto de inovação no parque fabril brasileiro.

Cerca de 60% a 70% dos bens e equipamentos requeridos em todo o ciclo de exploração terão que ser adquiridos de fabricante local.

O fracasso desse modelo conta com uma poderosa torcida incrustrada em diferentes setores da economia, da política e da mídia. Local e internacional.

O Brasil que Lula convida a especular felizmente não aconteceu. Mas seus atores potenciais não desistiram de protagonizá-lo.

Um fiasco da Petrobrás no pré-sal é tido por eles como o atalho capaz de materializar a relação de forças que as urnas descartaram em 2002, 2006 e 2010.

Na 5ª feira da semana passada, o arguto José Serra reafirmou essa esperança em um artigo no Estadão em que reitera a incompatibilidade histórica do PSDB com o petróleo brasileiro. Trata-se de uma espécie de atualização histórica do antagonismo entre a UDN e o desenvolvimentismo.

O texto sugere o nome de Lula ao Guinness World Records.

Motivo: o ex-presidente teria empurrado a Petrobrás a uma situação de pré-insolvência, entre outras razões, por ter modificado a regulação herdada do PSDB, no caso das reservas do pré-sal.

Trechos do artigo de Serra, publicado na edição de 09/05/2012 do jornal:

“Em palestra recente afirmei que o ex-presidente Lula mereceria pelo menos três verbetes no Guinness World Records. O primeiro por ter levado à pré-insolvência a Petrobras, apesar de ser monopolista, a demanda por seus produtos ser inelástica, os preços internacionais, altos e as reservas conhecidas, elevadas. Fez a proeza de levar a maior empresa do País à pior situação desde que foi criada, há 60 anos. Promoveu o congelamento de seus preços em reais, instaurou uma administração de baixa qualidade e conduziu a privatização da estatal em benefício de partidos e sindicatos, com o PT no centro. Esse condomínio realizou investimentos mal feitos e/ou estranhos, sempre a preços inflados; queimou o patrimônio da Petrobras na Bolívia; promoveu previsões irrealistas sobre o horizonte produtivo do pré-sal e fulminou, para essa área, o modelo de concessão, trocando-o pelo de partilha, que exige da empresa ampliação de capacidade financeira, administrativa e gerencial impossível de se materializar”.

O tucano causou frisson na rede conservadora, recebendo rasgados elogios daqueles que o consideram dotado de um tirocínio econômico privilegiado.

Três dias depois de sepultada no mausoléu dos grandes fracassos nacionais, a Petrobrás ressuscitou no noticiário.

O mármore da lápide onde o coveiro tucano gravou seu artigo do Estadão dissolveu-se, então, sob o peso de US$ 11 bilhões de dólares.

A montanha de dinheiro foi captada no mercado internacional com a venda de seis tranches diferentes de títulos da Petrobrás, com vencimentos variáveis que se estendem até 2043.

A demanda dos investidores internacionais teria alcançado US$ 40 bilhões, excesso que a estatal declinou.

Os maiores bancos e fundos internacionais negligenciaram a perspicaz avaliação do PSDB e de seu eterno presidenciável sobre a higidez presente e futura da Petrobras, do Brasil e do modelo de extração do pré-sal, que lastreia papeis com horizonte de vencimento de até 30 anos.

Não só. Nesta 3ª feira, infelizmente pelo modelo de concessão ainda vigente em áreas externas ao pré-sal, dezenas de empresas se apresentaram para arrematar campos leiloados pela Petrobras em diferentes regiões brasileiras.

O investimento previsto é de R$ 7 bilhões.

O que evidencia esse exercício frugal de rememoração, inspirado no convite de Lula, é a frivolidade quase caricatural com que o PSDB e seus ventríloquos torturam as palavras ‘desastre’, ‘fracasso’ e ‘crise’, de modo a vesti-las no país e num governo, cujos flancos existem.

Mas, por certo, não serão aqueles diagnosticados por Serra; e tampouco passíveis de superação com a receita conhecida dos herdeiros do udenismo.

“A 11ª Rodada de Licitações é um grande retrocesso para o Brasil”

Escrito por: Página do MST

Bandeira brasileira: movimentos sociais em defesa da soberania e contra o entreguismo do nosso petróleo às transnacionais

Bandeira brasileira: movimentos sociais em defesa da soberania e contra o entreguismo do nosso petróleo às transnacionais

Na manhã desta segunda-feira (13), cerca de 600 camponeses organizados pelo MST, MCP, MAB, além de quilombolas e dos trabalhadores ligados à Federação Única dos Petroleiros ocuparam o Ministério de Minas e Energia, em Brasília.

A ação faz parte do conjunto de protestos contra a 11ª rodada de licitações de blocos para a exploração de petróleo e gás natural, prevista para os dias 14 e 15 de maio, e contra a privatização de diversas barragens cujas concessões vencem até 2015.
“A 11ª Rodada de Licitações é um grande retrocesso para o Brasil, que, desde 2008 havia suspendido os leilões de petróleo, após muita luta e pressão dos movimentos sociais. Ao retomar essa agenda, o governo brasileiro, equivocadamente, atende aos anseios das multinacionais, ávidas por abocanhar nossas valiosas reservas de óleo e gás”, disse João Antônio Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros.

Além de Brasília, devem acontecer atos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Em São Paulo, haverá distribuição de jornais nas estações dos metrôs. Com as mobilizações, os manifestantes querem demarcar posição contrária à privatização dos 289 blocos de petróleo, localizados em 11 estados brasileiros. O volume a ser leiloado poderá ultrapassar 40 bilhões de barris, o que equivale a um lucro próximo a R$ 1,16 trilhões que será apropriado por empresas transnacionais do petróleo. Ao todo 64 empresas estão disputando os blocos.
“O lucro obtido com os barris de petróleo deveria ficar com o povo brasileiro. Os leilões são uma ameaça à soberania nacional. Se eles se realizarem, estaremos entregando para as transnacionais as nossas riquezas. É dinheiro que deveria ser investido na reforma agrária, no passivo com os atingidos por barragens, com as comunidades quilombolas, nos territórios indígenas, na educação”, afirmou Francisco Moura, integrante da coordenação nacional do MST.
As manifestações cobram também que o governo brasileiro não faça a licitação de 12 usinas hidrelétricas e de 23 pequenas centrais que estão encerrando seus prazos de concessão até o ano de 2015. A usina hidrelétrica Três Irmãos, localizada em Andradina, interior de São Paulo, será a primeira delas. Antes controlada pela estatal Companhia de Energia de São Paulo (CESP), a usina teve seu contrato de concessão vencido em 2011 e já está sob propriedade da União.
“A privatização das hidrelétricas também não é interessante ao povo. Se o Estado mantém a gestão, a tarifa de energia pode ser mais baixa. Para citar um exemplo, na mão de consórcios privados, a Hidrelétrica Três Irmãos, em São Paulo, repassa cada megawatt/hora por R$ 182, enquanto que a Eletrobrás vende o mesmo megawatt por R$ 32 a hora”, explicou Moisés Borges, integrante do MAB.
Mais de 50 organizações assinaram uma carta que será entregue à presidenta Dilma exigindo o cancelamento do leilão do petróleo e da privatização das barragens.
Informações à imprensa:
Iris Pacheco: (61) 83384640
Mayrá Lima (61) 96846534
Evandro – MAB (64) 92224240
Leia a carta na íntegra:
Carta à presidenta Dilma
Excelentíssima Senhora
Dilma Vana Rousseff
Presidenta da República do Brasil.
Brasília, 10 de Maio de 2013.
Excelentíssima,
Nós, movimentos populares e sindicais abaixo assinados, vimos, por meio desta, solicitar o cancelamento dos leilões de petróleo, previstos para os dias 14 e 15 de maio de 2013, bem como o cancelamento do processo, que prevê a privatização das hidrelétricas, de Três Irmãos em São Paulo e Jaguara em Minas Gerais, além de várias outras usinas, que podem significar cerca de 5.500 MW médios . Estes leilões significarão a retomada das privatizações em um dos setores mais estratégicos ao povo brasileiro. Entregar o petróleo e as hidrelétricas, que fazem parte do patrimônio da União ao capital internacional, será um erro estratégico.
Lembramos que o povo brasileiro, com seu trabalho e suas lutas, construiu um grande setor de energia no Brasil. A luta do “PETRÓLEO É NOSSO”, juntamente com a utilização dos nossos rios para a produção de energia elétrica nos propiciou, por muito tempo, que estas riquezas estivessem, em certa medida, sob controle nacional, uma vez que o controle estava garantido pelo Estado.
Foi, sem dúvida, no período dos governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso, que este sistema foi sendo destruído e entregue ao capital internacional, sob o pretexto de que não servia mais para o nosso país. As melhores empresas públicas foram entregues para o controle das grandes corporações transnacionais, prejudicando nosso país e os trabalhadores.
Nessas ocasiões, os setores neoliberais se apropriaram do discurso falacioso da ineficiência do Estado, especialmente na gestão das empresas públicas, com o objetivo de iludir o povo brasileiro com falsas promessas e entregar o patrimônio público para o “mercado”.
Esta história nós já conhecemos bem. Depois da privatização, a energia elétrica aumentou mais de 400% (muito acima da inflação), trabalhadores foram demitidos e recontratados com salários menores e em piores condições e a qualidade da energia elétrica piorou muito. Quedas de energia, explosão de bueiros e apagões são consequências da privatização.
No setor do petróleo a realidade é semelhante, FHC quebrou o monopólio estatal e vendeu parte da Petrobrás, e só não fez pior, porque foram derrotados na eleição de 2002.
Não é a toa que todo este processo foi chamado de PRIVATARIA. Mais de 150 empresas públicas – das melhores – acabaram sendo entregues aos empresários, a preços irrisórios.
O povo brasileiro votou em Lula duas vezes e em Dilma no ano de 2010, ciente de que aquilo que foi feito nos governos anteriores não era bom para o Brasil. A esperança vencia o medo e exigia que as privatizações tivessem um basta.
A extraordinária descoberta de petróleo na área chamada pré-sal, as enormes reservas de água, nosso território e nossas riquezas naturais exuberantes e, fundamentalmente, a capacidade de trabalho dos trabalhadores brasileiros, acenam para a construção de um país com enormes potencialidades, com possibilidades de usar e bem distribuir estas riquezas. E é isto que vemos ameaçado nesse momento.
Se as riquezas são tantas e boas para o país, por que entregar para as grandes empresas transnacionais as riquezas do povo brasileiro?
São as empresas do Estado Brasileiro, entre elas a Eletrobrás e a Petrobrás, que impulsionam o setor de energia em nosso país. É o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES, quem financia as demandas do setor. São as empresas de pesquisa do Estado que fazem os estudos. São as empresas estatais, em especial, o Sistema Eletrobrás que está ofertando eletricidade a preços mais baratos. Então, por que não discutir com nosso povo, unir forças e buscar soluções para que, tanto o petróleo quanto a energia elétrica, fiquem nas mãos do Estado, com soberania nacional, distribuição de riquezas e controle popular?
É fundamental que todos nós tomemos posição neste momento tão importante para o destino da nação. Defendemos o cancelamento dos leilões, que irão privatizar o petróleo e as usinas hidrelétricas, que estão retornando para a União.
Não temos dúvida de que, se consultado, o povo brasileiro diria: Privatizar não é a Solução.
Certos de que seremos atendidos em nossas proposições, nos dispomos a discutir, mobilizar nosso povo, buscar a união de todos para que estas riquezas sejam do povo brasileiro e com controle do Estado. Nos colocamos à disposição para discutir com Vosso governo e com o povo brasileiro.
Sem mais, aguardamos resposta.
Articulação de Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais – ADERE/MG
Assembléia Popular
Barão de Itararé – Centro de Estudos de Mídia Alternativa
Central de Movimentos Populares – CMP
Central de Movimentos Sociais – CMS/PR
Central Única dos Trabalhadores – CUT Brasil
Central Única dos Trabalhadores – CUT MG
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de São Paulo – FTIUESP
Federação Estadual dos Metalúrgicos – CUT/MG
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – FISENGE
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF
Federação Nacional dos Urbanitários – FNU
Federação Única dos Petroleiros – FUP
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial das Mulheres – MMM
Movimento Camponês Popular – MCP
Movimento de Mulheres Camponesas – MMC
Movimento dos Atingidos pela Mineração – MAM
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Plataforma Operária e Camponesa para Energia
Sindágua MG
Sindicato dos Camponeses de Ariquemes e Região
Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná – SENGE/PR
Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim/RS
Sindicato dos Metalúrgicos de Passo Fundo/RS
Sindicato dos Petroleiros do Estado de São Paulo – SINDIPETRO/SP
Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo – SINERGIA CUT
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia de Florianópolis e Região – SINERGIA
Sindicato dos Trabalhadores Urbanitários – STIU/DF
Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais – SINDIELETRO/MG
Sindicato Unificado dos Trabalhadores de Minas Gerais – Sind-UTE MG
Sind-Saúde MG
Stop the Wall
União Brasileira de Mulheres – UBM
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES
União da Juventude Socialista – UJS
Via Campesina Brasil

DEBATE ABERTO

Privatização, concessão por décadas, redução das fontes tributárias, entre outros, formam um perigoso coquetel que pode colocar em xeque as poucas conquistas ainda existentes em nosso setor público. As medidas adotadas até o momento pela Presidenta Dilma correm o sério risco de se converterem em mais uma etapa no longo processo de desmonte do Estado brasileiro.

Paulo Kliass

Desde o início do ano, a pauta de discussão a respeito da política econômica vem sendo dominada, em grande parte, por dois pontos. Em primeiro lugar, pelas expectativas em torno da necessidade ou não de elevação da taxa de juros oficial nas reuniões do COPOM. Em segundo lugar, pelo aparente paradoxo da paralisia dos investimentos, não obstante todo o esforço realizado pelo governo para que o setor privado caminhe na direção da retomada de novos projetos de ampliação da capacidade produtiva do Brasil.

Apesar da importância desse tipo de debate relativo a questões de natureza conjuntural, o fato é que os elementos estruturais e de longo prazo acabam sendo relegados a um segundo plano. É claro que não se pode negligenciar os prejuízos causados por eventual retomada da trajetória de alta da SELIC na reunião da semana que vem, e considero essencial que a crítica da tendência conservadora deva ser feita sem concessões. Mas é necessário, também, que se alargue o horizonte de análise para que se obtenha uma visão de conjunto das mudanças mais gerais que estão a ocorrer no modelo social e econômico de forma mais ampla.

Primeira fase do desmonte: venda das empresas estatais
Desse ponto de vista, o fato relevante é que as medidas adotadas até o momento pela Presidenta Dilma correm o sério risco de se converterem em mais uma etapa no longo processo de desmonte do Estado brasileiro.

Infelizmente, tudo indica que a agenda apresentada pelos representantes do capital tenha sido, em grande parte, incorporada pelo governo. A pretexto de oferecer alternativas para a retomada do crescimento do PIB e para buscar a superação da falta de musculatura da atividade econômica, as entidades empresariais acabaram por convencer setores expressivos da Esplanada a respeito da necessidade de se reduzir o papel do Estado nas atividades vinculadas à economia.

Passada a etapa da transferência pura e simples do patrimônio público, por meio da venda de empresas estatais federais ao capital privado, o processo de privatização continuou avançando com estratégias mais inteligentes, sutis e sofisticadas. Durante as décadas de supremacia do pensamento neoliberal, nossos dirigentes políticos orgulhavam-se de participar de leilões em que as empresas construídas, ao longo de décadas, com recursos públicos eram cedidas a preços irrisórios e pagas com moedas podres. Bastava uma martelada simbólica em algum leilão, geralmente realizado em salas imponentes do financismo, e a negociata estava concluída. Porém, a partir do início desse novo milênio algumas coisas mudaram. Houve alterações importantes na composição político-ideológica em vários governos de nosso continente e o mundo desenvolvido foi, logo na seqüência, tomado pela crise iniciada em 2008 nos Estados Unidos.

Ampliação do capital privado sobre o setor público
Face à incapacidade do antigo receituário neoliberal em oferecer respostas e soluções para a retomada do crescimento, a estratégia de desmonte do Estado sofreu algumas redefinições. Hoje em dia, por exemplo, pouca gente tem a coragem política de defender abertamente a venda de empresas como a Petrobrás, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal. A agenda de redução do espaço do Estado foi sendo dilatada no tempo e o mais importante, de acordo com a lógica do capital privado, passou a ser a defesa de sua porção conquistada e o avanço paulatino em direção a outros setores ainda sob influência da esfera pública.

Assim, houve um recuo inequívoco, se comparado a posturas mais ofensivas, como na época em que foram vendidas integralmente as empresas estatais de siderurgia, de petroquímica, de mineração, os bancos estaduais, as empresas de eletricidade e de saneamento, as empresas de transporte urbano e ferroviário, entre tantos outros processos polêmicos. Porém, permaneceu latente e sem interrupção o discurso ferrenhamente liberal, contra a presença do Estado na economia, em razão da suposta ineficiência implícita e inerente ao setor público, face à correspondente superioridade “inquestionável” do capital privado. Na verdade, a coisa é bem mais complexa, pois o empresariado tupiniquim adora bater no ente estatal, mas não perde a chance de pedir recursos no BNDES a custo zero ou outras benesses públicas de todo tipo. Liberal sim, “ma non troppo”…

Concessões de serviços públicos, saúde e educação
Atualmente, a grande oportunidade que se abre para o avanço privado sobre as possibilidades de acumulação no âmbito do setor público, em nosso País, é representada pelas concessões de serviços públicos. Trata-se de um enorme potencial de atividades vinculadas aos setores de infra-estrutura, com ramos econômicos que têm sua demanda assegurada – oh, flagrante contradição! – pela própria ação do Estado. Ferrovias, portos, rodovias, aeroportos, sistemas de transportes urbanos, eis aqui alguns dos principais focos de acumulação de capital que passam (ou continuam) a ser explorados pelo capital privado nacional e estrangeiro. O serviço público tem sua atividade sob supervisão da respectiva agência pública reguladora, tem suas condições e tarifas determinadas por algum ato do poder público e os contratos oferecem exclusividade de exploração comercial e econômica por prazos que variam entre 20 e 35 anos. Um verdadeiro “filet mignon” oferecido graciosamente para o capital privado, ainda mais se adicionarmos os recursos públicos a custo irrisório, oferecidos para realização dos investimentos necessários e mesmo para a manutenção do sistema concedido.

Nas áreas da educação e da saúde, a estratégia do sucateamento do setor público também avança a olhos vistos. O ensino universitário privado continuou recebendo os recursos públicos por intermédio do Prouni – ou seja, as mesmas verbas orçamentárias negadas à rede de universidades públicas federais, mas que o Estado repassa aos caixas dos conglomerados do “unibusiness”. Um verdadeiro jogo de “me engana que eu gosto”, onde o lucro de instituições que oferecem péssimo serviço de ensino universitário é assegurado pelas bolsas de estudo oferecidas a estudantes de baixa renda, que vão sair dos estabelecimentos com a ilusão de um diploma debaixo do braço. A exemplo do fenômeno ocorrido com o ensino fundamental, a criação de um sub-setor privado, apoiado politicamente pelas chamadas classes médias, pode significar a redução do espaço para o ensino universitário público e de qualidade.

Na área da saúde, a continuidade do processo de estrangulamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é garantida pela restrição das verbas orçamentárias e pela redução paulatina da capacidade do sistema em oferecer um atendimento de qualidade à maioria da população. Pouco a pouco, consolida-se a alternativa de privatização do sistema de saúde, por meio da generalização da prática das “organizações sociais” (OSs) nos municípios e nos estados. Até mesmo o governo federal oferece o péssimo exemplo, com a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), para flexibilizar as condições de operação dos hospitais universitários. O modelo das OSs cria a falsa ilusão de um jogo em que não haveria perdedores. Uma solução aparentemente mágica, onde ganham todos os atores envolvidos. As unidades da federação por se livrarem de um abacaxi para gerir. Os usuários por receberem um serviço de melhor qualidade. Os profissionais da saúde por serem mais bem remunerados e usufruírem de melhores condições de trabalho. O “pequeno detalhe” – raramente mencionado no debate – é que tudo se inicia com uma dotação de recursos orçamentários creditados na conta da instituição privada. No entanto, essa primeira “fase de ouro” das OSs tem data de validade a vencer e a pavimentação do caminho para a privatização fará com que os atuais ganhadores das licitações sejam substituídos por grupos empresarias cujo objetivo seja apenas a realização de lucros, sem nenhuma preocupação com qualidade de serviço ou possibilidade de pesquisa.

Desoneração tributária e a redução da capacidade do Estado
Por outro lado, o desmonte do Estado conta o apoio substantivo oferecido pela utilização generalizada da prática das desonerações tributárias. É mais do que sabido que a redução dos impostos diminui a capacidade do Estado em cumprir com suas funções básicas e de ampliar seus investimentos. Lançar mão desse tipo de instrumento fiscal é recomendado, sempre de forma temporária, em momentos bem específicos do ciclo econômico. É o caso de risco de recessão e desemprego, como o vivido a partir da crise financeira internacional, onde medidas localizadas de desoneração podem servir como estímulo à retomada da produção e do consumo. Porém, a estratégia adotada em nossas terras se assemelha a apenas mais uma, dentre as inúmeras bondades oferecidas pelo Estado ao capital privado.

O governo proporcionou a desoneração da folha de pagamentos para efeitos de recolhimento de tributos para o custeio da previdência social. A medida se amplia a novos setores a cada nova Medida Provisória editada e a postura irresponsável das autoridades monta uma verdadeira bomba de efeito retardado para o nosso sistema de previdência pública e universal. O governo isentou de parte da carga tributária a venda de um conjunto amplo de bens, como a linha branca (geladeiras, máquinas de lavar, fogões, etc) e o setor automobilístico. As medidas mais recentes foram na área de energia elétrica e dos produtos da cesta básica. Porém, o fato é que apesar do benefício oferecido, os consumidores nem sempre são contemplados com a mesma redução no preço de aquisição dos bens e serviços. Em resumo, o principal beneficiário é sempre o empresário, que paga menos imposto e aumenta seu lucro.

Dessa forma, o risco que se corre é o da manutenção “ad eternum” desse tipo de redução da capacidade tributária. As medidas de isenção de impostos são periodicamente prorrogadas e o conjunto dos atores se “acostumam” a essa nova realidade. Assim como ocorreu com o fim da CPMF (fonte adicional criada para ajudar no financiamento da saúde), a tendência natural é a da diminuição das fontes de arrecadação, em especial no plano federal. O que se exige em circunstâncias como as atuais é uma ação incisiva do governo justamente para viabilizar a manutenção dos níveis tributários que se tinha no período anterior à isenção. Afinal, todos tínhamos combinado que se tratava de medidas temporárias!

Caso contrário, o conjunto das medidas acima apontadas poderá configurar a continuidade da rota do desmonte do Estado. Privatização, concessão por décadas, redução das fontes tributárias, entre outros, formam um perigoso coquetel que pode colocar em xeque as poucas conquistas ainda existentes em nosso setor público, mas que seja capaz de cumprir com as suas obrigações constitucionais e com as expectativas da maioria da população.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Paul Krugman

Sobre aquela crise fiscal –aquela que algum dia, qualquer dia destes, nos converteria na Grécia (Grécia, isso mesmo)–, quero lhe dizer: não se preocupe.

Nas últimas semanas temos assistido a uma mudança notável de postura entre os críticos do deficit que há mais de três anos dominam a discussão sobre política econômica. É como se alguém tivesse circulado um memorando dizendo que aquela tentativa de meter medo nas pessoas, lançando avisos repetidos sobre uma crise de dívida nos Estados Unidos –uma crise que não chegou a se concretizar– já deixou de ser útil.

De repente o argumento usado mudou: o que interessa, dizem agora, não é a crise do próximo mês, mas o longo prazo. O importante é não enganarmos nossos filhos. O deficit é na realidade uma questão moral, nos dizem.

Há apenas um probleminha: o argumento novo é tão falho quanto o antigo. Sim, estamos enganando nossos filhos, mas o deficit não tem nada a ver com isso.

Antes de tratar disso, quero dizer algumas palavrinhas sobre a mudança repentina de argumentos.

Não houve nenhum anúncio explícito de uma mudança de posição, é claro. Mas os sinais estão em toda parte. Analistas que passaram anos tentando fomentar um sentimento de pânico em torno do deficit começaram a escrever artigos lamentando a probabilidade de que não ocorra uma crise, afinal de contas.

Talvez não tenha sido tão significativo assim quando o presidente Barack Obama declarou que não enfrentamos qualquer crise de dívida “imediata”, mas foi uma mudança de tom em relação a seu discurso anterior de intransigência em relação ao déficit. E foi realmente espantoso quando, alguns dias depois, o presidente da Câmara, John Boehner, disse exatamente a mesma coisa.

O que aconteceu? Basicamente, os números se negaram a cooperar: os juros insistem em permanecer baixos, os deficits vêm caindo, e até mesmo as projeções orçamentárias para dez anos indicam essencialmente uma perspectiva fiscal estável, e não uma dívida em crescimento explosivo.

Assim, o discurso sobre uma crise fiscal vem perdendo força. Mesmo assim, os críticos do déficit não abriram mão de sua determinação em pressionar o país para reduzir a Previdência Social e o Medicare. Por isso eles adotaram um argumento novo: precisamos reduzir o deficit já, porque é “guerra geracional”, impondo uma carga paralisante sobre a próxima geração.
Qual é o problema deste argumento? Para começar, envolve um equívoco fundamental em relação ao que a dívida faz à economia.

Contrariamente a quase tudo que você lê nos jornais ou vê na televisão, a dívida não empobrece diretamente nosso país; ela é, essencialmente, dinheiro que devemos a nós mesmos. Os deficits nos estariam empobrecendo indiretamente se estivessem levando a grandes deficits comerciais, aumentando os empréstimos que contraímos no exterior, ou se estivessem dificultando o investimento, reduzindo a capacidade produtiva futura.

Mas não estão: os deficits comerciais vêm caindo, não subindo, e os investimentos comerciais na realidade vêm se recuperando bastante bem desde a recessão. A principal razão pela qual as empresas não andam investindo mais é a demanda insuficiente. Apesar de seus lucros estarem crescendo muito, as empresas estão com muito dinheiro parado, porque não há razão para ampliar a capacidade delas quando não estão vendendo o suficiente para usar a capacidade que já possuem. Na realidade, podemos pensar nos déficits principalmente como maneira de fazer uso de um pouco desse dinheiro ocioso.

No entanto, como eu disse, há muita verdade na afirmação de que estamos enganando nossos filhos. Como? Por deixarmos de fazer investimentos públicos e gerar empregos.

Não é necessário ser engenheiro civil para entender que os Estados Unidos precisam de mais e melhor infraestrutura, mas, mesmo assim, o “boletim” mais recente da Sociedade Americana de Engenheiros Civis é leitura espantosa e deprimente, trazendo uma lista de barragens, pontes e outras estruturas que se encontram em mau estado e atribuindo uma nota geral de D+ à infraestrutura nacional.

E este momento, com números imensos de trabalhadores na construção civil parados, sem trabalho, e volumes imensos de dinheiro parados, sem estar sendo usados, seria uma ótima hora para reconstruir nossa infraestrutura. Mas os investimentos públicos na realidade diminuíram desde que a recessão começou.

E o que dizer de investir em nossos jovens? Também nessa área estamos fazendo cortes, tendo demitido centenas de milhares de professores e reduzido a ajuda que antes deixava a faculdade acessível aos filhos de famílias com poder aquisitivo menor.

Em último lugar, mas não menos importante, pense no desperdício de potencial humano causado pelo alto índice de desemprego entre os americanos mais jovens –por exemplo, entre universitários recém formados que não podem iniciar suas carreiras profissionais e provavelmente nunca conseguirão compensar pelo terreno perdido.

E por que estamos espoliando o futuro de modo tão acentuado e imperdoável? A culpa é dos críticos do déficit, que choram lágrimas de crocodilo sobre a suposta carga de dívida que será legada à próxima geração, mas cuja diatribe (crítica severa e mordaz) constante contra os riscos do endividamento governamental vem contribuindo muito mais que os déficits jamais fizeram para espoliar nossos filhos, pelo fato de enfraquecerem o apoio político aos investimentos públicos e à geração de empregos (grifo nosso).

A política fiscal é realmente uma questão moral, e deveríamos nos envergonhar do que estamos fazendo às perspectivas econômicas da próxima geração. Mas nosso pecado envolve investir de menos, não contrair empréstimos demais –e os críticos da dívida, apesar de afirmarem que defendem os interesses de nossos filhos, são na realidade os vilões desta história.

Tradução de CLARA ALLAIN

Roberto Amaral

O professor Wanderley de Souza, um dos mais notáveis cientistas brasileiros em atividade, contou-me, faz anos, episódio ocorrido no início dos anos 70, na FINEP,  a mais importante financiadora brasileira de pesquisa e inovação tecnológica. Estávamos, naquele então,  no auge do ‘milagre brasileiro’, quando  a agência  foi visitada por uma delegação de políticos, empresários e funcionários da Coreia do Sul, interessados em conhecer o ‘esplendoroso desenvolvimento industrial brasileiro’, para, eventualmente, aplicá-lo em seu país. Recebeu-os o presidente  José Pelúcio, exemplar homem público, a quem muito devemos, inclusive a criação do FUNTEC e do FNDCT. Ao cabo de sua exposição, centrada no sucesso da indústria automobilística brasileira, o coordenador da delegação visitante observou algo assim:

Parece que o senhor não nos entendeu; não estamos interessados em atrair  montadoras estrangeiras, mas em criar  nossa própria indústria automobilística.

Naqueles anos 70 o Brasil produzia mais automóveis do que toda a Ásia, menos o Japão. Hoje, todos os asiáticos têm suas próprias marcas, e as exportam para o Brasil, a começar pela Coreia. Mas não é só. Os coreanos estão instalando no Brasil suas próprias montadoras! A Hyundai é uma delas. O mesmo está ocorrendo com a China que antes importava o Santana, calhambeque da VW montado aqui. Nos anos 80, a produtividade média da economia brasileira era igual à coreana.  Hoje, a da asiática é três vezes mais maior do que a nossa. Entre os oito líderes do setor automotriz se encontram Brasil e México, ambos em franca expansão. Mas são esses países, dentre aqueles oito, os únicos que não têm marca própria. As maquiladoras mexicanas (as peças fabricadas nos EUA atravessam a fronteira para serem montadas pela mão de obra aviltada) importam 75% dos insumos que processa (Esses dados estão em Gabriel Palma,  HTTP://.cartamaior.com.br/templetes/materiaMostrar.cfm?materia_id=19522 a quem igualmente devo a pergunta que utilizei como título deste artigo). Assim, o México será, sempre, uma dependência colonial dos EUA.

Dir-se-á que nosso fracasso na indústria de transformação é compensável pelo sucesso do agronegócio (a agricultura cresce mais do que a maior parte dos setores da economia brasileira há mais de uma década) catapultado  pelas pesquisas da EMBRAPA.  Em termos. A produção e comercialização  de sementes, herbicidas, fungicidas e mais isso e mais aquilo está nas mãos de multinacionais como a Monsanto, a Bayer e a Syngenta. Fenômeno similar se repete com o pró-álcool: a produção brasileira de etanol está crescentemente passando ao controle de multinacionais.

O que aqui chamamos de ‘tragédia de uma industrialização dependente’, tem suas raízes no modelo desenvolvimentista fundado no tripé empresa nacional-multinacionais-Estado, no qual se dá preferência às multinacionais, sem discutir nem a quantidade, nem a qualidade da tecnologia importada, modelo estabelecido por JK nos anos 50, e desenvolvido pela ditadura militar, a partir de Costa e Silva.  O paradigma volta a ser a indústria automobilística aqui instalada, obsoleta, e mesmo assim limitada a montadoras, sob o agasalho dos mecanismos protecionistas. Nenhuma produção ou transferência de tecnologia, esta concentrada nas matrizes das multinacionais, da informática aos tênis. A União investe fundamentalmente em infraestrutura e no financiamento das empresas, especialmente via BNDES. E investe em pesquisa, através das estatais ou do financiamento através de suas agencias de fomento. Mas o empresariado nacional entendia, como ainda agora, que mais barato e mais seguro é pagar royalties. Com o Estado neoliberal de FHC, acabaram-se as  estatais e com elas o caro, demorado e arriscado investimento em pesquisa. Ficaram, além da EMBAPA e das universidades públicas,  empresas como a Petrobras, investindo em tecnologia, de que é exemplo seu sucesso em águas profundas. Mas desapareceram, estão desaparecendo, vendidas a capitais estrangeiros, as empresas brasileiras que poderiam operar no pré-sal. O risco é óbvio.

Outro exemplo de êxito na aplicação de tecnologia é a EMBRAER, iniciativa estatal (FAB) vitoriosa, vendida a capitais franceses com dinheiro do BNDES. Mas se a arquitetura das aeronaves é nossa, tanto quanto o planejamento empresarial e mercadológico, é preciso lembrar que o aço, a aviônica (os instrumentos de voo), as turbinas (que representam cerca de 30% do valor de um avião) e, em alguns casos, os trens de pouso, são importados dos EUA e as asas fabricadas na Espanha.

Quanto ficou de tecnologia para nós? Isso não é irrelevante. Como nossos aviões possuem componentes originários dos EUA, a grande potência pode embargar qualquer venda a país que não conste de sua lista de bons amigos. Assim, nossos aviões civis não puderam ser vendidos a Cuba, e os Tucanos não puderam ser vendidos à Venezuela. Dois exemplos em muitos. Aliás, o sucesso desses aviões na operação colombiana contra sítios das FARC no Equador, fizeram com que a EMBRAER se visse impedida de importar o equipamento norte-americano HONEYWELL 33 EGIR, que permite a informação inercial e informação para o altímetro radar, usados naquelas aeronaves (assim desvalorizadas), no caça F-5 (modernizado pela EMBRAER para emprego pela FAB) e no Caça A-1. São poucos exemplos num rol centenário.

Nosso atraso – na produção científica, na aplicação tecnológica e na inovação– tem uma medida: os investimentos em P&D. Os EUA investem 2,7% de seu PIB, a China 1,4% e o Brasil 0,9%.

Poderemos ser, amanhã, uma nova Austrália, alimentando o mundo rico (e os ricos desse mundo) com carne e grãos, mas jamais seremos um país soberano enquanto não formos uma potência tecnológica, aquela que domina o conhecimento científico e o sabe aplicar e o aplica autonomamente.

Por que a Ásia cresce o dobro que a América Latina, e cresce de maneira sustentada, enquanto a variação de nossos PIBs assemelha-se ao gráfico de um eletrocardiograma? Por que, enquanto engatinhamos, países que igualmente ingressaram tardiamente  na revolução industrial, como Coreia, Índia e China, nos superaram?

Por que o Brasil que pôde criar a EMBRAPA, a Petrobras e a EMBRAER, ou seja, promover avanços pontuais, como a produtividade do plantio de soja, não consegue estender essas experiências ao conjunto da economia?

Por que não conseguimos agregar valor à produção de grãos? Por que, exportando dois terços do ferro consumido pelo mundo, somos responsáveis por apenas 2% do comércio de aço? Por que importamos trilho –cuja produção não exige tecnologia avançada, inovações ou patentes– e manufaturas sofisticadas da China, país que há menos de 70 anos vivia num regime semi-feudal e que só há pouco mais de duas décadas iniciou seu processo de industrialização, para hoje ser reconhecido como a segunda potencia econômica do mundo?

Por que apenas em 2012 entrou em operação a primeira fábrica de chip do Brasil, e a Índia é, há mais de uma década, um dos maiores centros produtores de software? Essa mesma Índia, país teoricamente inviável — mal liberto do colonialismo inglês (1947), mal saído da perda do Paquistão (mantida, porém, a beligerância), dividido em castas, em centenas de línguas e seitas religiosas, e com território relativamente escasso em face de sua população– produz mais engenheiros e cientistas que toda a América Latina.

O que a experiência desses povos tem a nos ensinar?

Todos esses países que se desenvolveram tão rapidamente, conheceram o papel indutor do Estado. No Brasil dos dois Fernando, esse papel foi reduzido a quase nada, e o arcaísmo neoliberal impôs a desregulamentação, com nossa adesão (rompida no primeiro governo Lula) ao ‘consenso de Washington’. O desenvolvimento havia sido trocado por um não-desenvolvimento (em nome do combate à inflação) associado a profundo processo de desnacionalização, este, é preciso reconhecer, ainda não estancado.

Nesse mesmo período, os países asiáticos investiram  na base educacional de sua força de trabalho, de que é mero indicador a formação de engenheiros. O Brasil (praticamente 200 milhões de habitantes) forma 30 mil engenheiros por ano. A Coreia (50 milhões de habitantes) 80 mil.

Entre nós o ensino de primeiro e segundo graus é uma tragédia, e a massificação do ensino superior se faz através da escola privada mercantil de baixíssima qualidade e nenhum investimento em pesquisa (apenas um dado: 90% dos formados em Direito, um curso relativamente fácil e barato, são reprovados no exame da OAB). Se todas as profissões exigissem exame prévio…  Enquanto no Brasil a regra para o ingresso do capital estrangeiro foi e é a de porteira aberta e agradecida, na China, por exemplo, onde capital é benvindo mas é condicionado, ele precisa estar associado a um empreendimento local e tem que aportar tecnologia.

Apesar dos esforços e avanços recentes, é necessário reconhecer que ainda nos achamos a uma boa distância de nos tornarmos  um país de letrados e numerados (aí está o desempenho dos nossos egressos do ensino médio em português e matemática…), e no que tange a projeto nacional e planejamento de longo prazo (que implica opções estratégicas) não temos mais que fragmentos, esboços e intenções. Em tal quadro, pouco adianta pedir a norte-americanos, chineses e coreanos que se contenham na defesa dos seus próprios interesses.

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