POR JOÃO PEDRO STEDILE*
POR JOÃO PEDRO STEDILE*
“Andei muito com o (governador Franco) Montoro por São Paulo e pelo Brasil. Montoro falava pouco e direto: 1, 2, 3. A nossa mensagem tem que ser simples, tem que ser direta e pegar na população. O PSDB precisa de um banho de povo. Precisamos do povo. Temos que ouvir o povo”, pregou FHC.
O ex-presidente considerou “consolidada” a candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao Palácio do Planalto em 2014, lançada por ele na virada do ano. FHC fala para ele mesmo e para a elite do tucanato. Ele faz de conta que o partido não está dividido e que o senador Aécio é candidato, quando a realidade é outra.
O povo é quem vê o PSDB como o partido dos ricos
O PSDB pediu três vezes para o povo eleger seu candidato a presidente e três vezes o povo elegeu o candidato do PT – o presidente Lula em 2002 e em 2006 e a presidenta Dilma Rousseff em 2010. Se isso não é a vontade popular, é preciso saber o que FHC entende por povo.
O líder tucano também negou que o PSDB seja um partido de “ricos”. Ora, quem diz que o PSDB é um partido de ricos e da elite é o povo nas pesquisas e não o PT. É o povo, nestes levantamentos de opinião pública, quem também aponta que o PSDB é o partido dos banqueiros, dos juros altos e das privatizações.
O ex-presidente tucano, ao considerar consolidada a candidatura Aécio Neves, finge esquecer que para se consolidar ela continua a enfrentar o mesmo problema que tinha na origem, a resistência do PSDB paulista, maior seção do partido no país. Enfrenta a oposição das bancadas tucanas estadual e federal, do ex-governador José Serra, que viajou para o exterior e nem sequer acompanhou Aécio em seu giro de quatro dias na capital paulista, e do governador Geraldo Alckmin.
Candidatura Aécio consolidada?
Serra e Alckmin preparam o troco para Aécio, que os derrotou em Minas quando eles disputaram a Presidência da República. E um levantamento feito pela Folha de S.Paulo esta semana mostra que dos 35 deputados estaduais e federais tucanos paulistas, só oito já definiram apoio à candidatura Aécio nas eleições do ano que vem.
Nesta enquete, 12 dos parlamentares do PSDB no Estado dizem que Aécio é um bom nome, mas não fecham questão sobre a candidatura. Outros 15 não dizem quem apoiam. O senador ficou de 6ª feira da semana passada até a 3ª feira desta semana em São Paulo, conversando, tentando aparar arestas para contornar esse quadro.
Foi embora de São Paulo com o governador Alckmin se mantendo reticente quanto a apoiá-lo nessa disputa e sem que o ex-governador José Serra anunciasse apoio à sua candidatura. Serra, como eu disse, nem recebeu Aécio, nem foi ao congresso estadual tucano, viajou para o exterior.
(Foto: Renato Araújo/ABr)
No domingo, dia 10, no desfile das escolas de samba do Carnaval carioca, o incauto repórter da Globo entrevista o ex-presidente FHC que diz, com voz um pouco trêmula e com vários “s” em rede nacional, que é “carioca e gosta de samba” para tristeza dos quatrocentões paulistanos. Reparem que um assessor retira um copo da mão do ex-presidente. Já pensou se fosse o Lula? O que diriam os Noblats, Azevedos, Villas e afins?
Publicado originalmente no blog limpinho & cheiroso
Da Fiocruz
Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz
A primeira vez que ouvi um dos mantras do neoliberalismo econômico foi através do pesquisador e cientista político Ricardo Prata, hoje no PPS, ele falava muito em modernidade e eficiência isso foi em 1990 ou 1991, depois desses outros termos passaram a dominar os conteúdos da mídia corporativa e a pautar as nossas discussões cotidianas.
Por Pedro Benedito Maciel Neto*
Nos anos 1990, a partir do governo Collor o ideário neoliberal foi aplicado com radicalidade disciplina, especialmente nos anos de 1995 a 2002.
E não houve eficiente reação a essa violenta ação político-econômica, aliás, não concordo com quem avalia que houve luta popular contra a modernidade, a eficiência do Estado e a globalização, pois penso que a esquerda, de uma maneira geral, ficou atordoada com a velocidade que as coisas aconteciam e não teve competência política, nem capacidade comunicativa de fazer o debate. A comprovar isso é que depois de quase vencer as eleições presidenciais em 1989 não chegou nem perto em 1994 e 1998.
A herança dos doze anos de divulgação, implantação e execução de política publicas de inspiração neoliberal no âmbito econômico incluiu desmonte do Estado nacional, privatização criminosa e corrupta do patrimônio público, desnacionalização da economia, livre curso à financeirização, maior dependência, semi-estagnação.
Coisas vergonhosas foram patrocinadas nos tempos da privatização neoliberal, verdadeiro festival de corrupção e o que é pior, comemorado como exemplo de modernidade e eficiência.
Na privatização da FEPASA, por exemplo, o governo de São Paulo, sob o PSDB de Mário Covas, demitiu dez mil funcionários e assumiu a responsabilidade pelos 50 mil aposentados da ferrovia. No Rio de Janeiro o tucano Marcelo Alencar fez mais e pior. Vendeu o BANERJ por R$ 330 milhões, mas antes da privatização demitiu 6,2 mil dos 12 mil funcionários do banco estadual e como precisava pagar indenizações, aposentadorias e o plano de pensão dos servidores, pegou um empréstimo de R$ 3,3 bilhões, ou seja, dez vezes superior ao que arrecadou no leilão (na verdade 20 vezes superior, porque o Rio de Janeiro recebeu apenas R$ 165 milhões, porque aceitou moedas podres, com metade do valor de face.
Há muitos exemplos, mas basta dizer que um primo de José Serra chegou a transferir ao tesoureiro de Serra e FHC US$ 2,5 bilhões de dólares… Algo pendente de investigação pelo diligente e imparcial Ministério Público. No livro “O Brasil privatizado – um balanço do desmonte do Estado” de Aloysio Biondi tem-se o diagnóstico de que a nação pagou sua privatização e, sob a orientação e gestão neoliberal, o país praticamente foi à falência.
E no plano político, a democracia foi maculada pelo autoritarismo e pela mutilação da Constituição. No plano social, cortaram-se direitos trabalhistas e agravou-se a degradação social. A Nação foi aviltada em nome da tal eficiência. De necessário registro que a eficiência tornou-se principio constitucional apenas em 1998, através da famosa EC n. 19, de 4 de junho de 1998.
Os governos de FHC contaram com generoso apoio da mídia que ajudou a passar a idéia de que naqueles anos houve extraordinário êxito econômico a partir do fortalecimento do real. Bem, essa seria uma falácia neoliberal, pois segundo o professor Theotônio dos Santos não foi o plano real que acabou com a inflação. Ele afirma que “os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. Claro que em cada país apareceram “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isso é falso: tratava-se de um movimento planetário”. E o professor Theotônio dos Santos segue afirmando que no governo de FHC o Brasil manteve uma das mais altas inflações do mundo. Não teria sido o Plano Real a derrubar a inflação, mas uma deflação mundial, mas FHC teve responsabilidade de manter, por razões eleitoreiras, o câmbio em posição de artificialidade, que levou o Brasil em 1999 quase à situação da Grécia de hoje.
Ademais no aspecto fiscal os tempos de falácias neoliberais elevaram a dívida pública de 60 bilhões de dólares para 850 bilhões de dólares. Essa talvez tenha sido a grande obra, negativa, de FHC, um presidente que chegou a fazer vergonhas financeiras para tentar cobrir o déficit. Tempos de irresponsabilidade cambial e fiscal que tornou o povo mais pobre, aliás, nem mesmo era unânime dentro do PSDB apoiou esse tipo de gestão.
Para não esquecermos em 1999 o Brasil não tinha divisas e teve de recorrer a FMI e pedi emprestados 25 bilhões de dólares, sem nenhuma garantia. Foi um período em que as exportações fracassaram e o setor não juntou nenhum recurso em dólar para pagar a dívida, não houve investimentos públicos, enquanto isso a nação assistia incrédula um processo de privatização que faria vergonha até a Margaret Thatcher.
A vitória de Lula representou muito mais do que a mídia e as elites desejariam reconhecer.
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, em 2002, é um marco na história recente e abriu novo ciclo político no país, mas falo disso depois.
* é advogado e professor, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi (2007).
Do Vermelho –
Telegramas revelam intenções de veto e ações dos EUA contra o desenvolvimento tecnológico brasileiro com interesses de diversos agentes que ocupam ou ocuparam o poder em ambos os países.
Os telegramas da diplomacia dos EUA revelados pelo Wikileaks revelaram que a Casa Branca toma ações concretas para impedir, dificultar e sabotar o desenvolvimento tecnológico brasileiro em duas áreas estratégicas: energia nuclear e tecnologia espacial.
Em ambos os casos, observa-se o papel anti-nacional da grande mídia brasileira, bem como escancara-se, também sem surpresa, a função desempenhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, colhido em uma exuberante sintonia com os interesses estratégicos do Departamento de Estado dos EUA, ao tempo em que exibe problemática posição em relação à independência tecnológica brasileira.
Segue o artigo do jornalista Beto Almeida:
O primeiro dos telegramas divulgados, datado de 2009, conta que o governo dos EUA pressionou autoridades ucranianas para emperrar o desenvolvimento do projeto conjunto Brasil-Ucrânia de implantação da plataforma de lançamento dos foguetes Cyclone-4 – de fabricação ucraniana – no Centro de Lançamentos de Alcântara , no Maranhão.
Veto imperial
O telegrama do diplomata americano no Brasil, Clifford Sobel, enviado aos EUA em fevereiro daquele ano, relata que os representantes ucranianos, através de sua embaixada no Brasil, fizeram gestões para que o governo americano revisse a posição de boicote ao uso de Alcântara para o lançamento de qualquer satélite fabricado nos EUA. A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que os EUA “não quer” nenhuma transferência de tecnologia espacial para o Brasil.
“Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”, diz um trecho do telegrama.
Em outra parte do documento, o representante americano é ainda mais explícito com Lokomov: “Embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”.
Guinada na política externa
O Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA (TSA) foi firmado em 2000 por Fernando Henrique Cardoso, mas foi rejeitado pelo Senado Brasileiro após a chegada de Lula ao Planalto e a guinada registrada na política externa brasileira, a mesma que muito contribuiu para enterrar a ALCA. Na sua rejeição o parlamento brasileiro considerou que seus termos constituíam uma “afronta à Soberania Nacional”. Pelo documento, o Brasil cederia áreas de Alcântara para uso exclusivo dos EUA sem permitir nenhum acesso de brasileiros. Além da ocupação da área e da proibição de qualquer engenheiro ou técnico brasileiro nas áreas de lançamento, o tratado previa inspeções americanas à base sem aviso prévio.
Os telegramas diplomáticos divulgados pelo Wikileaks falam do veto norte-americano ao desenvolvimento de tecnologia brasileira para foguetes, bem como indicam a cândida esperança mantida ainda pela Casa Branca, de que o TSA seja, finalmente, implementado como pretendia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, não apenas a Casa Branca e o antigo mandatário esforçaram-se pela grave limitação do Programa Espacial Brasileiro, pois neste esforço algumas ONGs, normalmente financiadas por programas internacionais dirigidos por mentalidade colonizadora, atuaram para travar o indispensável salto tecnológico brasileiro para entrar no seleto e fechadíssimo clube dos países com capacidade para a exploração econômica do espaço sideral e para o lançamento de satélites. Junte-se a eles, a mídia nacional que não destacou a gravíssima confissão de sabotagem norte-americana contra o Brasil, provavelmente porque tal atitude contraria sua linha editorial historicamente refratária aos esforços nacionais para a conquista de independência tecnológica, em qualquer área que seja. Especialmente naquelas em que mais desagradam as metrópoles.
Bomba! Bomba!
O outro telegrama da diplomacia norte-americana divulgado pelo Wikileaks e que também revela intenções de veto e ações contra o desenvolvimento tecnológico brasileiro veio a tona de forma torta pela Revista Veja, e fala da preocupação gringa sobre o trabalho de um físico brasileiro, o cearense Dalton Girão Barroso, do Instituto Militar de Engenharia, do Exército. Giráo publicou um livro com simulações por ele mesmo desenvolvidas, que teriam decifrado os mecanismos da mais potente bomba nuclear dos EUA, a W87, cuja tecnologia é guardada a 7 chaves.
A primeira suspeita revelada nos telegramas diplomáticos era de espionagem. E também, face à precisão dos cálculos de Girão, de que haveria no Brasil um programa nuclear secreto, contrariando, segundo a ótica dos EUA, endossada pela revista, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, firmado pelo Brasil em 1998, Tal como o Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA, sobre o uso da Base de Alcântara, o TNP foi firmado por Fernando Henrique.
Baseado apenas em uma imperial desconfiança de que as fórmulas usadas pelo cientista brasileiro poderiam ser utilizadas por terroristas, os EUA, pressionaram a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que exigiu explicações do governo Brasil, chegando mesmo a propor o recolhimento-censura do livro “A física dos explosivos nucleares”. Exigência considerada pelas autoridades militares brasileiras como “intromissão indevida da AIEA em atividades acadêmicas de uma instituição subordinada ao Exército Brasileiro”.
Como é conhecido, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, vocalizando posição do setor militar contrária a ingerências indevidas, opõe-se a assinatura do protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que daria à AIEA, controlada pelas potências nucleares, o direito de acesso irrestrito às instalações nucleares brasileiras. Acesso que não permitem às suas próprias instalações, mesmo sendo claro o descumprimento, há anos, de uma meta central do TNP, que não determina apenas a não proliferação, mas também o desarmamento nuclear dos países que estão armados, o que não está ocorrendo.
Desarmamento unilateral
A revista publica providencial declaração do físico José Goldemberg, obviamente, em sustentação à sua linha editorial de desarmamento unilateral e de renúncia ao desenvolvimento tecnológico nuclear soberano, tal como vem sendo alcançado por outros países, entre eles Israel, jamais alvo de sanções por parte da AIEA ou da ONU, como se faz contra o Irã.
Segundo Goldemberg, que já foi secretário de ciência e tecnologia, é quase impossível que o Brasil não tenha em andamento algum projeto que poderia ser facilmente direcionado para a produção de uma bomba atômica.
Tudo o que os EUA querem ouvir para reforçar a linha de vetos e constrangimentos tecnológicos ao Brasil, como mostram os telegramas divulgados pelo Wikileaks. Por outro lado, tudo o que os EUA querem esconder do mundo é a proposta que Mahmud Ajmadinejad , presidente do Irà, apresentou à Assembléia Geral da ONU, para que fosse levada a debate e implementação: “Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém”. Até agora, rigorosamente sonegada à opinião pública mundial.
Intervencionismo crescente
O semanário também publica franca e reveladora declaração do ex-presidente Cardoso : “Não havendo inimigos externos nuclearizados, nem o Brasil pretendendo assumir uma política regional belicosa, para que a bomba?” Com o tesouro energético que possui no fundo do mar, ou na biodiversidade, com os minerais estratégicos abundantes que possui no subsolo e diante do crescimento dos orçamentos bélicos das grandes potências, seguido do intervencionismo imperial em várias partes do mundo, desconhecendo leis ou fronteiras, a declaração do ex-presidente é, digamos, de um candura formidável.
São conhecidas as sintonias entre a política externa da década anterior e a linha editorial da grande mídia em sustentação às diretrizes emanadas pela Casa Branca. Por isso esses pólos midiáticos do unilateralismo em processo de desencanto e crise se encontram tão embaraçados diante da nova política externa brasileira que adquire, a cada dia, forte dose de justeza e razoabilidade quanto mais telegramas da diplomacia imperial como os acima mencionados são divulgados pelo Wikileaks.
Fonte: Luis Nassif Online. Título do Vermelho
publicado em 8 de julho de 2012 às 18:07
As comemorações de 9 de julho em São Paulo exaltam uma rebelião oligárquica de oito décadas atrás. Curiosamente, outra revolta, deflagrada em 5 de julho de 1924, que contou com forte componente popular, passa em brancas nuvens nos calendários oficiais.
por Gilberto Maringoni, em Carta Maior
Os dias 5 e 9 de julho condensam caminhos pelos quais a história paulista poderia seguir. São dois tabus no estado. Um é esquecido, o outro é exaltado.
A primeira data marca uma violenta reação ao poder do atraso, tendo por base setores médios e populares. E a segunda representa a exaltação do atraso, capitaneada pela elite regional.
Dia 5 de julho, há 88 anos, uma intrincada teia de tensões históricas desaguou no episódio que ficaria conhecido como Revolução de 1924. Suas raízes estão no agravamento de problemas sociais, no autoritarismo dos governos da República Velha e em descontentamentos nos meios militares, que já haviam gerado o movimento tenentista, dois anos antes.
Naquele duro inverno, em meio a uma crise econômica, eclodiu uma nova sublevação. Tropas do Exército e da Força Pública tomaram quartéis, estações de trem e edifícios públicos e expulsaram da cidade o governador Carlos de Campos. No comando, em sua maioria, camadas da média oficialidade. Quatro dias depois, era instalado um governo provisório, que se manteria até 27 de julho. O país vivia sob o estado de sítio do governo Arthur Bernardes (1922-1926).
Entre as reivindicações dos revoltosos estavam: “1º Voto secreto; 2º Justiça gratuita e reforma radical no sistema de nomeação e recrutamento dos magistrados (…) e 3º Reforma não nos programas, mas nos métodos de instrução pública”. No plano político, destaca-se ainda “A proibição de reeleição do Presidente da República (…) e dos governadores dos estados”.
Várias guarnições de cidades próximas aderiram ao movimento. Apesar da falta de um programa claro, setores do operariado organizado apoiaram os revolucionários e exortaram a população a auxiliá-los no que fosse possível.
Bombas, tiros e mortes
As ruas da capital foram palco de intensos combates, com direito a fuzilaria, granadas e tiros de morteiros. Cerca de trezentas trincheiras e barricadas foram abertas em diversos bairros.
A partir do dia 11, o governador deposto, instalado nas colinas da Penha, seguindo determinações do presidente da República, decidiu lançar uma carga de canhões em direção ao centro. O objetivo era aterrorizar a população e forçá-la a se insurgir contra os rebelados.
De forma intermitente, os bairros operários da Mooca, Ipiranga, Belenzinho, Brás e Centro sofreram bombardeio por vários dias. Casas modestas e fábricas foram reduzidas a escombros e cadáveres multiplicavam-se pelas ruas.
Sem conseguir dobrar a resistência, o governo federal decidiu bombardear a cidade com aviões de combate.
O fim da rebelião
Três semanas depois de iniciada, a rebelião foi acuada. Dos 700 mil habitantes da cidade, cerca de 200 mil fugiram para o interior, acotovelando-se nos trens que saiam da estação da Luz. O saldo dos 23 dias de revolta foi 503 mortos e 4.846 feridos. O número de desabrigados passou de vinte mil. No final da noite do dia 28, cerca de 3,5 mil insurgentes retiraram-se da cidade com pesado armamento em três composições ferroviárias. O destino imediato era Bauru, no centro do estado.
Deixaram um manifesto, agradecendo o apoio da população: “No desejo de poupar São Paulo de uma destruição desoladora, grosseira e infame, vamos mudar a nossa frente de trabalho e a sede governamental. (…) Deus vos pague o conforto e o ânimo que nos transmitistes”.
As tensões não cessariam. No ano seguinte, parte dos revolucionários engrossaria a Coluna Prestes (1925-1927). Mais tarde, outros tantos protagonizariam – e venceriam – a Revolução de 30.
Promovida pelas camadas médias do meio militar, o levante ganhou apoio de parcelas pobres da população. Talvez por isso seja chamada de “a revolução esquecida”.
A revolução que não foi
A segunda data, 9 de julho, é marcada pelo estopim de uma revolução que não faz jus ao nome. É exaltada e cultuada como uma manifestação de defesa intransigente da democracia, ela faz parte da criação de certa mitologia gloriosa para São Paulo.
O evento, em realidade, representa a sublevação da oligarquia cafeeira contra a Revolução de 30, que a retirou do governo e se constituiu no marco definidor do Brasil moderno.
Aquele processo não pode ser visto apenas como uma tomada de poder por um punhado de descontentes. Suas causas envolvem as contrariedades nos meios militares e tensões do próprio desenvolvimento do país. A crise de 1929 acabara de chegar, colocando em xeque o liberalismo reinante.
A Revolução consolidou a expansão das relações capitalistas, que trouxe em seu bojo a integração ao mercado – via Estado – de largos contingentes da população. O mecanismo utilizado foi a formalização do trabalho.
As novas relações sociais e a intervenção do Estado na economia – decisiva para a superação da crise e para o avanço da industrialização – implicaram uma reconfiguração e uma modernização institucional do país. A conseqüência imediata foi a perda da hegemonia da economia cafeeira, centrada principalmente em São Paulo e parte de Minas Gerais. Percebendo as mudanças no horizonte, as classes dominantes locais foram à luta em 1932.
A locomotiva e os vagões
Explodiu então a rebelião armada das forças insepultas da República Velha e da elite paulista, querendo recuperar seu domínio sobre o país.
Tendo na linha de frente a Associação Comercial e a Federação das Indústrias (FIESP), o levante tinha entre seus líderes sobrenomes importantes do Estado, como Simonsen, Mesquita, Silva Prado, Pacheco e Chaves, Alves de Lima e outros. O movimento contou com expressivo apoio popular, uma vez que os meios de comunicação (rádio, jornais e revistas) reverberaram as demandas das classes altas.
A campanha que precedeu a sublevação exacerbou uma espécie de nacionalismo paulista, incentivado por grupos separatistas. Entre esses, notabilizava-se o escritor Monteiro Lobato. A síntese da aversão local ao restante do país expressava-se na difundida frase, que classificava o estado como “a locomotiva que puxa 21 vagões vazios”, em referência às demais unidades da federação.
Contradição em termos
O objetivo do movimento, derrotado militarmente em 4 de outubro, era derrubar o governo provisório de Getulio Vargas e aprovar uma nova Constituição. Daí a criação do nome “revolução constitucionalista”, uma contradição em termos. Revolução é uma ação decidida a destruir uma ordem estabelecida. A expressão “constitucionalista” expressava uma tentativa recuperação do status quo, regido pela Carta de 1891. Se é “constitucionalista”, não poderia ser “revolução”.
Os sempre proclamados “ideais de 1932” são vagas referências à constitucionalidade e à democracia. Mas não existia, por parte da elite, nenhuma formulação que fosse muito além da recuperação da hegemonia paulista (leia-se, dos cafeicultores).
Exatos oitenta anos depois, o 9 de julho segue comemorado como a data magna do estado, uma espécie de 7 de setembro local. E os acontecimentos de 5 de julho de 1924 continuam como páginas obscuras de um passado distante.
A elite paulista voltaria ao poder em 1994, pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB. Seu mote foi dado no discurso de despedida do senado, em 1994: “Um pedaço do nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”.
Os objetivos desse setor continuaram os mesmos, décadas depois: realizar a contra-Revolução de 30.
As tensões entre as datas – 5 e 9 de julho – expressam duas vias colocadas até hoje nos embates políticos paulistas: a saída conservadora e a saída antielitista.
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
Leia também:
Luiz Claudio Cunha: As garras do Brasil na Operação Condor
Registro vivo de nosso passado colonial e assentado nas grandes propriedades de monocultura exportadora, o quadro atual da nossa estrutura fundiária ainda evoluiu muito pouco, em termos de distribuição de terras e de propiciar o acesso à terra para pequenos/médios proprietários e sistemas cooperativos.
Paulo Kliass, na Carta Maior
A complexidade da realidade social e econômica de nosso País é fato antigo e conhecido. A lista de contradições e de surpresas que ela nos apresenta parece ser infindável. Dentre tantos aspectos, chamam a atenção os elementos associados à questão agrária. Em especial, a dinâmica da utilização da reforma agrária como instrumento de política pública, com o objetivo de reduzir o nível da profunda desigualdade que nos caracteriza há séculos. Assim, além de corrigir essa histórica injustiça para com parcelas expressivas da população, sempre marginalizadas de qualquer modelo de integração e inserção, a redistribuição de terras também permitiria aumentar a oferta de alimentos de qualidade para nossa população.
Registro vivo de nosso passado colonial e assentado nas grandes propriedades de monocultura exportadora, movida à base da mão-de-obra escrava, o quadro atual da nossa estrutura fundiária ainda evoluiu muito pouco, em termos de distribuição de terras e de propiciar o acesso à terra para pequenos/médios proprietários e sistemas cooperativos. A opção política que os governos recentes fizeram pelo estímulo ao agronegócio, como modelo exemplar para os que trabalham com a terra em nosso País, terminou por reforçar as desigualdades sociais e econômicas no campo.
Longa tradição de luta no campo
Ao contrário de boa parte dos países capitalistas atuais, até os dias de hoje o Brasil ainda não efetuou sua reforma agrária. Apesar de constar da pauta política há muitas décadas, a implementação de tais medidas necessita contar com uma conjuntura política favorável e um governo interessado em patrocinar tal mudança. Assim foi na década de 1960, quando o movimento no campo lutava por tais mudanças, com suas entidades, a exemplo da CONTAG e das Ligas Camponesas. Mas um dos principais argumentos das forças conservadoras, em sua estratégia golpista contra o governo de João Goulart, era justamente a intenção do Presidente de levar a cabo tal projeto. A chegada da ditadura militar, em 1964, promoveu profunda repressão ao movimento popular e a reforma agrária só voltou a se tornar viável politicamente a partir do processo de democratização e da votação da Constituição de 1988.
Nesse novo período de lutas sociais, a grande novidade foi o surgimento do Movimento dos Sem Terra (MST), que passou também a se constituir em agente social importante de reforço da luta pela reforma agrária. Apesar do art. 5°, inc XXIII do nosso texto constitucional exigir a “função social” da propriedade, o fato é que a resistência das elites e das oligarquias em aceitar uma política de redistribuição de terras não se alterou em quase nada. Pelo contrário, os representantes de tais setores conservadores passaram até a se organizar de maneira mais agressiva, como foi o caso da época da União Democrática Ruralista (UDR) e atualmente por meio da bancada ruralista no Congresso Nacional. A intenção era evitar o avanço das bandeiras de apoio à reforma agrária no Parlamento e no interior da sociedade, além de barrar as medidas no âmbito da Administração Pública e do Poder Judiciário.
Apesar de alguns avanços institucionais, como a constituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do reforço dos quadros do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), o fato é que a lentidão tem sido a marca das transformações efetivas no campo, ao longo das últimas duas décadas. Nem mesmo a mudança, tão carregada de simbolismo e esperança, proporcionada pela chegada de Lula ao poder em 2003, foi capaz de mudar o quadro desfavorável ao movimento popular. A desigualdade em favor dos grandes e poderosos manteve-se inalterada, quando não aprofundada.
Lentidão e frustração
Diversas pesquisas elaboradas por estudiosos da matéria mostram um quadro pouco animador para a primeira década do milênio. De acordo com os dados cadastrais do próprio INCRA, não só o quadro de desigualdade não foi atenuado, como assistimos a um processo de concentração de terras ao longo do período 2003-2010.
Assim, as grandes propriedades representavam apenas 2% do total em 2003 e se mantêm inalterados com tal percentual em 2010. Já os minifúndios e as pequenas áreas somados representam 90% do total das propriedades, restando 7% relativos às propriedades de porte médio. Trata-se da manutenção da política de concentração. Porém tal tendência é ainda mais gravada, caso levemos em consideração a área total e não apenas o número de propriedades. Nesse caso, veremos que ao longo dos 8 anos a participação percentual de minifúndios, pequenos e médios cai, ao passo que apenas a área total ocupada pela grande propriedade aumenta de 52% para 56%. Ou seja, além de apenas 2% do total de propriedades já ocupar mais da metade da área total, esse índice fica ainda mais desigual entre 2003 e 2010.
A frustração com a política para o setor, levada a cabo desde então, tem sido a marca das entidades que estão na vanguarda da luta pela democratização do acesso à terra, como o MST. De acordo com levantamento efetuado pela entidade, o ano de 2011 – o primeiro do mandato da Presidenta Dilma – revelou-se o mais fraco em termos de assentamento de famílias ao longo dos últimos 17 anos. Assim, caso sejam comparados os números relativos ao primeiro ano dos mandatos desde 2003, teremos o seguinte quadro: i) FHC – 43 mil famílias em 1995; ii) Lula – 36 mil famílias em 2003; iii) Dilma – 22 mil famílias em 2011.
Caso sejam analisados os dados de todo o período, percebe-se que o primeiro mandato de Lula foi mais efetivo em termos de reforma agrária. A média de assentamentos de famílias por ano obedeceu ao seguinte quadro:
FHC 1 (1995-1998)– 72 mil/ano
FHC 2 (1999-2002) – 63 mil/ano
Lula 1 (2003-2006) – 95mil/ano
Lula 2 (2007-2010) – 58 mil/ano
Isso significa que, caso Dilma pretenda manter a média do primeiro mandato de Lula, ela terá de assentar uma média de 120 mil famílias nos próximos 3 anos que lhe restam. Mas a maioria dos analistas do setor considera muito difícil atingir tal meta, uma vez que o próprio MDA trabalha com a hipótese de assentar apenas 35 mil famílias até o final desse ano de 2012.
Reforma Agrária deveria ser prioridade
Esse é o contexto em que o movimento do campo acaba de fechar o momento mais marcante de seu período anual de lutas, o chamado “abril vermelho”. A leitura de suas lideranças é de que pouco se avançou, apesar de haver recursos orçamentários para o MDA e para o INCRA. Entre 2004 e 2012, por exemplo, as dotações do ministério saltaram de R$ 1,5 para R$ 5 bilhões e as do instituto de R$ 1,1 para R$ 3,2 bilhões. Já as verbas do Ministério da Agricultura, apesar de se situarem num patamar superior, cresceram apenas 30%, de R$ 7,5 para R$ 10 bilhões. Esses números permitem duas leituras. A primeira, mais evidente, é que o grande agronegócio está muito melhor dotado de verbas públicas do que a agricultura familiar e a reforma agrária. Por outro lado, permite-nos concluir também que, apesar do crescimento das verbas ao longo do período, não houve tantos avanços em termos de efetivação da reforma agrária e do estímulo à agricultura de pequena propriedade.
Além disso, é preciso estabelecer um outro olhar sobre a política de reforma agrária: ela deve ser encarada de forma ampla e integradora, para além da mera distribuição de terras. Não basta apenas reconhecer assentamentos e oferecer os títulos de propriedade fundiária aos que lutam por isso há tanto tempo. É necessário implementar políticas de assistência técnica, propostas de extensão rural, mecanismos de acesso ao crédito oficial, medidas de viabilização comercial da produção, estratégias de fornecimento de equipamentos de saúde e educação nos locais, entre tantos outros aspectos das políticas públicas. A intenção, a longo prazo, é de tornar viável o modo de viver dos camponeses no ambiente rural, com qualidade de vida e renda condizente para a atual e para as futuras gerações. Para tanto, é fundamental um modelo de integração com os demais setores sociais e de sustentabilidade em termos temporais e ambientais.
Com isso, a sociedade brasileira passará a contar com uma alternativa de vida que não seja a continuidade tresloucada e irresponsável do atual processo de migração para as metrópoles e grandes cidades. A concentração fundiária e o modelo explorador do agronegócio expulsa a mão-de-obra e não oferece perspectivas seguras a médio prazo, que sejam capazes de evitar a continuidade do êxodo urbano sem perspectivas. E aqui entra o papel a ser cumprido pelo Estado, na implementação da reforma agrária. Ao assegurar a fixação da população no campo, em condições de trabalhar a terra e fazer chegar seus produtos nos espaços de comercialização, o País ganha em termos de qualidade de sua alimentação e passa a oferecer uma alternativa para a atividade agrícola que não seja a mera exportação de “commodities”.
A escala do pequeno e do local, por outro lado, dá sua contribuição para a desconcentração de renda e pode reduzir o grau de envenenamento a que a população brasileira está submetida atualmente, em razão dos processos perversos utilizados para a produção dos alimentos. Isso porque a assistência técnica governamental permitiria oferecer alternativas de técnicas produtivas menos dependentes de fertilizantes, agrotóxicos e transgênicos, a exemplo de inúmeros casos de sucesso em outros países e mesmo em pontos de experiência-piloto de sucesso, aqui em nossa terra.
As condições para a ruptura com o atual ritmo de lentidão da reforma agrária estão dadas. Basta a vontade política em acelerar o número de famílias assentadas e coordenar de forma adequada o programa no âmbito do governo. Assim como fez recentemente com a política de juros de juros, cabe a Dilma dar sinais claros de que aprofundar a política de democratização fundiária é prioridade de seu mandato. Aliás, o equívoco de confiar unicamente nos interesses dos grandes proprietários de terra revelou sua verdadeira face na recente aprovação de um texto vergonhoso para o Código Florestal.
O País precisa de mais gente morando no campo e produzindo alimentos. Os movimentos sociais organizados oferecem essa alternativa. A Administração Pública está preparada para desempenhar tal tarefa. Os recursos orçamentários existem. A quantidade de terras disponíveis é, literalmente, de perder de vista. Cada um dos mais de cinco mil municípios pode garantir uma demanda mínima de alimentos para sua rede de escolas, creches, hospitais e refeitórios públicos. A continuidade do processo de crescimento da economia, do aumento do nível de emprego e de renda são fatores a reforçar a viabilidade do modelo de agricultura familiar e cooperativa. Falta apenas um comando firme e uma orientação segura.
Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
No ano passado, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o menor número registrado desde 1995. Em contrapartida, os gastos do órgão cresceram 10% em relação a 2010.
Em entrevista a CartaCapital, o presidente do instituto, Celso Lacerda, atribui ao modelo de reforma agrária utilizado por governos anteriores.
Para 2012, Lacerda assegura que haverá crescimento no número de assentamentos, mas podera: a meta do Incra é criar cerca de 35 mil assentamentos por ano – quantia bem inferior às médias registradas nos governos Lula e FHC. “O foco da reforma agrária mudou. Reforma agrária não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também”, explica Lacerda, defendendo um maior gasto com a infraestrutura básica dos assentamentos.
Meta de assentamentos será menor, admite o Incra
Incra investirá na infraestrutura básica dos assentamentos para garantir condições de sobrevivência às famílias assentadas.
Foto: Elza Fiuza/ABr
No ano passado, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o menor número registrado desde 1995. Em contrapartida, os gastos do órgão cresceram 10% em relação a 2010.
Em entrevista a CartaCapital, o presidente do instituto, Celso Lacerda, atribui ao modelo de reforma agrária utilizado por governos anteriores e às mudanças ocorridas primeiro ano de mandato do governo Dilma pelo resultado.
Para 2012, Lacerda assegura que haverá crescimento no número de assentamentos, mas podera: a meta do Incra é criar cerca de 35 mil assentamentos por ano – quantia bem inferior às médias registradas nos governos Lula e FHC. “O foco da reforma agrária mudou. Reforma agrária não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também”, explica Lacerda, defendendo um maior gasto com a infraestrutura básica dos assentamentos.
Confira abaixo a entrevista:
Carta Capital: O que explica o orçamento destinado à reforma agrária ter crescido e o número de assentamentos em 2011 ter diminuído?
Celso Lacerda: Isso se deve a vários fatores. É preciso entender a complexidade da reforma agrária. Muito resumidamente, neste último período de reforma agrária, que diz respeito a 25, 30 anos, os governos avaliavam a reforma agrária como uma mera redistribuição de terras. Por isso, toda a estrutura do Incra era voltada para desapropriar terras e destinar (recursos) para a reforma agrária. Acabava aí. Foi um processo muito desqualificado até o governo Fernando Henrique Cardoso.
E é possível provar que isso não é um argumento político olhando a estrutura do Incra. Até 2005, essa estrutura era direcionada a desapropriar terra, reassentar família e fazer colonização. Só a partir de 2006 foi criada uma área de desenvolvimento de projetos de assentamentos no Incra.
Um dos motivos que levou ao baixo número de famílias assentadas foi o primeiro ano de governo. Quando comparamos as famílias assentadas desde o governo FHC, o número de famílias assentadas tem um pico de baixa nesse primeiro ano.
Eu fui nomeado presidente do Incra em março do ano passado e nós conseguimos recompor a direção do Incra em setembro. Portanto, começamos a executar o orçamento do Incra apenas no segundo semestre do ano passado. Mais da metade das áreas compradas foi em dezembro. E essas áreas ainda não viraram assentamentos em 2011, vão virar em 2012.
CC: E quantas áreas são?
CL: Eu tenho quase certeza que pagamos mais de cem imóveis em dezembro. Com isso, o número de famílias assentadas em 2012 vai ser bem maior do que foi em 2011. Mas também te adianto que o número não chegará a 140 mil famílias assentadas, como se fez em 2007.
CC: Quantas famílias o Incra planeja assentar por ano?
CL: Estamos trabalhando, em 2012, com um número em torno de 35 mil famílias.
CC: Esse número é menor do que todos os anos de assentamentos realizados no governo Lula. É conveniente trabalhar com esse número?
CL: É muito conveniente. Porque a composição de meta não é só o assentamento de famílias em áreas novas. Quando uma família abandona um lote e deixa para outra família ocupar, essa nova família entra na contabilidade de famílias assentadas. Se você pegar a composição de meta do governo Fernando Henrique Cardoso, o grande número era de substituição de famílias em assentamentos já criados. Na época, a rotatividade era muito grande, justamente pelo (fato de o) governo não oferecer condições de sobrevivência para as famílias.
No momento em que se qualifica o processo de reforma agrária, a rotatividade diminui e, consequentemente, o número de famílias que substituem outras em assentamentos antigos cai também. E a composição da meta aumenta em áreas novas.
O presidente do Incra, Celso Lacerda. Foto: ValterCampanato/ABr
CC: José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, disse recentemente que boa parte dos assentamentos contabilizados no ano passado era, na verdade, lotes já ocupados e não regularizados…
CL: Não, desses 22 mil assentamentos, nós trabalhamos com mais de cinco mil famílias em áreas desapropriadas ou compradas de forma onerosas. E mais um tanto em novos assentamentos feitos em terras públicas.
O MST divulgou uma nota (falando) do número de famílias assentadas que diz respeito às famílias do MST, mas hoje existe uma enormidade de movimentos beneficiários da reforma agrária.
O número de famílias em assentamentos já existentes sempre entrou nos dados do governo. Não estamos maquiando nada.
CC: Muitos falam da “favelização” dos assentamentos. O governo errou durante os anos em que priorizou o número de assentamentos em vez de investir em estrutura?
CL: São prioridades que estão no mesmo patamar. Você não pode criar assentamentos sem pensar no desenvolvimento deles.
Quando se fala em reforma agrária, não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também.
Até 2002, só se redistribuía terra. Inclusive, há quem diga, embora eu não possa fazer essa afirmação, que essa política foi proposital para criar no imaginário da sociedade brasileira a imagem de uma política fracassada.
Por exemplo, nos oito anos do governo Lula foram construídas e reformadas mais de 400 mil casas nos assentamentos. Talvez, esse tenha sido o maior programa de habitação rural da história do País.
Se compararmos o orçamento do Incra de 2012 com o de 2004, hoje ele é muito maior. Mas hoje a prioridade não é somente o assentamento de famílias.
CC: É possível dizer que houve mudança de foco na política de reforma agrária?
CL: Sem dúvida. Mas essas políticas levam tempo para amadurecer. Durante o governo Lula, a grande preocupação era com o emergencial. Nenhum assentado vai pensar na forma como vai produzir se ele não tem estrada e casa para morar. Não tinha nem como escoar a produção.
A preocupação, nesses anos, foi muito grande com a construção da infraestrutura básica, principalmente estrada, água, casa e energia elétrica. Agora, já estamos numa fase de nos preocuparmos com a produção, embora ainda tenhamos uma demanda de assentar as famílias em acampamentos.
CC: Como o corte de 34% no orçamento do Incra prejudica os planos do órgão?
CL: O governo faz contingenciamento desde o governo Lula. É algo natural, não temos como fugir. O que precisamos é executar nosso orçamento e depois demandar mais. No ano passado tivemos uma suplementação orçamentária de 400 milhões de reais para a compra de terras.
CC: O Incra sabe a dimensão atual da demanda por reforma agrária?
CL: A nossa estimativa é em torno de 180 mil famílias.
CC: No ano passado, a estimativa estava em torno de 170 mil famílias. Por que esse número cresceu?
CL: Depende muito da conjuntura regional. Ao longo destes últimos anos, o número de acampados no Brasil tem caído. E por conta da economia do País também. Muita gente saiu do meio rural e foi buscar trabalho na cidade. Então se você tiver uma crise em algum setor, esse número pode voltar a aumentar.
Temos uma conjuntura preocupante relacionada ao setor sucroalcooleiro. A tendência da mecanização da colheita da cana-de-açúcar em algumas regiões pode gerar um aumento de pessoas acampadas, por exemplo. É algo que depende da conjuntura regional e econômica.
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