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POR JOÃO PEDRO STEDILE*

Uma marcha pacífica com mais de mil trabalhadores rurais organizados pelo MST percorria uma rodovia de Parauapebas a Marabá em 17 de abril de 1996. Foram encurralados por dois batalhões da Policia Militar, em uma no localidade conhecida como Curva do S, no município de Eldorado de Carajás. Um batalhão saíra de Parauapebas e outro de Marabá, apoiados por caminhões boiadeiros, que trancaram a estrada dos dois lados.
 
Assim começou um massacre premeditado, realizado para dar uma lição naqueles “vagabundos vindos do Maranhão”, como expressaram os policiais nos autos dos processos. Os policiais saíram dos quartéis sem identificação na farda, com armamento pesado e balas verdadeiras. O comando de Marabá chegou a avisar o Pronto Socorro e o Instituto Médico Legal (IML) para ficarem de plantão…
O julgamento demonstrou que, além das ordens explícitas de Paulo Sette Câmara, secretário de segurança do governo tucano de Almir Gabriel, a empresa Vale do Rio Doce financiou a operação, cobrindo todos os gastos, porque o protesto dos sem-terra na rodovia atrapalhava a circulação de seus caminhões.
O resultado foi 19 mortos no ato, sem direito a defesa, 65 feridos incapacitados para o trabalho e dois mortos dias depois. O líder Oziel da Silva, com apenas 19 anos, foi preso, algemado e assassinado a coronhadas, na frente dos seus companheiros, enquanto um policial mandava que gritasse “Viva o MST”.
Esses episódios estão registrados em mais de mil páginas dos autos do processo e foram descritos no livro “O Massacre”, do jornalista Eric Nepomuceno (Editora Planeta). Passados 17 anos, foram condenados apenas os dois comandantes militares, que estão recolhidos em algum apartamento de luxo dos quartéis de Belém.
O coronel Pantoja ainda tenta se livrar da prisão e pede para cumprir a pena de 200 anos em regime domiciliar. Os demais responsáveis no governo federal e estadual e empresa Vale foram inocentados. A Justiça se contentou em apresentar à sociedade dois bodes expiatórios.
Impunidade dos latifundiários
No Brasil inteiro, o cenário é o mesmo: desde a redemocratização, foram assassinados mais de 1.700 lideranças de trabalhadores e apoiadores da luta pela terra. Somente 91 casos foram julgados. Apenas 21 mandantes foram condenados.
 
O Massacre de Carajás se inscreve na prática tradicional dos latifundiários brasileiros, que com seus pistoleiros fortemente armados ou por meio do controle da Polícia Miliar e do Poder Judiciário, se apropriam de terras públicas e mantêm privilégios de classe, cometendo sistematicamente crimes que ficam impunes.
A atuação do latifúndio corresponde à correlação de forças políticas. Durante o governo José Sarney, diante do avanço das lutas sociais e da esquerda, organizou a UDR (União Democrática Ruralista). Com isso, se armou até os dentes, desrespeitando todas as leis. Foi o período com o maior número de assassinatos. Os fazendeiros chegaram à petulância de lançar seu próprio candidato à Presidência, Roberto Caiado, que foi solenemente condenado pela população brasileira ao receber apenas 1% dos votos.
Nos governos Fernando Collor e FHC, com a derrota do projeto democrático-popular e da luta social que se aglutinava ao redor da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 1989, os latifundiários se sentiram vitoriosos e utilizaram sua hegemonia no Estado para controlar a manu militar e a luta pela terra. Nesse período, aconteceram os massacres de Corumbiara (RO), em 1995, e de Carajás.
Lula chegou ao governo, em 2003, quando parte dos latifundiários tinha se modernizado e preferiu fazer uma aliança com o governo, apesar de ter apoiado a candidatura de José Serra. Em troca, recebeu o Ministério da Agricultura. Um setor mais truculento e ideológico resolveu dar uma demonstração de força e mandar avisos para demonstrar “quem de fato mandava no interior e nas terras”, ainda mais depois de Lula colocar o boné do MST.
Nesse contexto, aconteceram dois novos massacres, com ares de perversidade. Em 2004, a poucos quilômetros do Planalto Central, no município de Unaí (MG), uma quadrilha de latifundiários mandou assassinar dois fiscais do Ministério do Trabalho e o motorista da viatura, quando o grupo se dirigia a uma fazenda para fazer uma inspeção de trabalho escravo. Um dos fazendeiros se elegeu prefeito da cidade pelo PSDB e, até hoje, o crime está impune. O Estado não teve coragem de defender seus servidores.
O segundo massacre foi em novembro de 2005, no município de Felisburgo (MG), quando o fazendeiro-grileiro Adriano Chafik resolveu acabar com um acampamento do MST. Chafik foi com seus pistoleiros à fazenda e comandou pessoalmente a operação em um sábado à tarde. No ataque, deram tiros em direção às famílias, colocaram fogo nos barracos e na escola. O saldo foi o assassinato de mais cinco trabalhadores rurais e dezenas de feridos. Depois de oito anos de espera, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais marcou o julgamento do fazendeiro para 15 de maio, em Belo Horizonte. Esperamos que a justiça seja feita.
Os fazendeiros truculentos – que felizmente não são a maioria – agem assim, porque têm certeza absoluta de sua impunidade, graças ao conluio que mantêm com os poderes locais e com o Poder Judiciário. Agora, nos últimos anos, seu foco está voltado para o Poder Legislativo, onde mantêm a chamada Bancada Ruralista, para mudar leis e para se proteger da lei vigente.
Já fizeram as mudanças no Código Florestal e impedem a implementação da lei que obriga a desapropriação das terras dos fazendeiros que exploram o trabalho escravo. A cada ano, a Policia Federal liberta em média dois mil seres humanos do trabalho escravo. No entanto, os latifundiários continuam com essa prática, apoiados na impunidade do Poder Judiciário.
Tiveram a coragem de encaminhar projetos de lei que contrariam a Constituição para impedir a demarcação das terras indígenas já reconhecidas, legalizar o arrendamento das áreas demarcadas e permitir a exploração dos minérios existentes. Foram apresentados projetos também para travar a titulação de terras de comunidades quilombolas.
Uma série de projetos foi apresentada para liberar o uso de agrotóxicos proibidos na maioria dos países, classificados pela comunidade cientifica como cancerígenos, e para impedir que os consumidores saibam quais produtos são transgênicos. Por que não querem colocar no rótulo nos produtos transgênicos, já que garantem segurança total para a saúde das pessoas?
A sanha da ganância dos fazendeiros não tem limites. No interior, usam com mais frequência a violência física e os assassinatos. No entanto, essa sanha tem consequências diretas para toda a população, pela apropriação das terras públicas, pela expulsão dos camponeses do meio rural que incha as favelas e pelo uso indiscriminado dos agrotóxicos, que vão parar no seu estômago e causam câncer. Infelizmente, tudo isso é acobertado por uma mídia servil e manipuladora da opinião pública.
* João Pedro Stedile terá uma coluna quinzenal em Terra Magazine. Seu blog estreia nos próximos dias.

Blog do Zé

Fernando Henrique
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso torna-se o primeiro em seu partido a reconhecer que os tucanos estão longe do povo, ou nem sequer sabem o que é povo. Em sua participação num congresso estadual do PSDB paulista no início de semana, o ex-presidente afirmou que o seu partido precisa de um “banho de povo”.

“Andei muito com o (governador Franco) Montoro por São Paulo e pelo Brasil. Montoro falava pouco e direto: 1, 2, 3. A nossa mensagem tem que ser simples, tem que ser direta e pegar na população. O PSDB precisa de um banho de povo. Precisamos do povo. Temos que ouvir o povo”, pregou FHC.

O ex-presidente considerou “consolidada” a candidatura do senador Aécio Neves (PSDB-MG) ao Palácio do Planalto em 2014, lançada por ele na virada do ano. FHC fala para ele mesmo e para a elite do tucanato. Ele faz de conta que o partido não está dividido e que o senador Aécio é candidato, quando a realidade é outra.

O povo é quem vê o PSDB como o partido dos ricos

O PSDB pediu três vezes para o povo eleger seu candidato a presidente e três vezes o povo elegeu o candidato do PT – o presidente Lula em 2002 e em 2006 e a presidenta Dilma Rousseff em 2010. Se isso não é a vontade popular, é preciso saber o que FHC entende por povo.

O líder tucano também negou que o PSDB seja um partido de “ricos”. Ora, quem diz que o PSDB é um partido de ricos e da elite é o povo nas pesquisas e não o PT. É o povo, nestes levantamentos de opinião pública, quem também aponta que o PSDB é o partido dos banqueiros, dos juros altos e das privatizações.

O ex-presidente tucano, ao considerar consolidada a candidatura Aécio Neves, finge esquecer que para se consolidar ela continua a enfrentar o mesmo problema que tinha na origem, a resistência do PSDB paulista, maior seção do partido no país. Enfrenta a oposição das bancadas tucanas estadual e federal, do ex-governador José Serra, que viajou para o exterior e nem sequer acompanhou Aécio em seu giro de quatro dias na capital paulista, e do governador Geraldo Alckmin.

Candidatura Aécio consolidada?

Serra e Alckmin preparam o troco para Aécio, que os derrotou em Minas quando eles disputaram a Presidência da República. E um levantamento feito pela Folha de S.Paulo esta semana mostra que dos 35 deputados estaduais e federais tucanos paulistas, só oito já definiram apoio à candidatura Aécio nas eleições do ano que vem.

Nesta enquete, 12 dos parlamentares do PSDB no Estado dizem que Aécio é um bom nome, mas não fecham questão sobre a candidatura. Outros 15 não dizem quem apoiam. O senador ficou de 6ª feira da semana passada até a 3ª feira desta semana em São Paulo, conversando, tentando aparar arestas para contornar esse quadro.

Foi embora de São Paulo com o governador Alckmin se mantendo reticente quanto a apoiá-lo nessa disputa e sem que o ex-governador José Serra anunciasse apoio à sua candidatura. Serra, como eu disse, nem recebeu Aécio, nem foi ao congresso estadual tucano, viajou para o exterior.

(Foto: Renato Araújo/ABr)

No domingo, dia 10, no desfile das escolas de samba do Carnaval carioca, o incauto repórter da Globo entrevista o ex-presidente FHC que diz, com voz um pouco trêmula e com vários “s” em rede nacional, que é “carioca e gosta de samba” para tristeza dos quatrocentões paulistanos. Reparem que um assessor retira um copo da mão do ex-presidente. Já pensou se fosse o Lula? O que diriam os Noblats, Azevedos, Villas e afins?

 

 

Publicado originalmente no blog limpinho & cheiroso

Por Dani

Da Fiocruz

Viviane Tavares – Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio /Fiocruz

Grande disputa pelos royalties não discute o que deveria ser a principal pauta: o que fazer com o dinheiro.

Uma briga que já envolveu aposentados, Copa do Mundo e Olimpíadas, dupla sertaneja, chafariz em praça pública, partidos de esquerda e direita concordando em determinados pontos e estados da federação brigando entre si. Há quem defenda que ela é vã, outros que este não é o foco e aqueles que querem chamar atenção para o assunto. O número de envolvidos é grande e o tema muito falado, mas a quem servem os royalties do petróleo?
Os royalties são uma expressão antiga, que significava a renúncia que o rei fazia de um patrimônio que, uma vez alienado por qualquer motivo, não estaria mais disponível para seus descendentes. Adaptado ao mundo atual, ela passou a significar uma compensação a um recurso não renovável que é subtraído da natureza. Desde a década de 1990, com a lei 9478/97 , essa foi uma das soluções encontradas para que, após a abertura do mercado para a exploração e produção de petróleo e gás brasileiros por outras empresas além da Petrobras, houvesse uma certa proteção às regiões diretamente impactadas com a exploração.
Atualmente, cabe à União 30%do montante e os estados e municípios produtores ficam com 26,25% dos royalties, já os municípios afetados ficam com 9,75%. Os estados não produtores recebem 1,76% e os municípios na mesma condição ficam com 7%. Com a lei,  12351/10 aprovada no Congresso, esses percentuais seriam alterados: a União e os estados produtores passariam a receber 20%; para os municípios produtores, 15%; , os municípios afetados, 3%; e os estados e municípios não produtores, 21% – que até 2020 poderiam chegar a 27%. A proposta foi vetada pela presidente Dilma Rousseff recentemente com a MP 592/12 , que mantém os mesmos percentuais anteriores da lei de 9478/97 aos contratos firmados, mas estabelece que os estados e cidades não produtores passariam a receber este aumento nos novos contratos firmados para a camada do pré-sal, e não nos que já estão em andamento, como propunha a nova lei. 
O diretor do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro), Emanuel Cancella, defende que os royalties são resultado da indústria do petróleo que foi financiada por todos os brasileiros e por isso deve ser um patrimônio nacional, mas aquelas áreas afetadas devem ter uma compensação diferenciada. “O processo disso tudo teve uma forma equivocada, porque os governadores do Rio de Janeiro e Espírito Santo não dialogaram com os governantes e parlamentares dos demais estados. Mas, o que a Dilma garantiu no veto é sensato. Aquilo que já foi licitado e contratado não pode ser retirado. Na verdade, a gente não quer concentrar o crescimento econômico só em alguns lugares, em algumas regiões, porque isso já causou um desequilíbrio muito grande na federação, mas devemos reconhecer que esses recursos são finitos. Os estados e municípios produtores devem ter uma compensação, que é a ideia dos royalties no seu sentido original, por conta dos problemas advindos das agressões ambientais’, defende.
O deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), que é um dos principais representantes dos estados não produtores, acredita que a briga não está ganha e lamenta pelo tempo que os outros estados levarão para usufruir deste montante. “Encaramos os vetos com muito pesar porque reconhecemos que nele há também uma pressão eleitoreira. Mas, mais grave do que isso, é sabermos que o que nos cabe levará quase uma década para que possamos usufruir porque o caminho entre a empresa ganhar a licitação, construir a plataforma e extrair a primeira gota de petróleo levará um tempo muito grande. A luta só começou”, explica o deputado. 
Destino dos royalties
Desde a chamada ‘Lei do Petróleo’, criada em 1997, a parte repassada à União, estados e municípios da exploração do mineral deveria ter destinação a projetos e programas em áreas como o combate à pobreza e o desenvolvimento da educação, da cultura, do esporte, da saúde pública, da ciência e tecnologia, do meio ambiente e de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Mas, sem nenhum tipo de regulamentação para este tipo de exigência, os estados e municípios que recebem investem sem prestação de contas. Emanuel Cancella informa que este é um dos pontos mais críticos da discussão dos royalties. “Atualmente cada um aplica no que quer. As pessoas beneficiadas com o petróleo e que encabeçam a campanha do ‘Veta Dilma’ nunca prestaram conta deles. O governador do Rio (Sergio Cabral), no momento em que sentiu que podia diminuir a participação do estado, ameaçou o salário dos aposentados na primeira campanha – mas os royalties não podem ser aplicados em folha de pagamento. Na segunda vez, a mais recente, a questão da Copa e Olimpíadas foi posta em xeque. O que entendemos é que esse dinheiro deva ser aplicado em políticas sociais, que é o seu principal objetivo”, analisa.
O estudo ‘Royalties do Petróleo e desenvolvimento Municipal: Avaliação e Propostas de Melhoria’, promovido pela Consultoria Macroplan, mostra que os recursos utilizados pelos royalties estão mal empregados. De acordo com o relatório, a transparência na alocação dos recursos e os mecanismos de controle são precários. Os municípios analisados também não apresentaram estratégias consistentes de desenvolvimento sustentável no longo prazo. “O direcionamento dos recursos para políticas públicas que viabilizem a diversificação produtiva e o desenvolvimento sustentado das economias não ocupa um espaço significativo na agenda dos governos municipais, com raras exceções”, diz trecho do estudo.
“Não existe controle nenhum dos gastos com os royalties. Dos poucos municípios que prestaram conta dos investimentos com este dinheiro, justificaram gastos com porcelanato na calçada, chafariz em praça pública, show de dupla sertaneja no lugar de dedicar este montante para saúde, saneamento e educação. Ao analisar o IDH destes locais, nenhum deles melhoraram os indicadores por conta dos royalties’, relembra Fernando. O estudo da Macroplan mostra também que cerca de 70% do valor dos royalties transferidos para os municípios concentram-se em 25 cidades. De 2000 a 2010, esses municípios receberam aproximadamente R$ 27,3 bilhões. Exemplo de grande recebimento de royalties e pouco investimento no social é a cidade de Campos que, em 2002, estava em primeiro lugar do ranking das cidades que mais recebiam royalties de petróleo e a 54º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Rio. Em 2009, conquistou o título de campeão do Brasil em trabalho escravo.
O município de Presidente Kennedy, do Espírito Santo, como aponta o estudo, sofre problemas em relação ao controle de custos de seus programas. ‘Em Presidente Kennedy a prefeitura tem um amplo programa, com mais de 700 bolsistas atualmente, de bolsas de estudo para os estudantes dos níveis técnico e superior, embora com regulamentação não bem definida e falta controle do investimento destes recursos’, destaca o estudo. Presidente Kennedy também conta com serviços de saneamento básico e encanamento de água precários, além de concentrar grande número de contratações de funcionários públicos e terceirizados com o dinheiro dos royalties. 
Em 2010, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ) apresentou o Projeto de Lei 3025, para a criação do Conselho Estadual de Fiscalização dos Royalties, com participação do Estado e da sociedade civil, para funcionar como órgão formulador e controlador das políticas públicas e ações realizadas com financiamento dos royalties. O projeto está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e prevê o investimento dos royalties para a preservação do meio ambiente, no desenvolvimento de energia renovável e limpa, em saúde, educação, previdência social, agricultura familiar e habitação popular. Hoje, quem cuida dessa fiscalização é o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
O que não está em pauta
Além disso, outro fato relevante destacado por Fernando Siqueira, diretor da Associação de Engenheiros da Petrobras (Aepet) e do Clube de Engenharia, é a ausência da discussão do porcentual destinado. Hoje são 15% da renda do petróleo que servem de alvo de disputas entre estados e municípios e os outros 85% ficam para as empresas exploradoras deste recurso nacional. “Quando o presidente Lula enviou o projeto do contrato de partilha para o Congresso, ele não incluiu a discussão dos royalties, justificando: ‘Primeiro temos que recuperar a propriedade do petróleo. Depois vamos discutir a sua distribuição’. Mas, infelizmente, dois governadores, Sergio Cabral e Paulo Hartung, que eram contra a mudança da lei anterior, incluíram a discussão dos royalties para tumultuar o processo. Centrava-se a discussão em 10%, que era o valor dos royalties de então, e se esqueciam da discussão maior: recuperar os 90%. Mas fizeram isto de uma forma tão arrogante e provocativa, que acabou criando uma reação dos estados não produtores e levou a uma cobiça de todos por uma nova forma que os beneficiasse também. Assim, fizeram uma proposta de distribuição que incluía as áreas já licitadas. Eles estão no direito também”, lembrou Fernando. E completa: “Não tem sentido o Rio virar uma Abu Dabhi e os demais estados seguirem sem recursos. A MP deve contemplar isto, mas é preciso que Rio e Espírito Santo sentem para conversar e chegar a um consenso. Essa discussão desvia a atenção de problemas muito mais graves e estratégicos do país”. 
Na lei de 97, do governo do ex-presidente Fernando Henrique, os contratos de produção e exploração eram realizados por meio de concessão, ou seja, diferentes empresas poderiam explorar os campos de petróleo sendo proprietárias de tudo que fosse produzido. Com o novo marco regulatório do pré-sal realizado em 2010, o caráter estatal foi resgatado e a Petrobras voltou a ser a operadora única destes novos blocos e a propriedade do petróleo retornou à União. 
Emanuel chama o debate dos 15% dos royalties de ‘cortina de fumaça’ para discussões do que se deveria fazer com os outros 85%. “As outras parcelas vão para o estrangeiro, através dos leilões do petróleo e da transformação do Brasil em grande exportador de petróleo. O principal debate não está sendo feito. Em toda a história brasileira, fomos exportadores de matéria-prima para o mundo como Pau Brasil, borracha, ouro e metal e não nos desenvolvemos, agora temos o ouro negro e continuamos na mesma lógica: exportamos para comprar depois, porque mais de 3 mil produtos que estão no nosso entorno são derivados da indústria petroquímica’, analisa.
Fernando Siqueira lembra ainda que a pressão por meio dos cartéis de petróleo para o fim do pagamento dos royalties – que já foi derrubado em diversos outros países – pode ficar ainda maior já que apenas três estados têm se beneficiado desta compensação. “Ao mesmo tempo que a Dilma está cada vez mais enfraquecida com 24 estados em detrimento dos outros três, o cartel internacional está agindo no Congresso para acabar com os royalties. Usariam o mesmo argumento que usaram para acabar com os royalties em todo o mundo, onde existe a produção em águas profundas (em torno de 1000 metros): ‘o risco é alto e o retorno é baixo’. No Brasil, o pré-sal tem uma lâmina d’água em torno de 2.200 metros. “Mas, todos sabem que o pré-sal tem risco baixíssimo e retorno alto”, analisa. 
Royalties para educação
Publicada na segunda-feira, dia 1º de dezembro, a Medida Provisória 592/2012 define novos critérios para a distribuição dos royalties do petróleo e sua destinação integral à educação, vinculada apenas aos contratos assinados a partir de 3 de dezembro deste ano. Também 50% dos rendimentos do Fundo Social – que foi criado no marco regulatório do pré-sal – irá para a educação. A Medida Provisória agora segue para o Congresso.
Para o deputado federal Marcelo Castro (PMDB-PI), o tempo do recebimento dos primeiros royalties com os novos contratos é grande demais e a educação não pode esperar por isso para receber investimento. Além disso, ele defende que a parte a ser licitada é muito inferior da àquelas que somam os contratos firmados, que foram excluídos da dessa regra pelos vetos da presidente Dilma. “O grosso do petróleo, correspondente a 80% do total, está fora dessa regra. Então, a própria educação não vai ter muito dinheiro e, quando tiver, vai ser lá em 2020. Além disso, vai ser uma quantia tão irrisória que não vai fazer muita diferença na conta”, defende. “Vamos continuar lutando e tentar vetar o proposto pela Dilma, além de editar a medida provisória 592. Queremos que ela corresponda às verdadeiras necessidades do povo brasileiro”, explicou.
Emanuel é mais otimista. Ele explica que o que foi licitado do pré-sal está em torno de 30%, mas é preciso que a sociedade se organize para garantir que este investimento faça diferença na educação. “A Dilma colocou um aspecto muito importante, que é dedicar os royalties para a educação. Agora nada vai garantir se não tiver participação da sociedade, porque é muito fácil desviar o dinheiro. Já vimos que dinheiro não é usado nas áreas que a lei determina, como a saúde e a educação. Com estes royalties, não vai ser – e já não é – diferente. Mas, se a sociedade e, principalmente os municípios, se organizarem para garantir o investimento na educação, vai mudar a cara do país”, apontou.
Fernando Siqueira acredita que o governo está usando este recurso para financiar os 10% do Produto Interno Bruto que, por determinação do Plano Nacional da Educação, ele deve passar a aplicar na educação. “É preciso saber investir este dinheiro. Não adianta só ter escolas monumentais, elas devem estar equipadas e tem de haver professores bem remunerados e qualificados lá dentro”, defendeu.

A primeira vez que ouvi um dos mantras do neoliberalismo econômico foi através do pesquisador e cientista político Ricardo Prata, hoje no PPS, ele falava muito em modernidade e eficiência isso foi em 1990 ou 1991, depois desses outros termos passaram a dominar os conteúdos da mídia corporativa e a pautar as nossas discussões cotidianas.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*

Nos anos 1990, a partir do governo Collor o ideário neoliberal foi aplicado com radicalidade disciplina, especialmente nos anos de 1995 a 2002.

E não houve eficiente reação a essa violenta ação político-econômica, aliás, não concordo com quem avalia que houve luta popular contra a modernidade, a eficiência do Estado e a globalização, pois penso que a esquerda, de uma maneira geral, ficou atordoada com a velocidade que as coisas aconteciam e não teve competência política, nem capacidade comunicativa de fazer o debate. A comprovar isso é que depois de quase vencer as eleições presidenciais em 1989 não chegou nem perto em 1994 e 1998.

A herança dos doze anos de divulgação, implantação e execução de política publicas de inspiração neoliberal no âmbito econômico incluiu desmonte do Estado nacional, privatização criminosa e corrupta do patrimônio público, desnacionalização da economia, livre curso à financeirização, maior dependência, semi-estagnação.

Coisas vergonhosas foram patrocinadas nos tempos da privatização neoliberal, verdadeiro festival de corrupção e o que é pior, comemorado como exemplo de modernidade e eficiência.
Na privatização da FEPASA, por exemplo, o governo de São Paulo, sob o PSDB de Mário Covas, demitiu dez mil funcionários e assumiu a responsabilidade pelos 50 mil aposentados da ferrovia. No Rio de Janeiro o tucano Marcelo Alencar fez mais e pior. Vendeu o BANERJ por R$ 330 milhões, mas antes da privatização demitiu 6,2 mil dos 12 mil funcionários do banco estadual e como precisava pagar indenizações, aposentadorias e o plano de pensão dos servidores, pegou um empréstimo de R$ 3,3 bilhões, ou seja, dez vezes superior ao que arrecadou no leilão (na verdade 20 vezes superior, porque o Rio de Janeiro recebeu apenas R$ 165 milhões, porque aceitou moedas podres, com metade do valor de face.

Há muitos exemplos, mas basta dizer que um primo de José Serra chegou a transferir ao tesoureiro de Serra e FHC US$ 2,5 bilhões de dólares… Algo pendente de investigação pelo diligente e imparcial Ministério Público. No livro “O Brasil privatizado – um balanço do desmonte do Estado” de Aloysio Biondi tem-se o diagnóstico de que a nação pagou sua privatização e, sob a orientação e gestão neoliberal, o país praticamente foi à falência.

E no plano político, a democracia foi maculada pelo autoritarismo e pela mutilação da Constituição. No plano social, cortaram-se direitos trabalhistas e agravou-se a degradação social. A Nação foi aviltada em nome da tal eficiência. De necessário registro que a eficiência tornou-se principio constitucional apenas em 1998, através da famosa EC n. 19, de 4 de junho de 1998.

Os governos de FHC contaram com generoso apoio da mídia que ajudou a passar a idéia de que naqueles anos houve extraordinário êxito econômico a partir do fortalecimento do real. Bem, essa seria uma falácia neoliberal, pois segundo o professor Theotônio dos Santos não foi o plano real que acabou com a inflação. Ele afirma que “os dados mostram que até 1993 a economia mundial vivia uma hiperinflação na qual todas as economias apresentavam inflações superiores a 10%. Claro que em cada país apareceram “gênios” locais que se apresentaram como os autores desta queda. Mas isso é falso: tratava-se de um movimento planetário”. E o professor Theotônio dos Santos segue afirmando que no governo de FHC o Brasil manteve uma das mais altas inflações do mundo. Não teria sido o Plano Real a derrubar a inflação, mas uma deflação mundial, mas FHC teve responsabilidade de manter, por razões eleitoreiras, o câmbio em posição de artificialidade, que levou o Brasil em 1999 quase à situação da Grécia de hoje.

Ademais no aspecto fiscal os tempos de falácias neoliberais elevaram a dívida pública de 60 bilhões de dólares para 850 bilhões de dólares. Essa talvez tenha sido a grande obra, negativa, de FHC, um presidente que chegou a fazer vergonhas financeiras para tentar cobrir o déficit. Tempos de irresponsabilidade cambial e fiscal que tornou o povo mais pobre, aliás, nem mesmo era unânime dentro do PSDB apoiou esse tipo de gestão.

Para não esquecermos em 1999 o Brasil não tinha divisas e teve de recorrer a FMI e pedi emprestados 25 bilhões de dólares, sem nenhuma garantia. Foi um período em que as exportações fracassaram e o setor não juntou nenhum recurso em dólar para pagar a dívida, não houve investimentos públicos, enquanto isso a nação assistia incrédula um processo de privatização que faria vergonha até a Margaret Thatcher.

A vitória de Lula representou muito mais do que a mídia e as elites desejariam reconhecer.
A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente da República, em 2002, é um marco na história recente e abriu novo ciclo político no país, mas falo disso depois.

* é advogado e professor, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi (2007).

Wikileaks: EUA agiram contra programa espacial do Brasil


Do Vermelho –


Telegramas revelam intenções de veto e ações dos EUA contra o desenvolvimento tecnológico brasileiro com interesses de diversos agentes que ocupam ou ocuparam o poder em ambos os países.

Os telegramas da diplomacia dos EUA revelados pelo Wikileaks revelaram que a Casa Branca toma ações concretas para impedir, dificultar e sabotar o desenvolvimento tecnológico brasileiro em duas áreas estratégicas: energia nuclear e tecnologia espacial.

Em ambos os casos, observa-se o papel anti-nacional da grande mídia brasileira, bem como escancara-se, também sem surpresa, a função desempenhada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, colhido em uma exuberante sintonia com os interesses estratégicos do Departamento de Estado dos EUA, ao tempo em que exibe problemática posição em relação à independência tecnológica brasileira.

Segue o artigo do jornalista Beto Almeida:

O primeiro dos telegramas divulgados, datado de 2009, conta que o governo dos EUA pressionou autoridades ucranianas para emperrar o desenvolvimento do projeto conjunto Brasil-Ucrânia de implantação da plataforma de lançamento dos foguetes Cyclone-4 – de fabricação ucraniana – no Centro de Lançamentos de Alcântara , no Maranhão.

Veto imperial

O telegrama do diplomata americano no Brasil, Clifford Sobel, enviado aos EUA em fevereiro daquele ano, relata que os representantes ucranianos, através de sua embaixada no Brasil, fizeram gestões para que o governo americano revisse a posição de boicote ao uso de Alcântara para o lançamento de qualquer satélite fabricado nos EUA. A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que os EUA “não quer” nenhuma transferência de tecnologia espacial para o Brasil.

“Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil”, diz um trecho do telegrama.

Em outra parte do documento, o representante americano é ainda mais explícito com Lokomov: “Embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil”.

Guinada na política externa

O Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA (TSA) foi firmado em 2000 por Fernando Henrique Cardoso, mas foi rejeitado pelo Senado Brasileiro após a chegada de Lula ao Planalto e a guinada registrada na política externa brasileira, a mesma que muito contribuiu para enterrar a ALCA. Na sua rejeição o parlamento brasileiro considerou que seus termos constituíam uma “afronta à Soberania Nacional”. Pelo documento, o Brasil cederia áreas de Alcântara para uso exclusivo dos EUA sem permitir nenhum acesso de brasileiros. Além da ocupação da área e da proibição de qualquer engenheiro ou técnico brasileiro nas áreas de lançamento, o tratado previa inspeções americanas à base sem aviso prévio.

Os telegramas diplomáticos divulgados pelo Wikileaks falam do veto norte-americano ao desenvolvimento de tecnologia brasileira para foguetes, bem como indicam a cândida esperança mantida ainda pela Casa Branca, de que o TSA seja, finalmente, implementado como pretendia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas, não apenas a Casa Branca e o antigo mandatário esforçaram-se pela grave limitação do Programa Espacial Brasileiro, pois neste esforço algumas ONGs, normalmente financiadas por programas internacionais dirigidos por mentalidade colonizadora, atuaram para travar o indispensável salto tecnológico brasileiro para entrar no seleto e fechadíssimo clube dos países com capacidade para a exploração econômica do espaço sideral e para o lançamento de satélites. Junte-se a eles, a mídia nacional que não destacou a gravíssima confissão de sabotagem norte-americana contra o Brasil, provavelmente porque tal atitude contraria sua linha editorial historicamente refratária aos esforços nacionais para a conquista de independência tecnológica, em qualquer área que seja. Especialmente naquelas em que mais desagradam as metrópoles.

Bomba! Bomba!

O outro telegrama da diplomacia norte-americana divulgado pelo Wikileaks e que também revela intenções de veto e ações contra o desenvolvimento tecnológico brasileiro veio a tona de forma torta pela Revista Veja, e fala da preocupação gringa sobre o trabalho de um físico brasileiro, o cearense Dalton Girão Barroso, do Instituto Militar de Engenharia, do Exército. Giráo publicou um livro com simulações por ele mesmo desenvolvidas, que teriam decifrado os mecanismos da mais potente bomba nuclear dos EUA, a W87, cuja tecnologia é guardada a 7 chaves.

A primeira suspeita revelada nos telegramas diplomáticos era de espionagem. E também, face à precisão dos cálculos de Girão, de que haveria no Brasil um programa nuclear secreto, contrariando, segundo a ótica dos EUA, endossada pela revista, o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, firmado pelo Brasil em 1998, Tal como o Acordo de Salvaguardas Brasil-EUA, sobre o uso da Base de Alcântara, o TNP foi firmado por Fernando Henrique.

Baseado apenas em uma imperial desconfiança de que as fórmulas usadas pelo cientista brasileiro poderiam ser utilizadas por terroristas, os EUA, pressionaram a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que exigiu explicações do governo Brasil, chegando mesmo a propor o recolhimento-censura do livro “A física dos explosivos nucleares”. Exigência considerada pelas autoridades militares brasileiras como “intromissão indevida da AIEA em atividades acadêmicas de uma instituição subordinada ao Exército Brasileiro”.

Como é conhecido, o Ministro da Defesa, Nelson Jobim, vocalizando posição do setor militar contrária a ingerências indevidas, opõe-se a assinatura do protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, que daria à AIEA, controlada pelas potências nucleares, o direito de acesso irrestrito às instalações nucleares brasileiras. Acesso que não permitem às suas próprias instalações, mesmo sendo claro o descumprimento, há anos, de uma meta central do TNP, que não determina apenas a não proliferação, mas também o desarmamento nuclear dos países que estão armados, o que não está ocorrendo.

Desarmamento unilateral

A revista publica providencial declaração do físico José Goldemberg, obviamente, em sustentação à sua linha editorial de desarmamento unilateral e de renúncia ao desenvolvimento tecnológico nuclear soberano, tal como vem sendo alcançado por outros países, entre eles Israel, jamais alvo de sanções por parte da AIEA ou da ONU, como se faz contra o Irã.

Segundo Goldemberg, que já foi secretário de ciência e tecnologia, é quase impossível que o Brasil não tenha em andamento algum projeto que poderia ser facilmente direcionado para a produção de uma bomba atômica.

Tudo o que os EUA querem ouvir para reforçar a linha de vetos e constrangimentos tecnológicos ao Brasil, como mostram os telegramas divulgados pelo Wikileaks. Por outro lado, tudo o que os EUA querem esconder do mundo é a proposta que Mahmud Ajmadinejad , presidente do Irà, apresentou à Assembléia Geral da ONU, para que fosse levada a debate e implementação: “Energia nuclear para todos, armas nucleares para ninguém”. Até agora, rigorosamente sonegada à opinião pública mundial.

Intervencionismo crescente

O semanário também publica franca e reveladora declaração do ex-presidente Cardoso : “Não havendo inimigos externos nuclearizados, nem o Brasil pretendendo assumir uma política regional belicosa, para que a bomba?” Com o tesouro energético que possui no fundo do mar, ou na biodiversidade, com os minerais estratégicos abundantes que possui no subsolo e diante do crescimento dos orçamentos bélicos das grandes potências, seguido do intervencionismo imperial em várias partes do mundo, desconhecendo leis ou fronteiras, a declaração do ex-presidente é, digamos, de um candura formidável.

São conhecidas as sintonias entre a política externa da década anterior e a linha editorial da grande mídia em sustentação às diretrizes emanadas pela Casa Branca. Por isso esses pólos midiáticos do unilateralismo em processo de desencanto e crise se encontram tão embaraçados diante da nova política externa brasileira que adquire, a cada dia, forte dose de justeza e razoabilidade quanto mais telegramas da diplomacia imperial como os acima mencionados são divulgados pelo Wikileaks.

Fonte: Luis Nassif Online. Título do Vermelho

publicado em 8 de julho de 2012 às 18:07

As comemorações de 9 de julho em São Paulo exaltam uma rebelião oligárquica de oito décadas atrás. Curiosamente, outra revolta, deflagrada em 5 de julho de 1924, que contou com forte componente popular, passa em brancas nuvens nos calendários oficiais.

por Gilberto Maringoni, em Carta Maior

Os dias 5 e 9 de julho condensam caminhos pelos quais a história paulista poderia seguir. São dois tabus no estado. Um é esquecido, o outro é exaltado.

A primeira data marca uma violenta reação ao poder do atraso, tendo por base setores médios e populares. E a segunda representa a exaltação do atraso, capitaneada pela elite regional.

Dia 5 de julho, há 88 anos, uma intrincada teia de tensões históricas desaguou no episódio que ficaria conhecido como Revolução de 1924. Suas raízes estão no agravamento de problemas sociais, no autoritarismo dos governos da República Velha e em descontentamentos nos meios militares, que já haviam gerado o movimento tenentista, dois anos antes.

Naquele duro inverno, em meio a uma crise econômica, eclodiu uma nova sublevação. Tropas do Exército e da Força Pública tomaram quartéis, estações de trem e edifícios públicos e expulsaram da cidade o governador Carlos de Campos. No comando, em sua maioria, camadas da média oficialidade. Quatro dias depois, era instalado um governo provisório, que se manteria até 27 de julho. O país vivia sob o estado de sítio do governo Arthur Bernardes (1922-1926).

Entre as reivindicações dos revoltosos estavam: “1º Voto secreto; 2º Justiça gratuita e reforma radical no sistema de nomeação e recrutamento dos magistrados (…) e 3º Reforma não nos programas, mas nos métodos de instrução pública”. No plano político, destaca-se ainda “A proibição de reeleição do Presidente da República (…) e dos governadores dos estados”.

Várias guarnições de cidades próximas aderiram ao movimento. Apesar da falta de um programa claro, setores do operariado organizado apoiaram os revolucionários e exortaram a população a auxiliá-los no que fosse possível.

Bombas, tiros e mortes

As ruas da capital foram palco de intensos combates, com direito a fuzilaria, granadas e tiros de morteiros. Cerca de trezentas trincheiras e barricadas foram abertas em diversos bairros.

A partir do dia 11, o governador deposto, instalado nas colinas da Penha, seguindo determinações do presidente da República, decidiu lançar uma carga de canhões em direção ao centro. O objetivo era aterrorizar a população e forçá-la a se insurgir contra os rebelados.

De forma intermitente, os bairros operários da Mooca, Ipiranga, Belenzinho, Brás e Centro sofreram bombardeio por vários dias. Casas modestas e fábricas foram reduzidas a escombros e cadáveres multiplicavam-se pelas ruas.

Sem conseguir dobrar a resistência, o governo federal decidiu bombardear a cidade com aviões de combate.

O fim da rebelião

Três semanas depois de iniciada, a rebelião foi acuada. Dos 700 mil habitantes da cidade, cerca de 200 mil fugiram para o interior, acotovelando-se nos trens que saiam da estação da Luz. O saldo dos 23 dias de revolta foi 503 mortos e 4.846 feridos. O número de desabrigados passou de vinte mil. No final da noite do dia 28, cerca de 3,5 mil insurgentes retiraram-se da cidade com pesado armamento em três composições ferroviárias. O destino imediato era Bauru, no centro do estado.

Deixaram um manifesto, agradecendo o apoio da população: “No desejo de poupar São Paulo de uma destruição desoladora, grosseira e infame, vamos mudar a nossa frente de trabalho e a sede governamental. (…) Deus vos pague o conforto e o ânimo que nos transmitistes”.

As tensões não cessariam. No ano seguinte, parte dos revolucionários engrossaria a Coluna Prestes (1925-1927). Mais tarde, outros tantos protagonizariam – e venceriam – a Revolução de 30.

Promovida pelas camadas médias do meio militar, o levante ganhou apoio de parcelas pobres da população. Talvez por isso seja chamada de “a revolução esquecida”.

A revolução que não foi

A segunda data, 9 de julho, é marcada pelo estopim de uma revolução que não faz jus ao nome. É exaltada e cultuada como uma manifestação de defesa intransigente da democracia, ela faz parte da criação de certa mitologia gloriosa para São Paulo.

O evento, em realidade, representa a sublevação da oligarquia cafeeira contra a Revolução de 30, que a retirou do governo e se constituiu no marco definidor do Brasil moderno.

Aquele processo não pode ser visto apenas como uma tomada de poder por um punhado de descontentes. Suas causas envolvem as contrariedades nos meios militares e tensões do próprio desenvolvimento do país. A crise de 1929 acabara de chegar, colocando em xeque o liberalismo reinante.

A Revolução consolidou a expansão das relações capitalistas, que trouxe em seu bojo a integração ao mercado – via Estado – de largos contingentes da população. O mecanismo utilizado foi a formalização do trabalho.

As novas relações sociais e a intervenção do Estado na economia – decisiva para a superação da crise e para o avanço da industrialização – implicaram uma reconfiguração e uma modernização institucional do país. A conseqüência imediata foi a perda da hegemonia da economia cafeeira, centrada principalmente em São Paulo e parte de Minas Gerais. Percebendo as mudanças no horizonte, as classes dominantes locais foram à luta em 1932.

A locomotiva e os vagões

Explodiu então a rebelião armada das forças insepultas da República Velha e da elite paulista, querendo recuperar seu domínio sobre o país.

Tendo na linha de frente a Associação Comercial e a Federação das Indústrias (FIESP), o levante tinha entre seus líderes sobrenomes importantes do Estado, como Simonsen, Mesquita, Silva Prado, Pacheco e Chaves, Alves de Lima e outros. O movimento contou com expressivo apoio popular, uma vez que os meios de comunicação (rádio, jornais e revistas) reverberaram as demandas das classes altas.

A campanha que precedeu a sublevação exacerbou uma espécie de nacionalismo paulista, incentivado por grupos separatistas. Entre esses, notabilizava-se o escritor Monteiro Lobato. A síntese da aversão local ao restante do país expressava-se na difundida frase, que classificava o estado como “a locomotiva que puxa 21 vagões vazios”, em referência às demais unidades da federação.

Contradição em termos

O objetivo do movimento, derrotado militarmente em 4 de outubro, era derrubar o governo provisório de Getulio Vargas e aprovar uma nova Constituição. Daí a criação do nome “revolução constitucionalista”, uma contradição em termos. Revolução é uma ação decidida a destruir uma ordem estabelecida. A expressão “constitucionalista” expressava uma tentativa recuperação do status quo, regido pela Carta de 1891. Se é “constitucionalista”, não poderia ser “revolução”.

Os sempre proclamados “ideais de 1932” são vagas referências à constitucionalidade e à democracia. Mas não existia, por parte da elite, nenhuma formulação que fosse muito além da recuperação da hegemonia paulista (leia-se, dos cafeicultores).

Exatos oitenta anos depois, o 9 de julho segue comemorado como a data magna do estado, uma espécie de 7 de setembro local. E os acontecimentos de 5 de julho de 1924 continuam como páginas obscuras de um passado distante.

A elite paulista voltaria ao poder em 1994, pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB. Seu mote foi dado no discurso de despedida do senado, em 1994: “Um pedaço do nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”.

Os objetivos desse setor continuaram os mesmos, décadas depois: realizar a contra-Revolução de 30.

As tensões entre as datas – 5 e 9 de julho – expressam duas vias colocadas até hoje nos embates políticos paulistas: a saída conservadora e a saída antielitista.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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Santayana: As hienas e o assalto ao povo

Lula a Chávez: “Sua vitória será nossa vitória”

Registro vivo de nosso passado colonial e assentado nas grandes propriedades de monocultura exportadora, o quadro atual da nossa estrutura fundiária ainda evoluiu muito pouco, em termos de distribuição de terras e de propiciar o acesso à terra para pequenos/médios proprietários e sistemas cooperativos.

 

Paulo Kliass, na Carta Maior

A complexidade da realidade social e econômica de nosso País é fato antigo e conhecido. A lista de contradições e de surpresas que ela nos apresenta parece ser infindável. Dentre tantos aspectos, chamam a atenção os elementos associados à questão agrária. Em especial, a dinâmica da utilização da reforma agrária como instrumento de política pública, com o objetivo de reduzir o nível da profunda desigualdade que nos caracteriza há séculos. Assim, além de corrigir essa histórica injustiça para com parcelas expressivas da população, sempre marginalizadas de qualquer modelo de integração e inserção, a redistribuição de terras também permitiria aumentar a oferta de alimentos de qualidade para nossa população.

Registro vivo de nosso passado colonial e assentado nas grandes propriedades de monocultura exportadora, movida à base da mão-de-obra escrava, o quadro atual da nossa estrutura fundiária ainda evoluiu muito pouco, em termos de distribuição de terras e de propiciar o acesso à terra para pequenos/médios proprietários e sistemas cooperativos. A opção política que os governos recentes fizeram pelo estímulo ao agronegócio, como modelo exemplar para os que trabalham com a terra em nosso País, terminou por reforçar as desigualdades sociais e econômicas no campo.

Longa tradição de luta no campo
Ao contrário de boa parte dos países capitalistas atuais, até os dias de hoje o Brasil ainda não efetuou sua reforma agrária. Apesar de constar da pauta política há muitas décadas, a implementação de tais medidas necessita contar com uma conjuntura política favorável e um governo interessado em patrocinar tal mudança. Assim foi na década de 1960, quando o movimento no campo lutava por tais mudanças, com suas entidades, a exemplo da CONTAG e das Ligas Camponesas. Mas um dos principais argumentos das forças conservadoras, em sua estratégia golpista contra o governo de João Goulart, era justamente a intenção do Presidente de levar a cabo tal projeto. A chegada da ditadura militar, em 1964, promoveu profunda repressão ao movimento popular e a reforma agrária só voltou a se tornar viável politicamente a partir do processo de democratização e da votação da Constituição de 1988.

Nesse novo período de lutas sociais, a grande novidade foi o surgimento do Movimento dos Sem Terra (MST), que passou também a se constituir em agente social importante de reforço da luta pela reforma agrária. Apesar do art. 5°, inc XXIII do nosso texto constitucional exigir a “função social” da propriedade, o fato é que a resistência das elites e das oligarquias em aceitar uma política de redistribuição de terras não se alterou em quase nada. Pelo contrário, os representantes de tais setores conservadores passaram até a se organizar de maneira mais agressiva, como foi o caso da época da União Democrática Ruralista (UDR) e atualmente por meio da bancada ruralista no Congresso Nacional. A intenção era evitar o avanço das bandeiras de apoio à reforma agrária no Parlamento e no interior da sociedade, além de barrar as medidas no âmbito da Administração Pública e do Poder Judiciário.

Apesar de alguns avanços institucionais, como a constituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do reforço dos quadros do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA), o fato é que a lentidão tem sido a marca das transformações efetivas no campo, ao longo das últimas duas décadas. Nem mesmo a mudança, tão carregada de simbolismo e esperança, proporcionada pela chegada de Lula ao poder em 2003, foi capaz de mudar o quadro desfavorável ao movimento popular. A desigualdade em favor dos grandes e poderosos manteve-se inalterada, quando não aprofundada.

Lentidão e frustração
Diversas pesquisas elaboradas por estudiosos da matéria mostram um quadro pouco animador para a primeira década do milênio. De acordo com os dados cadastrais do próprio INCRA, não só o quadro de desigualdade não foi atenuado, como assistimos a um processo de concentração de terras ao longo do período 2003-2010.

Assim, as grandes propriedades representavam apenas 2% do total em 2003 e se mantêm inalterados com tal percentual em 2010. Já os minifúndios e as pequenas áreas somados representam 90% do total das propriedades, restando 7% relativos às propriedades de porte médio. Trata-se da manutenção da política de concentração. Porém tal tendência é ainda mais gravada, caso levemos em consideração a área total e não apenas o número de propriedades. Nesse caso, veremos que ao longo dos 8 anos a participação percentual de minifúndios, pequenos e médios cai, ao passo que apenas a área total ocupada pela grande propriedade aumenta de 52% para 56%. Ou seja, além de apenas 2% do total de propriedades já ocupar mais da metade da área total, esse índice fica ainda mais desigual entre 2003 e 2010.

A frustração com a política para o setor, levada a cabo desde então, tem sido a marca das entidades que estão na vanguarda da luta pela democratização do acesso à terra, como o MST. De acordo com levantamento efetuado pela entidade, o ano de 2011 – o primeiro do mandato da Presidenta Dilma – revelou-se o mais fraco em termos de assentamento de famílias ao longo dos últimos 17 anos. Assim, caso sejam comparados os números relativos ao primeiro ano dos mandatos desde 2003, teremos o seguinte quadro: i) FHC – 43 mil famílias em 1995; ii) Lula – 36 mil famílias em 2003; iii) Dilma – 22 mil famílias em 2011.

Caso sejam analisados os dados de todo o período, percebe-se que o primeiro mandato de Lula foi mais efetivo em termos de reforma agrária. A média de assentamentos de famílias por ano obedeceu ao seguinte quadro:

FHC 1 (1995-1998)– 72 mil/ano
FHC 2 (1999-2002) – 63 mil/ano
Lula 1 (2003-2006) – 95mil/ano
Lula 2 (2007-2010) – 58 mil/ano

Isso significa que, caso Dilma pretenda manter a média do primeiro mandato de Lula, ela terá de assentar uma média de 120 mil famílias nos próximos 3 anos que lhe restam. Mas a maioria dos analistas do setor considera muito difícil atingir tal meta, uma vez que o próprio MDA trabalha com a hipótese de assentar apenas 35 mil famílias até o final desse ano de 2012.

Reforma Agrária deveria ser prioridade
Esse é o contexto em que o movimento do campo acaba de fechar o momento mais marcante de seu período anual de lutas, o chamado “abril vermelho”. A leitura de suas lideranças é de que pouco se avançou, apesar de haver recursos orçamentários para o MDA e para o INCRA. Entre 2004 e 2012, por exemplo, as dotações do ministério saltaram de R$ 1,5 para R$ 5 bilhões e as do instituto de R$ 1,1 para R$ 3,2 bilhões. Já as verbas do Ministério da Agricultura, apesar de se situarem num patamar superior, cresceram apenas 30%, de R$ 7,5 para R$ 10 bilhões. Esses números permitem duas leituras. A primeira, mais evidente, é que o grande agronegócio está muito melhor dotado de verbas públicas do que a agricultura familiar e a reforma agrária. Por outro lado, permite-nos concluir também que, apesar do crescimento das verbas ao longo do período, não houve tantos avanços em termos de efetivação da reforma agrária e do estímulo à agricultura de pequena propriedade.

Além disso, é preciso estabelecer um outro olhar sobre a política de reforma agrária: ela deve ser encarada de forma ampla e integradora, para além da mera distribuição de terras. Não basta apenas reconhecer assentamentos e oferecer os títulos de propriedade fundiária aos que lutam por isso há tanto tempo. É necessário implementar políticas de assistência técnica, propostas de extensão rural, mecanismos de acesso ao crédito oficial, medidas de viabilização comercial da produção, estratégias de fornecimento de equipamentos de saúde e educação nos locais, entre tantos outros aspectos das políticas públicas. A intenção, a longo prazo, é de tornar viável o modo de viver dos camponeses no ambiente rural, com qualidade de vida e renda condizente para a atual e para as futuras gerações. Para tanto, é fundamental um modelo de integração com os demais setores sociais e de sustentabilidade em termos temporais e ambientais.

Com isso, a sociedade brasileira passará a contar com uma alternativa de vida que não seja a continuidade tresloucada e irresponsável do atual processo de migração para as metrópoles e grandes cidades. A concentração fundiária e o modelo explorador do agronegócio expulsa a mão-de-obra e não oferece perspectivas seguras a médio prazo, que sejam capazes de evitar a continuidade do êxodo urbano sem perspectivas. E aqui entra o papel a ser cumprido pelo Estado, na implementação da reforma agrária. Ao assegurar a fixação da população no campo, em condições de trabalhar a terra e fazer chegar seus produtos nos espaços de comercialização, o País ganha em termos de qualidade de sua alimentação e passa a oferecer uma alternativa para a atividade agrícola que não seja a mera exportação de “commodities”.

A escala do pequeno e do local, por outro lado, dá sua contribuição para a desconcentração de renda e pode reduzir o grau de envenenamento a que a população brasileira está submetida atualmente, em razão dos processos perversos utilizados para a produção dos alimentos. Isso porque a assistência técnica governamental permitiria oferecer alternativas de técnicas produtivas menos dependentes de fertilizantes, agrotóxicos e transgênicos, a exemplo de inúmeros casos de sucesso em outros países e mesmo em pontos de experiência-piloto de sucesso, aqui em nossa terra.

As condições para a ruptura com o atual ritmo de lentidão da reforma agrária estão dadas. Basta a vontade política em acelerar o número de famílias assentadas e coordenar de forma adequada o programa no âmbito do governo. Assim como fez recentemente com a política de juros de juros, cabe a Dilma dar sinais claros de que aprofundar a política de democratização fundiária é prioridade de seu mandato. Aliás, o equívoco de confiar unicamente nos interesses dos grandes proprietários de terra revelou sua verdadeira face na recente aprovação de um texto vergonhoso para o Código Florestal.

O País precisa de mais gente morando no campo e produzindo alimentos. Os movimentos sociais organizados oferecem essa alternativa. A Administração Pública está preparada para desempenhar tal tarefa. Os recursos orçamentários existem. A quantidade de terras disponíveis é, literalmente, de perder de vista. Cada um dos mais de cinco mil municípios pode garantir uma demanda mínima de alimentos para sua rede de escolas, creches, hospitais e refeitórios públicos. A continuidade do processo de crescimento da economia, do aumento do nível de emprego e de renda são fatores a reforçar a viabilidade do modelo de agricultura familiar e cooperativa. Falta apenas um comando firme e uma orientação segura.

 

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Eugênio Kishi eugenioissamukishi@gmail.com

Investigações sobre evasão fiscal da Vale na Suíça

O escândalo explodiu nos últimos dias; porém, está apenas começando. Diversos meios de comunicação suíços denunciaram, no final de fevereiro, ao gigante brasileiro Vale do Rio Doce que, escapando do fisco de seu país, instalou, em 2007, sua sede mundial em Saint-Prex, no cantão suíço de Vaud, para aproveitar as prerrogativas locais.

Primeira constatação: de 5 anos até hoje, a Vale conseguiu livrar-se de toda obrigação impositiva.
Segunda constatação: A Vale deve ao Estado brasileiro cifras milionárias em conceito de impostos não pagos no Brasil.
Terceira constatação: essas novas denúncias reconfirmaram o voto da sociedade civil planetária que, em janeiro passado, concedeu a Vale o prêmio “Public Eye Award”, a pior empresa do mundo.

A Vale, segunda multinacional mineradora do mundo e primeira na exploração de ferro em âmbito planetário, ao instalar-se na Suíça, declarou um “benefício previsível” para 2006 de apenas 35 milhões de dólares, cifra que serviu de referência para taxar o montante de seus impostos.
No entanto, a posteriori, a declaração de benefício da Vale para esse mesmo ano superaria os 5 bilhões de dólares.

Não somente a Vale subestimou ante o fisco suíço o montante a ganhar, como se beneficiou das facilidades do sistema impositivo suíço para empresas –e, em particular, da clausula Bonny- que premia as grandes multinacionais que querem instalar-se nessa nação alpina.

Ao estabelecer-se na Suíça, a Vale conseguiu uma exoneração por dez anos de 80% dos impostos federais e 100% dos comunais e cantonais (provinciais ou departamentais). “Na Suíça, há cinco anos, a Vale não pagou nem um só franco de impostos”, divulgava o diário “24 Heures”, em sua edição de 28 de fevereiro, recordando que a multinacional instalou-se em 2006 como “sede europeia”. Poucos meses depois, Saint-Prex convertia-se na central mundial do grupo Vale.

No momento de albergar-se nesse país europeu, a multinacional escapava do fisco brasileiro. Durante o tempo que teve sua sede no Rio de Janeiro, entrou em uma disputa jurídica com as autoridades impositivas do país sul-americano, que lhe exigem o pagamento da chamada “Contribuição Social sobre o Lucro Líquido”. As autoridades brasileiras obtiveram várias vitórias jurídicas contra a multinacional. No entanto, ainda hoje está tem dívidas com o Estado que, segundo as distintas fontes, oscilam entre 5 bilhões e 15 bilhões de dólares.

O que a Vale faz “é pirataria fiscal”, denuncia a organização suíça “Declaração de Berna”, que, juntamente com Greenpeace, concede o prêmio “Public Eye” (olhar cidadão). Para a Vale, nada vale… [quanto às leis…]

O atual grupo Vale é a versão internacionalizada da antiga empresa pública Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 1997, no marco das reformas neoliberais impulsionadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
O preço desvalorizado de sua “venda-presente” foi, na época, de 3.5 bilhões de dólares. Um verdadeiro roubo à mão armada ao erário público brasileiro.

Para medir a dimensão desse assalto, basta comparar o valor da venda com os lucros anuais do grupo. Segundo a declaração de seus próprios diretores, somente em 2011, os benefícios líquidos oscilaram nos 23 bilhões de dólares, ou seja, quase 7 vezes o valor nominal da privatização, em 1997.
Segundo relatórios oficiais da multinacional, em 2011, distribuiu a seus acionistas em torno de 12 bilhões de dólares -9 deles em lucros e 3 em recompra de ações-; isto é, um montante total duas vezes e meia superior ao preço da privatização de 1997.

A multinacional opera hoje em 30 países, de cinco continentes. Entre eles, China, Índia, Angola, África do Sul, Austrália e Colômbia. Realiza acordos nessa estratégia de expansão mundial com gigantes financeiros como a União de bancos Suíços e o Crédito Suíço.
É a 14ª companhia no mundo no valor do mercado e a primeira empresa privada do Brasil. Além da mineração, sua presença estende-se à infraestrutura e energia, entre outros setores. É proprietária de 1.800 quilômetros de linhas de trem e de dois portos marítimos no Pecém (Estado do Ceará) e Itaqui (Estado do Maranhão), respectivamente.

Conta também com uma agressiva política de imagem/marketing que tenta apresentá-lo como um grupo empresarial patriota e paternal. Para isso, a empresa emprega somas milionárias em publicidade. Somente em 2008, sua campanha publicitária para “limpar” sua imagem oscilou entre os 90 milhões de dólares.

A voz dos atingidos
Conhecida mundialmente pelos efeitos nefastos que terá para o clima e para as populações indígenas, a construção de Belo Monte, no Brasil, a Vale é acusada pela sociedade civil por suas políticas antissociais. “Usa a crise econômica mundial para pressionar aos trabalhadores em todo o mundo para reduzir seus salários; aumentar as jornadas de trabalho; renunciar ou reduzir seus direitos sociais…”, enfatizava o documento de base apresentado em abril de 2010 no “Primeiro Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale”, realizado no Rio de Janeiro.

Dita iniciativa, promovida por uma ampla aliança de quase meia centena de importantes organizações sociais e movimentos populares brasileiros –entre eles o MST, sindicatos, pastorais sociais, redes rurais e urbanas e ONGs- denunciava também as negativas consequências ambientais e humanas da presença da multinacional.

“A poluição das águas com produtos químicos; a destruição direta das reservas aquíferas; a produção de enormes volumes de resíduos de suas atividades –da ordem de 657 milhões de toneladas/ano-; a emissão do dióxido de carbono; o desvio dos rios que antes serviam a comunidades inteiras; o impacto sobre as populações indígenas e tradicionais”.

Argumentos todos –somados às manobras fiscais e à origem ilegal da privatização da Vale- que levam essas organizações e movimentos sociais a propor a anulação da privatização, respaldados por uma imensa maioria de quase 4 milhões de votantes que participaram, em 2007, no Plebiscito Popular sobre a Privatização da Vale e a dívida pública.

Origem ilegal; danos ecológicos e humanos irreversíveis; manobras de evasão fiscal no Brasil; escândalos impositivos atuais na Suíça. Uma cadeia de fatos e políticas antissociais e antiéticas sem fim. Próprio de uma Vale para quem tudo vale, menos a natureza e o ser humano.

Fonte: E-Changer, ONG suíça de cooperação solidária ativa no Brasil, por Sergio Ferrari y Beat Tuto Wehrle
Tradução: ADITAL, agencia ecumenica de Fortaleza, CE, 03.03.12

Quem controla a Vale do Rio Doce?

Adriano Benayon*
Anular a “privatização” de estatais como a Vale do Rio Doce (CVRD) não é apenas indispensável à segurança nacional. Exige-o a honra do País, pois estão cientes da vergonha que é essa alienação todos que a examinaram sem vendas nos olhos postas por egoísmo, ignorância ou submissão ideológica.A negociata causou lesões impressionantes ao patrimônio nacional e ao Direito. Mas políticos repetem desculpas desinformadas ou desonestas deste tipo: 1) houve leilão, e o maior lance ganhou; 2) o contrato tem de ser respeitado; 3) o questionamento afasta investimentos estrangeiros.

Na “ordem” financeira mundial há hierarquia, e o leilão foi de cartas marcadas. Levaria a CVRD quem “atraísse” os fundos de pensão das estatais, através do Executivo federal e da corrupção. José Pio Borges foi do BNDES para o Nations Bank e depois Bank of America, que chegou a ter 20% da Valepar.

Conforme aponta Magno Mello, um dos escândalos marcantes da história da PREVI foi o investimento na privatização Vale Rio Doce, “quando a PREVI era gerida por uma diretoria meio petista e meio tucana1.”

Os fundos de pensão (39,3%) e o Investvale dos funcionários da CRVD (4,5%) entraram com 44% na Valepar, a controladora da CVRD comandada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que Steinbruch “ganhara” de FHC, sendo empregador do filho deste. A CSN pôs 25%: 10% vindos do exterior2 e 15% emprestados pelo Bradesco.

Do consórcio fizeram parte, além da CSN: Opportunity (Citibank) com 17%; Nations Bank, então 4º maior banco dos EUA, com 9%. Outro consórcio (Votorantim e Anglo-American) desistiu.

Não foram pagos pelo controle da VALE sequer os R$ 3,338 bilhões do lance ganhador: a) a União aceitou, pelo valor de face, títulos comprados no mercado por menos de 10% desse valor; b) o lance mínimo era R$ 2,765 bilhões, e o ágio de 20% (R$ 573 milhões), compensável por créditos fiscais; c) o BNDES financiou parte da operação com juros preferenciais e adquiriu 2,1% do capital votante.

A União mantinha 34,3% do capital da CVRD, mas o objetivo era alienar o controle de qualquer jeito. Em 2001, por ordem de FHC, o Tesouro torrou, na bolsa de Nova York, 31,17% de suas ações ordinárias com direito a voto e a eleger dois membros do conselho de administração.

O patrimônio arrebatado ao País vale 3 trilhões de reais (1.000 vezes a quantia do leilão) ou grandes múltiplos disso, considerando as reservas de metais preciosos e estratégicos, muitos deles exploráveis por mais de 400 anos, pois é impossível projetar o preço dessas riquezas sequer para um mês. Que dizer de 5.000 meses?

Os recursos reais tendem a valorizar-se, como mostram: 1) sua crescente escassez relativa e a alta de preços nos últimos anos; 2) a hiperinflação de ativos financeiros em dólares e euros, a qual está detonando o colapso das moedas. Enquanto os recursos reais são finitos e essenciais à vida, as moedas são inflacionadas sem limites, por meio eletrônico, ao sabor do abuso de poder de concentradores financeiros e bancos centrais.

Diz Comparato: “Ao abandonar em 1997 o controle da Companhia Vale do Rio Doce ao capital privado por um preço quase 30 vezes abaixo do valor patrimonial da empresa e sem apresentar nenhuma justificativa de interesse público, o governo federal cometeu uma grossa ilegalidade e um clamoroso desmando político3.

A relação de “quase 30 vezes”, reflete o patrimônio, em 2005, na contabilidade da empresa, mas não, a realidade econômica, que aponta para 10.000 vezes ou mais.

Ainda, Comparato: “Em direito privado, são anuláveis por lesão os contratos em que uma das partes, sob premente necessidade ou por inexperiência, obriga-se a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta(Código Civil, art. 157). A hipótese pode até configurar o crime de usura real, quando essa desproporção de valores dá a um dos contratantes lucro patrimonial “que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida” (lei nº 1.521, de 1951, art. 4º, b). A lei penal acrescenta que são coautores do crime “os procuradores, mandatários ou mediadores”.

A desproporcionalidade da prestação é colossal. Se não estava presente a necessidade nem a inexperiência, resulta claro que os motivos foram torpes e implicam, com mais forte razão, a anulação do negócio. Ademais, a parte lesada, o povo brasileiro, foi traída pelos mandatários, que firmaram o contrato e o tramaram, até mesmo ocultando dados no edital4.

Mais que anulável, o contrato é nulo de pleno direito. Estabelece o Código Civil, no Art. 166: “É nulo o negócio jurídico quando …III — o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito.”

O que poderia ser mais ilícito que infringir a Constituição Federal e lesar o patrimônio público, de forma deslavada? A CF, no art. 23, I, estabelece que é da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios “conservar o patrimônio público“. A lei de licitações, 8.666/1993, subordina a alienação de bens da administração pública à existência de interesse público devidamente justificado” (art. 17). Também torna o leilão inconstitucional não ter sido autorizada pelo Congresso a exploração de recursos minerais na faixa de fronteira (§ 2º do Art. 20 da CF). O mesmo quanto ao controle sobre áreas maiores que 2.500 hectares (inciso XVII do Art. 49 da Constituição).

Que investimentos são os que Lula teme perder? São do tipo dos que assumiram por menos de R$ 1 bilhão o controle da Vale, detentora das mais ricas reservas minerais do Mundo e que lucra R$ 15 bilhões por ano5, mesmo exportando, a preço vil, matéria-prima bruta ou com baixa agregação de valor.

Atos lesivos foram cometidos antes de 1997, como os contratos de longo prazo para exportar, a preços ínfimos, minério de ferro a siderúrgicas japonesas e outras. Assim, para desfazer as privatizações fraudulentas é necessário afastar a concentração financeira, sem o que não se desprivatiza o próprio Estado.

É tarefa intrincada identificar a origem do capital controlador da CV RD. “A empresa que aportou capital nessa privatização foi a CSN Corp., filial da CSN no Panamá, montada com capital do Nations Bank. A CSN Corp. entrou na história como laranja do Nations Bank”, afirma Magno Mello. Segundo ele, outra parcela do grupo privado foi formada pelo fundo de pensão Opportunity, sediado nas ilhas Cayman, que faliu. Outra foi constituída pelo fundo Sweet River (40% de capital do Nations Bank). Outros 40% vieram do mega-investidor George Soros. ‘Esse era o capital nacional que Aloizio Mercadante estava defendendo’. “6

O Bradesco estava impedido, pela lei de licitações, de participar do consórcio por ser um dos avaliadores, mas financiou R$ 500 milhões para a CSN, além de possuir 17,9% do capital dessa ex-estatal . À época já era estreita a relação da transnacional japonesa Mitsui com o Bradesco7.

Hoje a Bradespar, sua subsidiária, figura como controladora da Valepar, com 17,4%, através da Elétron, que adquiriu. Uma subsidiária da Mitsui nos EUA seria o principal acionista estrangeiro, com 15%. Os fundos de pensão (LITEL e LITELA Particiações) têm quase 60% das ações da Valepar, mas, incrivelmente, não a dirigem.

À Valepar pertencem 53,3% das ações ordinárias, com direito a voto, da CVRD, e 32,5% do capital total. Deste 43,2% é de investidores estrangeiros, e apenas18,9% de brasileiros. A BN DES-Participações tem 4,2 %, pois o BNDES comprou da Investvale, em novembro de 2003, por R$ 1,5 bilhão, 8,5% das ações da Valepar.

Em 2003 houve o descruzamento das ações da CSN e do Bradesco, mas permaneceu a ilegal presença deste na Valepar. Ele foi financiado pelo BNDES em R$ 859 milhões (US$ 243 milhões), com que criou a Bradespar e comprou parte das ações do Sweet River da mineradora anglo-australiana BHP Billinton, sócia da CVRD na Valesul (alumínio). A PREVI adquiriu a outra parte por US$ 297 milhões.

Ademais de não se saber a quem mais, afora a Mitsui, o Bradesco está associado,28,6 % das ações ordinárias da CVRD são de estrangeiros, e 39,1% não têm donos identificados (ADRs — American depositary receipts na Bolsa de Nova York e na BOVESPA). Das ações preferenciais 60,8 % são de estrangeiros.


benayon@terra.com.br. Doutor em Economia. Autor de Globalização versus Desenvolvimento. Editora Escrituras: www.escrituras.com.br
 
1. Mello, Magno: A Face Oculta da Reforma da Previdência, Brasília 2003.
 
2. A CSN, da têxtil Vicunha, não tinha crédito próprio. Agiu como laranja.
 
3. Comparato, Fábio Konder: Um atentado contra o patrimônio nacional, artigo publicado na Folha de São Paulo, em 02.09.2007.
 
4. Entre outras, houve a omissão de 9,7 bilhões de toneladas de minério de ferro, diferença entre o reportado pela CVRD à Securities Exchange Commission (EUA) e o constante do edital da privatização. Há processo penal contra FHC e outros réus.
 
5. De 1998 ao 1º semestre de 2007 os lucros da VALE somaram R$ 50,5 bi.
 
6. Mello, Magno, op.cit.
 
7. Além de ter obtido informações privilegiadas, o BRADESCO, às vésperas do leilão, financiou debêntures de empresas que controlavam a Elétron (VALEtron e a Belapart, ligadas ao Opportunity e ao Sweet River).
 
http://www.anovademocracia.com.br/no-38/90-quem-controla-a-vale-do-rio-doce

No ano passado, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o menor número registrado desde 1995. Em contrapartida, os gastos do órgão cresceram 10% em relação a 2010.

Em entrevista a CartaCapital, o presidente do instituto, Celso Lacerda, atribui ao modelo de reforma agrária utilizado por governos anteriores.

Para 2012, Lacerda assegura que haverá crescimento no número de assentamentos, mas podera: a meta do Incra é criar cerca de 35 mil assentamentos por ano – quantia bem inferior às médias registradas nos governos Lula e FHC. “O foco da reforma agrária mudou. Reforma agrária não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também”, explica Lacerda, defendendo um maior gasto com a infraestrutura básica dos assentamentos.

Meta de assentamentos será menor, admite o Incra

Incra investirá na infraestrutura básica dos assentamentos para garantir condições de sobrevivência às famílias assentadas.

Foto: Elza Fiuza/ABr

No ano passado, pouco mais de 22 mil famílias foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o menor número registrado desde 1995. Em contrapartida, os gastos do órgão cresceram 10% em relação a 2010.

Em entrevista a CartaCapital, o presidente do instituto, Celso Lacerda, atribui ao modelo de reforma agrária utilizado por governos anteriores e às mudanças ocorridas primeiro ano de mandato do governo Dilma pelo resultado.

Para 2012, Lacerda assegura que haverá crescimento no número de assentamentos, mas podera: a meta do Incra é criar cerca de 35 mil assentamentos por ano – quantia bem inferior às médias registradas nos governos Lula e FHC. “O foco da reforma agrária mudou. Reforma agrária não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também”, explica Lacerda, defendendo um maior gasto com a infraestrutura básica dos assentamentos.

Confira abaixo a entrevista:

Carta Capital: O que explica o orçamento destinado à reforma agrária ter crescido e o número de assentamentos em 2011 ter diminuído?
Celso Lacerda:
Isso se deve a vários fatores. É preciso entender a complexidade da reforma agrária. Muito resumidamente, neste último período de reforma agrária, que diz respeito a 25, 30 anos, os governos avaliavam a reforma agrária como uma mera redistribuição de terras. Por isso, toda a estrutura do Incra era voltada para desapropriar terras e destinar (recursos) para a reforma agrária. Acabava aí. Foi um processo muito desqualificado até o governo Fernando Henrique Cardoso.

E é possível provar que isso não é um argumento político olhando a estrutura do Incra. Até 2005, essa estrutura era direcionada a desapropriar terra, reassentar família e fazer colonização. Só a partir de 2006 foi criada uma área de desenvolvimento de projetos de assentamentos no Incra.

Um dos motivos que levou ao baixo número de famílias assentadas foi o primeiro ano de governo. Quando comparamos as famílias assentadas desde o governo FHC, o número de famílias assentadas tem um pico de baixa nesse primeiro ano.

Eu fui nomeado presidente do Incra em março do ano passado e nós conseguimos recompor a direção do Incra em setembro. Portanto, começamos a executar o orçamento do Incra apenas no segundo semestre do ano passado. Mais da metade das áreas compradas foi em dezembro. E essas áreas ainda não viraram assentamentos em 2011, vão virar em 2012.

CC: E quantas áreas são?
CL:
Eu tenho quase certeza que pagamos mais de cem imóveis em dezembro. Com isso, o número de famílias assentadas em 2012 vai ser bem maior do que foi em 2011. Mas também te adianto que o número não chegará a 140 mil famílias assentadas, como se fez em 2007.

CC: Quantas famílias o Incra planeja assentar por ano?
CL: Estamos trabalhando, em 2012, com um número em torno de 35 mil famílias.

CC: Esse número é menor do que todos os anos de assentamentos realizados no governo Lula. É conveniente trabalhar com esse número?
CL: É muito conveniente. Porque a composição de meta não é só o assentamento de famílias em áreas novas. Quando uma família abandona um lote e deixa para outra família ocupar, essa nova família entra na contabilidade de famílias assentadas. Se você pegar a composição de meta do governo Fernando Henrique Cardoso, o grande número era de substituição de famílias em assentamentos já criados. Na época, a rotatividade era muito grande, justamente pelo (fato de o) governo não oferecer condições de sobrevivência para as famílias.

No momento em que se qualifica o processo de reforma agrária, a rotatividade diminui e, consequentemente, o número de famílias que substituem outras em assentamentos antigos cai também. E a composição da meta aumenta em áreas novas.

O presidente do Incra, Celso Lacerda. Foto: ValterCampanato/ABr

CC: José Batista de Oliveira, da coordenação nacional do MST, disse recentemente que boa parte dos assentamentos contabilizados no ano passado era, na verdade, lotes já ocupados e não regularizados…
CL:
Não, desses 22 mil assentamentos, nós trabalhamos com mais de cinco mil famílias em áreas desapropriadas ou compradas de forma onerosas. E mais um tanto em novos assentamentos feitos em terras públicas.

O MST divulgou uma nota (falando) do número de famílias assentadas que diz respeito às famílias do MST, mas hoje existe uma enormidade de movimentos beneficiários da reforma agrária.

O número de famílias em assentamentos já existentes sempre entrou nos dados do governo. Não estamos maquiando nada.

CC: Muitos falam da “favelização” dos assentamentos. O governo errou durante os anos em que priorizou o número de assentamentos em vez de investir em estrutura?
CL: São prioridades que estão no mesmo patamar. Você não pode criar assentamentos sem pensar no desenvolvimento deles.

Quando se fala em reforma agrária, não é só redistribuição de terra, é desenvolvimento, geração de renda e produção também.

Até 2002, só se redistribuía terra. Inclusive, há quem diga, embora eu não possa fazer essa afirmação, que essa política foi proposital para criar no imaginário da sociedade brasileira a imagem de uma política fracassada.

Por exemplo, nos oito anos do governo Lula foram construídas e reformadas mais de 400 mil casas nos assentamentos. Talvez, esse tenha sido o maior programa de habitação rural da história do País.

Se compararmos o orçamento do Incra de 2012 com o de 2004, hoje ele é muito maior. Mas hoje a prioridade não é somente o assentamento de famílias.

CC: É possível dizer que houve mudança de foco na política de reforma agrária?
CL: Sem dúvida. Mas essas políticas levam tempo para amadurecer. Durante o governo Lula, a grande preocupação era com o emergencial. Nenhum assentado vai pensar na forma como vai produzir se ele não tem estrada e casa para morar. Não tinha nem como escoar a produção.

A preocupação, nesses anos, foi muito grande com a construção da infraestrutura básica, principalmente estrada, água, casa e energia elétrica. Agora, já estamos numa fase de nos preocuparmos com a produção, embora ainda tenhamos uma demanda de assentar as famílias em acampamentos.

CC: Como o corte de 34% no orçamento do Incra prejudica os planos do órgão?
CL: O governo faz contingenciamento desde o governo Lula. É algo natural, não temos como fugir. O que precisamos é executar nosso orçamento e depois demandar mais. No ano passado tivemos uma suplementação orçamentária de 400 milhões de reais para a compra de terras.

CC: O Incra sabe a dimensão atual da demanda por reforma agrária?
CL: A nossa estimativa é em torno de 180 mil famílias.

CC: No ano passado, a estimativa estava em torno de 170 mil famílias. Por que esse número cresceu?
CL:
Depende muito da conjuntura regional. Ao longo destes últimos anos, o número de acampados no Brasil tem caído. E por conta da economia do País também. Muita gente saiu do meio rural e foi buscar trabalho na cidade. Então se você tiver uma crise em algum setor, esse número pode voltar a aumentar.

Temos uma conjuntura preocupante relacionada ao setor sucroalcooleiro. A tendência da mecanização da colheita da cana-de-açúcar em algumas regiões pode gerar um aumento de pessoas acampadas, por exemplo. É algo que depende da conjuntura regional e econômica.

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