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MANIFESTO DE REPÚDIO ÀS PRISÕES ILEGAIS
A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal de mandar prender os réus da Ação Penal 470 no dia da proclamação da República expõe claro açodamento e ilegalidade. Sem qualquer razão meramente defensável, organizou-se um desfile aéreo, custeado com dinheiro público e com forte apelo midiático, para levar todos os réus a Brasília. Não faz sentido transferir para o regime fechado, no presídio da Papuda, réus que deveriam iniciar o cumprimento das penas já no semiaberto em seus estados de origem. Só o desejo pelo espetáculo justifica.

 

Tal medida, tomada monocraticamente pelo ministro relator Joaquim Barbosa, nos causa profunda preocupação e constitui mais um lamentável capítulo de exceção em um julgamento marcado por sérias violações de garantias constitucionais.

 

A imprecisão e a fragilidade jurídica dos mandados expedidos em pleno feriado da República, sem definição do regime prisional a que cada réu teria direito, não condizem com a envergadura da Suprema Corte brasileira.

 

A pressa de Joaquim Barbosa levou ainda a um inaceitável descompasso de informação entre a Vara de Execução Penal do Distrito Federal e a Polícia Federal, responsável pelo cumprimento dos mandados.

 

O presidente do STF fez os pedidos de prisão, mas só expediu as cartas de sentença, que deveriam orientar o juiz responsável pelo cumprimento das penas, 48 horas depois que todos estavam presos. Um flagrante desrespeito à Lei de Execuções Penais que lança dúvidas sobre o preparo ou a boa fé de Joaquim Barbosa na condução do processo.

 

Um erro inadmissível que compromete a imagem e reputação do Supremo Tribunal Federal e já provoca reações da sociedade e meio jurídico. O STF precisa reagir para não se tornar refém de seu presidente.

 

A verdade inegável é que todos foram presos em regime fechado antes do “trânsito em julgado” para todos os crimes a que respondem perante o tribunal. Mesmo os réus que deveriam cumprir pena em regime semiaberto foram encarcerados, com plena restrição de liberdade, sem que o STF justifique a incoerência entre a decisão de fatiar o cumprimento das penas e a situação em que os réus hoje se encontram.

 

Mais que uma violação de garantia, o caso do ex-presidente do PT José Genoino é dramático diante de seu grave estado de saúde. Traduz quanto o apelo por uma solução midiática pode se sobrepor ao bom senso da Justiça e ao respeito à integridade humana.

 

Tais desdobramentos maculam qualquer propósito de fazer da execução penal do julgamento do mensalão o exemplo maior do combate à corrupção. Tornam também temerária a decisão majoritária dos ministros da Corte de fatiar o cumprimento das penas, mandando prender agora mesmo aqueles réus que ainda têm direito a embargos infringentes.

 

Querem encerrar a AP 470 a todo custo, sacrificando o devido processo legal. O julgamento que começou negando aos réus o direito ao duplo grau de jurisdição conheceu neste feriado da República mais um capítulo sombrio.

 

Sugerimos aos ministros da Suprema Corte, que na semana passada permitiram o fatiamento das prisões, que atentem para a gravidade dos fatos dos últimos dias. Não escrevemos em nome dos réus, mas de uma significativa parcela da sociedade que está perplexa com a exploração midiática das prisões e temem não só pelo destino dos réus, mas também pelo futuro do Estado Democrático de Direito no Brasil.

 

19 de Novembro de 2013

Juristas e advogados

– Celso Bandeira de Mello – jurista, professor emérito da PUC-SP
– Dalmo de Abreu Dallari – jurista, professor emérito do USP
– Pedro Serrano – advogado, membro da comissão de estudos constitucionais do CFOAB
– Pierpaolo Bottini – advogado
– Marco Aurélio de Carvalho – jurista, professor universitário e secretário do setorial jurídico do PT.

 

– Antonio Fabrício – presidente da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas e Diretor Financeiro da OAB/MG
– Bruno Bugareli – advogado e presidente da comissão de estudos constitucionais da OAB-MG
– Felipe Olegário – advogado e professor universitário
– Gabriela Araújo – advogada
– Gabriel Ciríaco Lira – advogado
– Gabriel Ivo – advogado, professor universitário e procurador do Estado.
– Jarbas Vasconcelos – presidente da OAB/PA
– Luiz Guilherme Conci – jurista, professor universitário e presidente coordenação do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos do CFOAB
– Marcos Meira – advogado
– Rafael Valim – advogado e professor universitário
– Weida Zancaner- jurista e advogada

Apoio dos partidos e entidades

– Rui Falcão – presidente nacional do PT
– Renato Rabelo – presidente nacional do PCdoB
– Vagner Freitas – presidente nacional da CUT
– Adílson Araújo – presidente nacional da CTB
– João Pedro Stédile – membro da direção nacional do MST
– Ricardo Gebrim – membro da Consulta Popular
– Wellington Dias – senador, líder do PT no Senado e membro do Diretório Nacional – PT/PI
– José Guimarães – deputado federal, líder do PT na Câmara e secretário nacional do PT
– Alberto Cantalice – vice-presidente nacional do PT
– Humberto Costa – senador e vice-presidente nacional do PT
– Maria de Fátima Bezerra – vice-presidente nacional do PT, deputada federal PT/RN
– Emídio de Souza – ex-prefeito de Osasco e presidente eleito do PT/SP
– Carlos Henrique Árabe – secretário nacional de formação do PT
– Florisvaldo Raimundo de Souza – secretário nacional de organização do PT
– Francisco Rocha – Rochinha – dirigente nacional do PT
– Jefferson Lima – secretário nacional da juventude do PT
– João Vaccari Neto – secretário nacional de finanças do PT
– Laisy Moriére – secretária nacional de mulheres PT
– Paulo Frateschi – secretário nacional de comunicação do PT
– Renato Simões – secretário de movimentos populares do PT

– Adriano Diogo – deputado estadual PT/SP e presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALESP
– Alfredo Alves Cavalcante – Alfredinho – vereador de São Paulo – PT/SP
– André Tokarski – presidente nacional da UJS
– Arlete Sampaio – comissão executiva nacional do PT e deputada distrital do DF
– Alexandre Luís César – deputado estadual/MT e membro do diretório nacional do PT/MT
– Antonio Rangel dos Santos – membro do diretório nacional PT/RJ
– Artur Henrique – ex-presidente da CUT e diretor da Fundação Perseu Abramo – PT
– Benedita da Silva – comissão executiva nacional e deputada federal PT/RJ
– Bruno Elias – PT/SP
– Carlos Magno Ribeiro – membro do diretório nacional do PT/MG
– Carlos Veras –presidente da CUT/PE
– Carmen da Silva Ferreira – liderança do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro)/FLM (Frente de Luta por Moradia)
– Catia Cristina Silva – secretária municipal de Combate ao Racismo – PT/SP
– Dirceu Dresch – deputado estadual/SC
– Doralice Nascimento de Souza – vice-governadora do Amapá
– Edson Santos – deputado federal – PT/RJ
– Elói Pietá – membro do diretório nacional – PT/SP
– Enildo Arantes – vice-prefeito de Olinda/PE
– Erik Bouzan – presidente municipal de Juventude – PT/SP
– Estela Almagro – membro do diretório nacional PT/SP e vice-prefeita de Bauru
– Fátima Nunes – membro do diretório nacional – PT/BA
– Fernanda Carisio – executiva do PT/RJ
– Frederico Haddad – estudante de Direito/USP e membro do Coletivo Graúna
– Geraldo Magela – membro do diretório nacional – PT/DF
– Geraldo Vitor de Abreu – membro do diretório nacional – PT
– Gleber Naime – membro do diretório nacional – PT/MG
– Gustavo Tatto – presidente eleito do Diretório Zonal do PT da Capela do Socorro
– Humberto de Jesus – secretário de assistência social, cidadania e direitos humanos de Olinda/PE
– Ilário Marques – PT/CE
– Iole Ilíada – membro do diretório nacional – PT/SP
– Irene dos Santos – PT/SP
– Joaquim Cartaxo – membro do diretório nacional – PT/CE e vice-presidente do PT no Ceará
– João Batista – presidente do PT/PA
– Joao Guilherme Vargas Netto – consultor sindical
– João Paulo Lima – ex-prefeito de Recife e deputado federal PT/PE
– Joel Banha Picanço – deputado estadual/AP
– Jonas Paulo – presidente do PT/BA
– José Reudson de Souza – membro do diretório nacional do PT/CE
– Juçara Dutra Vieira – membro do diretório nacional – PT
– Juliana Cardoso – presidente municipal do PT/SP
– Juliana Borges da Silva – secretária municipal de Mulheres PT/SP e membro do Coletivo Graúna
– Laio Correia Morais – estudante de Direito/PUC-SP e membro do Coletivo Graúna
– Lenildo Morais – vice-prefeito de Patos/PB
– Luci Choinacki – deputada federal PT/SC
– Luciana Mandelli – membro da Fundação Perseu Abramo – PT/BA
– Luís César Bueno – deputado estadual/GO e presidente do PT de Goiânia
– Marcelo Santa Cruz – vereador de Olinda/PE
– Luizianne Lins – ex-prefeita de Fortaleza e membro do diretório nacional do PT/CE
– Márcio Jardim – membro da comissão executiva estadual do PT/MA
– Márcio Pochmann – presidente da Fundação Perseu Abramo
– Margarida Salomão – deputada federal – PT/MG
– Maria Aparecida de Jesus – membro da comissão executiva nacional – PT/MG
– Maria do Carmo Lara Perpétuo – comissão executiva nacional do PT
– Maria Rocha – vice-presidenta do diretório municipal PT/SP
– Marinete Merss – membro do diretório nacional – PT/SC
– Markus Sokol – membro do diretório nacional do PT/SP
– Marquinho Oliveira – membro do diretório nacional PT/PA
– Mirian Lúcia Hoffmann – PT/SC
– Misa Boito – membro do diretório estadual – PT/SP
– Nabil Bonduki – vereador de São Paulo/SP – PT/SP
– Neyde Aparecida da Silva – membro do diretório nacional do PT/GO
– Oswaldo Dias – ex-prefeito de Mauá e membro do diretório nacional – PT/SP
– Pedro Eugenio – deputado federal PT/PE
– Rachel Marques – deputada estadual/CE
– Raimundo Luís de Sousa – PT/SP
– Raul Pont – membro do diretório nacional PT/RS e deputado estadual/RS
– Rogério Cruz – secretário estadual de Juventude – PT/SP
– Romênio Pereira – membro do diretório nacional – PT/MG
– Rosana Ramos – PT/SP
– Selma Rocha – diretora da Escola Nacional de Formação do PT
– Silbene Santana de Oliveira – PT/MT
– Sônia Braga – comissão executiva nacional do PT, ex-presidente do PT no Ceará
– Tiago Soares – PT/SP
– Valter Pomar – membro do Diretório Nacional do PT/SP
– Vilson Oliveira – membro do diretório nacional – PT/SP
– Virgílio Guimarães – membro do diretório nacional – PT/MG
– Vivian Farias – secretária de comunicação PT/PE
– Willian César Sampaio – presidente estadual do PT/MT
– Zeca Dirceu – deputado federal PT/PR
– Zezéu Ribeiro – deputado estadual do PT/BA

Apoios da sociedade civil

– Rioco Kayano
– Miruna Genoino
– Ronan Genoino
– Mariana Genoino
– Altamiro Borges – jornalista
– Andrea do Rocio Caldas – diretora do setor de educação/UFPR
– Emir Sader – sociólogo e professor universitário/UERJ
– Eric Nepomuceno – escritor
– Fernando Morais – escritor
– Fernando Nogueira da Costa – economista e professor universitário
– Galeno Amorim – escritor e gestor cultural
– Glauber Piva – sociólogo e ex-diretor da Ancine
– Gegê – vice-presidente nacional da CMP (Central de Movimentos Populares)
– Giuseppe Cocco – professor universitário/UFRJ
– Henrique Cairus – professor universitário/UFRJ
– Ivana Bentes – professora universitária/UFRJ
– Izaías Almada – filósofo
– João Sicsú – economista e professor universitário/UFRJ
– José do Nascimento Júnior – antropólogo e gestor cultural
– Laurindo Lalo Leal Filho – jornalista e professor universitário
– Luiz Carlos Barreto – cineasta
– Lucy Barreto – produtora cultural
– Maria Victória de Mesquita Benevides – socióloga e professora universitária/USP
– Marilena Chauí – filósofa e professora universitária/USP
– Tatiana Ribeiro – professora universitária/UFRJ
– Venício de Lima – jornalista e professor universitário/UNB
– Xico Chaves – artista plástico
– Wanderley Guilherme dos Santos – professor titular de teoria política (aposentado da UFRJ)
– Conceição Oliveira (educadora, blog Maria Frô)

 

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Pelo contexto brasileiro, o que aconteceu foi surpreendente, mas do ponto de vista do cenário mundial, ao qual não há nenhum abuso em recorrer para estabelecer alguns parâmetros e referências, torna-se um pouco menos surpreendente” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Marco Aurélio Weissheimer

“Um dos paradoxos da situação provocada pelos protestos de rua que sacudiram o Brasil nas últimas semanas é a impressão, estimulada por alguns setores bem identificados, de que o país estaria acabando quando, na verdade, está começando um novo ciclo, em um novo patamar. É claro que há problemas relativamente agudos na educação, na saúde e na segurança, mas não podemos fazer de conta de que não existiram os grandes avanços que o país teve nos últimos anos. Estou convencido de que esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura”. A avaliação é de Flavio Koutzii, dirigente histórico do PT gaúcho e nacional, que, ao mesmo tempo em que reconhece a legitimidade das manifestações e vê nelas uma expressão de mudança qualitativa na política brasileira, adverte para o risco de uma regressão no país que provoque o desmonte das políticas construídas nos últimos dez anos.

Em entrevista ao Sul21, Koutzii analisa os significados políticos das manifestações, procura situá-las num contexto histórico mais amplo e reconhece responsabilidades do PT e do governo federal nesse quadro de crise da representação política e partidária. Entre as responsabilidades do governo, o ex-chefe da Casa Civil do governo Olívio Dutra assinala uma escolha que, para ele, resultou num desastre: a incapacidade de disputar suas próprias políticas e símbolos no espaço dominante da comunicação:

Houve uma omissão a respeito. Não se trata de uma falha, mas de uma escolha, uma escolha de não enfrentar os monopólios da mídia. Isso tem a ver com o fato de que o tom, a ênfase e o próprio código valorativo do que efetivamente se fez tiveram uma grande diminuição de potência, porque nem o governo transformou isso em bandeiras. O governo anunciou o que fez, é verdade. Mas isso está no meio de todos os demais anúncios. O governo raramente disputou isso como a vitória de uma política, o que no Brasil é considerado um pecado e daria umas cem edições da Folha de São Paulo e umas cinco mil edições da Veja”.

Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Há um pensamento desagregador muito comum hoje entre os cronistas da mídia e editorialistas ao abordar a realidade política, econômica e social brasileira | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21: As mobilizações e protestos de rua que sacudiram o país nas últimas semanas constituíram um fenômeno completamente inesperado. Qual a sua caracterização geral sobre as mesmas, se é que já é possível fazer tal caracterização?

Flavio Koutzii: Essas mobilizações, de fato, foram inesperadas e tiveram como elemento deflagrador reivindicações em várias cidades relacionadas ao preço das tarifas de ônibus. Rapidamente, se agregou a este cenário um nível importante de repressão policial que deu mais combustão a essa energia inicial. Pelo contexto brasileiro, o que aconteceu foi surpreendente, mas do ponto de vista do cenário mundial, ao qual não há nenhum abuso em recorrer para estabelecer alguns parâmetros e referências, torna-se um pouco menos surpreendente. Se olhamos para a Primavera Árabe, as manifestações nos países europeus completamente avassalados pela política de destruição dos direitos mínimos de cidadania, de trabalho e de garantias sociais, temos a percepção inicial, e talvez até mais do que isso, do poder imenso das chamadas redes sociais. Não era exatamente uma novidade tecnológica, mas houve certa desatenção para o fato de que se tratava de uma novidade social de grande potência.

Merece destaque, no caso brasileiro, a sintonia e a sincronia com que os processos se deram rapidamente nas principais cidades do país de forma multitudinária e quase instantânea. É um fenômeno mais ou menos análogo, considerando as respectivas diferenças de contexto, ao que vinha acontecendo em outros países, para derrubar ditaduras ou para denunciar o caráter destrutivo da hegemonia neoliberal no terreno da economia e da aniquilação de direitos sociais. Ainda no caso brasileiro, se considerarmos a visão dos “secadores” do desenvolvimento econômico do país, para tomar uma expressão futebolística, temos a impressão de que esse é o pior Brasil que já tivemos. Eu estou absolutamente convencido de que esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura. Há um pensamento desagregador muito comum hoje entre os cronistas da mídia e editorialistas ao abordar a realidade política, econômica e social brasileira. Esse pensamento teve uma pequena repercussão, mas teve, nas pautas levadas adiante nas manifestações para tentar criar a impressão que esse é o pior Brasil da história. Um dos símbolos desse tipo de pensamento foi a famosa capa da Veja com o tomate, que foi uma grande tergiversação.

Sul21: Se esse é o melhor Brasil que nós temos depois da ditadura, e há fartos indicadores para apoiar essa afirmação, como entender esses protestos de rua?

FK: Afirmar isso não retira, é claro, a legitimidade das manifestações. Um dos paradoxos da situação atual é essa impressão, estimulada por alguns, de que o país estaria acabando quando, na verdade, está começando um novo ciclo, em um novo patamar. É claro que há problemas relativamente agudos na educação, na saúde e na segurança, mas não podemos fazer de conta de que não existiram os grandes avanços que o país teve nos últimos anos. Mas não resta dúvida de que essas manifestações representam uma ruptura qualitativa em relação a qualquer outro processo que o Brasil já viveu. Isso é o mínimo que se pode dizer. Eu venho de uma geração que atravessou as primeiras lutas que ainda foram possíveis de fazer, de forma direta e massiva, depois do golpe de 64 e da instauração da ditadura. O ápice da luta neste período inicial pós-golpe foi a passeata dos 100 mil, em 1968, no Rio de Janeiro. Foi uma coisa extraordinária, mas durante o período de acumulação para chegar até essa passeata, atividades com 100 pessoas, em sua maioria compostas por jovens também, eram consideradas um grande sucesso.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Houve um movimento da direita para tentar capturar o movimento, uma vez que, dada a sua constituição, ele é impulsionado não só pela pluralidade de eixos” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Estou falando de 50 anos atrás, mas isso ajuda a perceber, até pela experiência vivida, que o gigantismo do processo atual (com manifestações simultâneas que chegaram a reunir 800 mil, um milhão de pessoas em todo o Brasil) é um fato muito relevante. Não menos relevante é o perfil majoritariamente jovem dessas manifestações. Além disso, colocou-se um tema sobre o qual creio que a esquerda, e mesmo o governo nacional, tem que se interrogar fortemente: uma situação dessa dimensão não cai do céu, ela não pode simplesmente ser impulsionada pelas redes, senão a tecnologia é tudo e a política é nada. Não há, obviamente, no início desse processo nenhuma motivação conspiratória, o que não quer dizer que no decorrer do mesmo, em virtude de sua dimensão, não tenha se colocado uma nova situação política, uma grande mexida no tabuleiro político do país, fazendo com que outras forças começassem a se mover.

Sul21: Que forças começaram a se mover e em que direção?

FK: Houve um movimento da direita para tentar capturar o movimento, uma vez que, dada a sua constituição, ele é impulsionado não só pela pluralidade de eixos, mas também por uma espontaneidade inicial de quem participa dele. Mas não existe propriamente uma geração espontânea do movimento e não se pode confundir potencialidade tecnológica com motivos que têm como base expectativas sociais não efetivadas. Volta aí o tema do paradoxo que citei anteriormente e que aparece nos debates hoje nas redes e fora delas. Se eu, reconhecendo todas as dificuldades e limites, afirmo os valores parciais do processo dos últimos dez anos, com Lula e Dilma, logo vem alguém dizer: “Ah, você está dizendo então que está tudo uma maravilha, que está tudo bem na saúde e na educação, que a segurança é perfeita…”. É um clichê lamentável, empobrecido e simplificador, muito a gosto do maniqueísmo.

Esta forma de discutir, que vem se tornando comum em setores médios da população, está sempre nos trilhos do maniqueísmo. Qualquer afirmação positiva é confrontada com tudo o que ainda falta por fazer. E não é levado em conta o caráter concreto e positivo de tudo o que já foi feito. Não se leva em conta, por exemplo, que o modo pelo qual a política e a economia foram administradas nos últimos anos colocou cerca de 30 milhões nisso que vem sendo chamado, certo ou errado, de nova classe média. Será que a aposta feita antes da crise mundial de 2008 de ampliar o mercado interno não foi um elemento que nos permitiu enfrentar a ressaca mundial decorrente da crise do universo financeiro que comanda cada vez mais perversamente a economia e controla muitas sociedades? Arrancar 15 milhões de pessoas da mais extrema pobreza é algo sem significado, de menor importância? Cinco milhões de pessoas beneficiadas pelo Luz para Todos é um detalhe secundário?

Poderia seguir dando outros tantos exemplos. A política internacional, que deu autonomia e capacidade de potencializar a posição do Brasil no cenário mundial não tem nenhuma importância. O fato é que há uma lista de muitas realizações que é substantiva. Poderia citar ainda o Bolsa Família, a política de quotas…Há uma discussão político-ideológica em torno dessas políticas. Elas existem, incidem sobre a sociedade e tem um alcance extraordinário, como é o caso do Bolsa Família. Tem o pré-sal, a Petrobras, que está sempre na linha de tiro da direita. Esse é o Brasil. Tem tudo o que falta, é verdade, senão as pessoas não estariam falando nisso, mas o que falta no que falam é o reconhecimento do que já foi feito, não como um paraíso, mas como avanços concretos e substantivos.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Quer dizer que todo mundo pode tentar defender e usar a linguagem dos meios de comunicação atuais para o que quiser, menos o governo?” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Sul21: Todos esses avanços e resultados parecem ter desaparecido do debate político atual. Como isso pode ocorrer, na sua avaliação?

FK: É como se não tivessem acontecido e como se, juntos, não articulassem um olhar global mais auspicioso sobre a realidade do país. O que isso tem a ver com as manifestações? Tem a ver com um dos elementos da política do governo federal nestes anos, um elemento que é uma escolha e é um desastre: a incapacidade de disputar suas próprias políticas e símbolos no espaço dominante da comunicação. A realidade é que hoje o governo e todo o campo progressista e de esquerda não tem instrumentos para enfrentar esse problema. Pior ainda: houve uma omissão a respeito. Não se trata de uma falha, mas de uma escolha, uma escolha de não enfrentar os monopólios e corporações da mídia. Se juntarmos esses fios, podemos ver que isso tem a ver com o fato de que o tom, a ênfase e o próprio código valorativo do que efetivamente se fez teve uma grande diminuição de potência, porque nem o governo transformou isso em bandeiras. O governo anunciou o que fez, é verdade. Mas isso está no meio de todos os demais anúncios.

O governo raramente disputou isso como a vitória de uma política. Consequentemente, não politizou a própria política que usou, o que é considerado um pecado no Brasil. É claro que isso daria umas cem edições da Folha de São Paulo e umas cinco mil edições da Veja, como se fosse uma grande imoralidade administrativa. Quer dizer que todo mundo pode tentar defender e usar a linguagem dos meios de comunicação atuais para o que quiser, menos o governo? Então, o governo tem uma grande dose de responsabilidade aí. Ocorre essa explosão crítica, nutrida em parte por problemas reais, e, por outro lado, não tem nada, por parte de uma política governamental, que fez coisas tão boas e tão importantes, na defesa política do que fez e na disputa de ideias na sociedade. Essas realizações foram decisivas para a reeleição de Lula e para a eleição da Dilma, porque incidiram na vida real das pessoas. Isso é fantástico. O que é inaceitável é não fazer a batalha política em torno dessas coisas alcançadas. Assim, a direita fica falando sozinha. Esse é um dos temas que considero muito importante para fazer um diagnóstico mais amplo e contextualizado do que está acontecendo. Se tivesse ocorrido uma disputa sobre o que realmente foi feito, seria possível tensionar democraticamente o próprio processo de mobilizações e protestos.

Dois ou três dias depois que as coisas começam a acontecer já é possível perceber uma leve derrapagem de partes do movimento que começam a apontar diretamente para o governo federal. Neste momento entram em ação, na mídia e nas redes sociais, usinas que começam a trabalhar, com maior ou menor sutileza, na direção da desestabilização do governo e da presidência em particular, apostando na lógica do quanto pior, melhor. Esses elementos todos fazem parte de um primeiro olhar sobre como essas coisas todas se articularam. O fator surpresa foi a aparição dos protestos com essa intensidade. O fator explicação é o que temos o dever de procurar, de refletir sem sectarismos ou esquematismos, mas distinguindo as coisas. Esse processo todo acabou se tornando uma espécie de condenação global do país, como se nada tivesse acontecido e como se não estivéssemos muito bem em várias áreas.

Sul21: E parece ter sido muito rápida essa transição de um movimento focado na questão do preço das passagens do transporte coletivo para uma espécie de condenação geral do governo, dos partidos, dos políticos em geral. Qual é a parte de responsabilidade dos partidos neste processo, em especial do PT e dos seus principais aliados? Há um razoável consenso em torno do diagnóstico que vivemos, de fato, uma crise do sistema partidário e de representação política. Qual é o peso dos partidos nessa crise?

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“tem uma espécie de racismo operando que faz com que não suportem o fato de milhões de pessoas que viviam na pobreza terem melhorado de vida” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

FK: Essa é uma questão fundamental. Temos vários elementos precedentes que foram alimentando um caldo de cultura e uma atmosfera política que potencializaram a amplitude e a dimensão do que acabou ocorrendo, e eu diria também, potencializaram a paixão e o rancor que às vezes se misturaram indistintamente nessa atmosfera. Não tenho dúvida que o estado maior das finanças, da grande mídia e de setores empresariais muito importantes nunca estiveram tão bem do ponto de vista de sua atividade empresarial capitalista. Mesmo assim, eles não suportam. Como disse o Chico Buarque certa vez, tem uma espécie de racismo operando que faz com que não suportem o fato de milhões de pessoas que viviam na pobreza terem melhorado de vida. Mesmo tendo ocorrido uma ampliação espetacular do mercado interno brasileiro, que incorporou milhões de pessoas que estavam numa situação de “pré-consumidores” – e escolho essa palavra porque diz respeito a esses setores -, o que os ajudou a não sucumbirem à crise de 2008, eles não suportam quem está no governo hoje. E isso que o que estamos fazendo são políticas de moderadas reformas dentro da sociedade capitalista.

O horizonte socialista, por mais que me doa pessoalmente reconhecê-lo pois dediquei minha vida a esse projeto, não está colocado. Tem gente que não gosta que se diga isso, mas acho que precisamos chamar as coisas pelo nome. O projeto socialista colapsou e os reformistas moderados fizeram coisas boas e interessantes para o povo brasileiro. Mas elas não têm a ver com reformas radicais ou com perspectivas revolucionárias. Essa é a situação e esses são os nomes das coisas que temos diante de nós.

Essa é a moldura do debate sobre a responsabilidade dos partidos. Nós acabamos vivenciando uma crescente relativização de certos valores. Eu me incluo nessa responsabilidade pelo período em que fui dirigente, pelo conjunto da própria trajetória do PT. Eu até aceitaria essa frase que costumam jogar na nossa cara, de que todos os partidos são iguais, com uma ressalva: são quase iguais, mas não fazem a mesma coisa. Essa questão é fundamental. O PT, por uma série de processos em que se envolveu, como o próprio tema do mensalão, foi erosionando dramaticamente a sua própria autoridade moral, que lhe deu tanta potência política e foi tão vital para seu crescimento nos primeiros vinte anos. Mas cabe uma ressalva. Nós podemos ter ficado muito parecidos com os outros, mas a nossa ideia sobre o que fazer do Brasil é diferente da ideia da direita. É por isso, também, que ela nos combate. Não é só porque ela não gosta do nosso cheiro; também não gosta das nossas ideias.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“A escolha de uma espécie de” realpolitik”, ditada pela necessidade de fazer um governo de coalizão também é um elemento inescapável neste debate” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

A nossa responsabilidade, falando como petista, ao dissolver certo núcleo ético que acompanhava a vitalidade das nossas políticas e que nos nutriu para chegarmos onde chegamos, produziu um efeito no campo da direita. Impotente, pelo esgotamento do seu projeto executado nos anos 90 durante o governo Fernando Henrique, ela desloca para o centro da política o tema da ética e da moral. E nós demos muita sopa. Com os erros e procedimentos pelos quais somos responsáveis, nem sempre exatamente como eles dizem, nós abrimos um flanco que eles usaram para introduzir um cavalo de troia no nosso campo, reduzindo a política ao tema da ética, quando a política que se faz, certa ou errada é, na verdade, o centro da política. A política é a expressão de uma disputa de poder.

A escolha de uma espécie de” realpolitik”, ditada pela necessidade de fazer um governo de coalizão também é um elemento inescapável neste debate. Escolha em relação à qual, diga-se de passagem, eu não tenho nenhuma alternativa a oferecer, a não ser em um aspecto: as coligações podem ser feitas, quando temos um peso importante ou certa hegemonia, para garantir a hegemonia de uma determinada política, política esta que deve ser explicitada. Se não explicitamos essa política e se essa hegemonia se sustenta pelo padrão clássico de troca de favores, temos aí um segundo elemento para entender a crise de autoridade.

Nós evitamos tensionar esse padrão para preservar um amplo leque de alianças. O preço disso é o aumento da despolitização. Nós não fizemos uma disputa enérgica e permanente sobre aquilo que efetivamente fizemos, que tem sentido, tem a ver com desenvolvimento, com distribuição de renda, com a melhoria da vida das pessoas. E isso também não foi feito, em parte, para não espantar aliados. Não creio que seja muito esquerdismo defender que a explicitação da índole dessas políticas poderia causar a perda de alguns aliados, mas poderíamos também entusiasmar muita gente. Creio que isso ajuda a entender a formação de um enorme buraco na política que é ocupado e disputado agora.

Sul21: Há um debate em curso sobre a disputa desses movimentos que estão nas ruas. Além disso, o anúncio feito pela presidenta Dilma Rousseff, propondo um plebiscito para encaminhar a Reforma Política, tirou o Congresso da situação de sono esplêndido na qual estava até então, trazendo-o para o centro da cena política. E parece que o Congresso, de modo geral, não reagiu bem às propostas de plebiscito e de um processo constituinte para fazer a Reforma Política. Na sua avaliação, quais são as chances de o Congresso aprovar uma reforma que dialogue com os sentimentos e opiniões que vêm das ruas?

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

“Tenho um pequeno otimismo sobre a possibilidade de saírem algumas coisas interessantes daí, como a entrada mais consistente de alguns novos protagonistas no espaço da política, mesmo que façam um discurso contra os políticos e os partidos” | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

FK: Acho muito difícil que isso ocorra, pois aí entra em ação o sistema de defesa da corporação. Mas é possível que eles deem alguns anéis para não perderem todos os dedos. Isso depende também da continuação ou não dessas manifestações massivas. Acho que o ritmo tende a diminuir, pois exige um esforço dramaticamente duro. Outras manifestações que assistimos pelo mundo, em realidades políticas distintas, se estenderam por meses até, período no qual aconteceram muitas coisas. Uma das questões importantes para este futuro próximo é acompanhar a evolução de forças interessantes que estão surgindo nessas mobilizações e que não são forças ultraminoritárias. É possível que a grandeza dessa experiência política faça com que certos segmentos que participam dele busquem certa organicidade ou certa forma de permanecer. Esse é um dos dilemas profundos de alguns movimentos em outros países, como é o caso da Espanha. Não se isso vai acontecer aqui. No caso da Espanha, a recusa de certa organicidade foi um pouco fatal. Quem acabou se elegendo foi a pior direita de todas, a mais destrutiva para o povo espanhol.

Sul21: No Egito acabou acontecendo algo parecido. No final, até agora, não houve nenhuma grande mudança na estrutura de poder e o resultado da eleição foi a vitória da Irmandade Muçulmana…

FK: Sim, é exatamente o que quero dizer. As mobilizações de rua foram ocorrendo, mas não conseguiram dar um salto qualitativo com uma nova base social potencialmente promissora. Espero que isso não se repita aqui e penso que esse tema ainda está em aberto e vai depender de outros fatores. Neste sentido eu acho que o governo Tarso está indo bastante bem, pois tentou rapidamente estabelecer canais de diálogo reais e não apenas para tentar atenuar a gravidade do conflito. Tenho um pequeno otimismo sobre a possibilidade de saírem algumas coisas interessantes daí, como a entrada mais consistente de alguns novos protagonistas no espaço da política, mesmo que façam um discurso contra os políticos e os partidos. A verdade é que eles estão fazendo política o tempo todo, e não no sentido pejorativo. Então, acho que seria precoce e mesmo errado, do ponto de vista político, abusar de caracterizações que comecem a construir distâncias maiores dos que as que existem neste momento, quando talvez seja possível diminuí-las.

Sul21: Na sua avaliação, os protestos e mobilizações de rua trouxeram algum risco de ruptura institucional para o país?

FK: Acho que essa hipótese não pode ser descartada por quem está prestando atenção nesses acontecimentos. Tudo isso começou a acontecer, cabe lembrar, a pouco mais de um ano do início da campanha para as eleições presidenciais de 2014. A dimensão dos fatos redistribuiu um pouco as peças no tabuleiro. Esse tabuleiro já mudou, o que não quer dizer que os novos posicionamentos já estejam cristalizados. Por isso não excluo a necessidade de seguir muito atento a evolução desse cenário. Uma situação dessa grandiosidade traz muitas incertezas. O certo é que em 2014 decidiremos se o país continua com as mudanças, que podem ser graduais mas apontam na direção dos interesses do seu povo, ou se teremos uma regressão com o desmonte do que foi construído nestes últimos dez anos. Isso não é uma visão paranoica nem conspirativa. É uma visão do atual tabuleiro político.

Publicado originalmente em Sul21


M. John Wojciechowski

O que Feliciano, Renan Calheiro, corrupção, e a insustentabilidade das nossas cidades tem em comum? Certamente, todos estes fenômenos e ornitorrincos políticos presentes são construtos sociais de um modelo de desenvolvimento que é fundamentado na relação promiscua e bastarda do estado-mercado. E esta relação não é um efeito do atraso! Ela é o resultado de um sistema econômico que funcionaliza a pobreza. De fato o modelo desenvolvimentista instaurado precisa da pobreza para gerar os lucros incessantes e exorbitantes, blindados contra qualquer reivindicação social e popular. O lucro é simplesmente inquestionável.

De um lado, temos um empresariado “adverso a risco”, leia-se: mamam na teta do Estado e choram quando o leite fica ralo. Um bando de reacionários e incompetentes, papagaios de narrativas fora do lugar! Do outro lado temos a colonização da política pelo mercado. A política hoje, frequentemente desqualificada, citada em termos pejorativos, um sinônimo de corrupção, desvio, malandragem, sanguessuga é, de fato, a ÚNICA forma de combater a natureza concentradora e excludente do sistema de acumulação. E neste sentido que deveríamos reivindicar a reforma política: de subjugar o mercado à política! Eis o paradoxo! Enquanto as reivindicações e narrativas da reforma política pregam menos política, menos estado, menos tudo que poderia enfrentar as forças do mercado, dever-se-ia reivindicar MAIS POLÍTICA, principalmente onde ela é mais fraca, abandona aos rumos históricos da oligarquia!

Vamos refletir meus caros. Dentro de um contexto do desenvolvimento ornitorrínquico e do capitalismo selvagem não há reforma política sem a reforma agrária. Não ha justiça na cidade sem justiça no campo! Nos urbanitas ligados no Face, precisamos superar a dicotomia falsa campo-cidade para de fato buscar soluçõ es integradas para além da selva do cimento. Hoje a política esta do jeito que está porque foi dominada pelo mercado – o mercado do latifúndio, da commodity e do consumo urbanocéntrico, descolado da sua dependência epistemológica, ancorada no rural produtivo e agrícola. É este Frankenstein espacial que nos levou ao estado da desigualdade do poder político atual.

A Reforma Política sem a Reforma Agrária é perfumaria, independentemente do referendo, plebiscito ou constituinte. O território de apoio e de multiplicação do câncer feliciano e calheiro, temeriano e sarneyriano é o latifúndio rural-urbano. Todos os retrocessos nas políticas públicas são fruto da não reforma agrária, da concentração da terra (cada vez mais perversa) e da consequente desigualdade política gerada.

A não percepção e a não superação da falsa dicotomia entre o urbano e rural culmina com as manifestações do asfalto para o asfalto. Um tiro no pé da anunciada Reforma Política!

Esta passando da hora de sair do asfalto para a estrada de terra, para a lama! De superar a concepção da cidade encapsulada pela soberba narrativa do modernismo. O caminho da renovação social passa pela reivindicação da política sobre o mercado do latifúndio, urbano e rural. Tenho certeza que a Reforma Agrária esta no epicentro da esperada Reforma Política. Não há como desconcentrar o poder sem desconcentrar a terra. Sem esta conjugação espacial e temporal, a construção democrática, participativa e emancipatória legitimará a narrativa do status quo, do discurso supérfluo e deslocado da construção social da desigualdade e miséria.

 

Cuidado com os salvadores da pátria

 

 

 

 

 

 

Saiu no JB Online artigo de Mauro Santayana:

 

O joio, o trigo e a razão

Mauro Santayana
A situação criada com as numerosas manifestações, no Brasil, nas últimas semanas, não se resolverá com a reunião realizada ontem (segunda-feira) em Brasília, da Presidente Dilma Roussef, com governadores e prefeitos de todo o país – embora o encontro seja um importante passo para atender às reivindicações dos que foram às ruas.
Seria fácil enfrentar a questão, se as pessoas que vêm bloqueando avenidas e rodovias – levantando cartazes com todo o tipo de queixas – fossem apenas multidão bem intencionada de brasileiros, lutando por um país melhor.
A Polícia Civil de Minas Gerais já descobriu que bandidos mascarados, provavelmente pagos, recrutados em outros estados, têm percorrido o país no rastro dos jogos da Copa das Confederações, provocando as forças de segurança, a fim de estabelecer o caos.
Mensagens oriundas de outros países, em inglês,  já foram identificadas na internet, como parte da estratégia que deu origem às manifestações.
É preciso separar o joio do trigo. Além do Movimento Passe Livre, com sua postulação clara e legítima, há cidadãos que ocupam as ruas, com suas famílias, para manifestar  repúdio à PEC-37, que limita o poder do Ministério Público, ou para exigir melhoria na saúde e na educação.
E há outros que pedem a cabeça dos “políticos”, como se eles não tivessem sido legitimamente eleitos pelo voto dos brasileiros. Esses pregam a queda das instituições,  atacam a polícia e depredam prédios públicos, provavelmente com o intuito de gerar material para os correspondentes e agências internacionais, e ajudar a desconstruir a imagem do país no exterior.
O aumento brusco do dólar, a queda nos investimentos  internacionais, a diminuição do fluxo de turistas em eventos que estamos sediando, como a visita do Papa, a Copa e as Olimpíadas, não prejudicará só o Governo Federal, mas também as oposições, que governam alguns dos maiores estados e cidades do país, e  dependem da economia para bem concluir os seus mandatos.
Os radicais antidemocráticos  se infiltram, às centenas, no meio das manifestações e nas redes sociais, para pregar o ódio irrestrito à atividade política, aos partidos e aos homens públicos, e a queda das instituições republicanas. Eles não fazem distinção, posto que movidos pela estupidez, pelo ódio e pela ignorância,  entre situação e oposição, entre esse ou aquele líder ou partido.
Eles apostam no caos que desejam. Querem ver o circo pegar fogo para, depois, se refestelarem com as cinzas. Não têm a menor preocupação com o futuro da Nação ou com o destino das pessoas a que incitam à violência agora. Agem como os grupos de assalto nazistas, ou os fascistas italianos, que atacavam a polícia e os partidos democráticos nas manifestações, para depois impor a ordem dos massacres, da tortura, dos campos de extermínio, dos assassinatos políticos, como o de Matteotti.
Acreditar que o que está ocorrendo hoje pode beneficiar a um ou ao outro lado do espectro político é ingenuidade. No meio do caminho, como mostra a História,  pode surgir um aventureiro qualquer. Conhecemos  outros “salvadores da pátria”  que atacavam os “políticos”, e trouxeram a corrupção, o sangue, o luto, a miséria e o retrocesso ao mundo.
O encontro de ontem entre a Chefe de Estado, membros de seu governo e os governadores dos Estados é o primeiro passo em busca de um pacto de união nacional em defesa do regime democrático, republicano e federativo. A presidente propôs consultar a população e a convocação de nova assembléia constituinte a fim de discutir, a fundo, a reforma política, que poderá, conforme as circunstâncias, alterar as estruturas do Estado, sem prejudicar a sua natureza democrática.
É, assim, um entendimento que extrapola a mera questão administrativa – de resposta às reivindicações dos cidadãos honestos que marcham pelas ruas – para atingir o cerne da questão, que é política.  Há outras formas de ação da cidadania a fim de manifestar suas idéias e obter as mudanças. A proposta popular de  emenda constitucional, como no caso da Ficha Limpa. Cem mil pessoas que participam de uma manifestação, podem levantar 500 mil assinaturas em uma semana, a fim de levar ao Congresso uma proposta legislativa.
Não é preciso brincar com fogo para melhorar o país.


Se a vontade política da presidente Dilma Rousseff e seu partido for realmente enfrentar a onda reacionária que tenta controlar as ruas, há uma lição de casa a ser feita. O PT e o governo precisam se livrar da quinta-coluna, que representa interesses alheios à esquerda e aos setores populares. A maior expressão de quinta-colunismo no primeiro escalão atende pelo nome de Paulo Bernardo e ocupa o cargo estratégico de ministro das Comunicações. Ele não é, porém, o único que flerta com o outro lado da barricada. Por Breno Altman

Breno Altman (*)

Se a vontade política da presidente Dilma Rousseff e seu partido for realmente enfrentar a onda reacionária que tenta controlar as ruas, há uma lição de casa a ser feita. O PT e o governo precisam se livrar da quinta-coluna, que representa interesses alheios à esquerda e aos setores populares.

O termo nasceu na guerra civil espanhola, nos anos trinta do século passado. Quando Francisco Franco, líder do golpe fascista contra a república, preparava-se para marchar sobre Madri com quatro colunas, o general Quepo de Llano lhe assegurou: “A quinta-coluna está esperando para saudar-nos dentro da cidade.” Referia-se às facções que, formalmente vinculadas ao campo legalista, estavam a serviço do golpismo.

A maior expressão de quinta-colunismo no primeiro escalão atende pelo nome de Paulo Bernardo e ocupa o cargo estratégico de ministro das Comunicações. Não bastasse vocalizar o lobby das grandes empresas de telefonia e a pauta dos principais grupos privados de comunicação, resolveu dar entrevista às páginas amarelas da revista “Veja” desta semana e subscrever causas do principal veículo liberal-fascista do país.

Na mesma edição na qual estão publicadas as palavras marotas do ministro, também foi estampado editorial que celebra a ação de grupos paramilitares, na semana passada, contra o PT e outros partidos de esquerda, além de reportagem mentirosa que vocifera contra as instituições democráticas e os governos de Lula e Dilma.

Nesta entrevista, Bernardo referenda que se atribua, à militância petista, um programa que incluiria a defesa da censura à imprensa. Vai ainda mais longe, oferecendo salvo-conduto à ação antidemocrática da mídia impressa e restringindo qualquer plano de regulação a perfumarias que deixariam intactos os monopólios de comunicação, o maior obstáculo no caminho para a ampliação da liberdade de expressão.

De quebra, o ministro chancela o julgamento do chamado “mensalão”, ainda que escolhendo malandramente os termos que utiliza, caracterizando a decisão como um resultado “normal e democrático”. Por atacar seu partido nas páginas do principal arauto do reacionarismo, recebe de “Veja” elogio rasgado, ao ser considerado “um daqueles raros e bons petistas que abandonaram o radicalismo no discurso e na prática.”

Paulo Bernardo não é, porém, o único que flerta com o outro lado da barricada, apenas o que mais saçarica. Está longe de ser pequena a trupe de figuras públicas petistas que dormem com o inimigo, a maioria por pânico em enfrentar os canhões da mídia ou desejosos de receberem afagos por bom-mocismo.

O governador baiano, Jacques Wagner, é outro exemplo de atitude dúbia. Há algumas semanas bateu ponto, na mesma revista, para dar seu aval aos maus-feitos jurídicos de Joaquim Barbosa e seus aliados. Mas não parou por aí. Quando o presidente do PT, Rui Falcão, estava sob cerrados ataques por chamar sua gente à mobilização, Wagner correu aos jornais para prestar solidariedade. Não ao líder máximo de seu partido, mas aos lobos famintos que se atiravam contra o comandante petista.

Nos últimos dias assistimos incontáveis cenas que igualmente merecem uma séria reflexão. Não foi bonita ou honrosa a oferta do ministro da Justiça à repressão da PM paulista contra a mobilização social. Ou o prefeito paulistano fazendo companhia ao governador Alckmin na resposta ao movimento contra o aumento das tarifas de transporte. Nesses casos, contudo, não houve facada nas costas, mas flacidez político-ideológica que não pode ser relevada.

A questão crucial é que, para avançar na luta contra o reacionarismo e na reconquista das ruas, o PT e o governo precisam restabelecer uma ética de combate. A defesa dos interesses populares e da democracia não poderá ser feita, às últimas consequências, sem uma faxina de comportamentos e representantes que favorecem os inimigos do povo no interior das fileiras aliadas.

(*) Breno Altman é jornalista e diretor editorial do site Opera Mundi e da revista Samuel. :http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22237&utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_Carta_Maior__23062013

A BATALHA DAS RUAS

Posted: 24/06/2013 in PT, RUMOS DO PT - DEBATE
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Claudio Daniel

O que está acontecendo hoje nas ruas?

Um novo ator social surge em cena: o cidadão comum.

Ele não pertence a movimentos sociais organizados, nem a partidos tradicionais de esquerda, sindicatos ou a entidades estudantis.

Ele não tem uma identidade política clara – não é liberal, socialista, comunista, mas desconfia de todos os partidos, de todos os governos e instituições.

Ele não sabe exatamente o que deseja – tem um sentimento vago de revolta em relação a “tudo” – corrupção, tarifas altas do transporte, impostos, código penal, PEC 37, entre outras coisas – mas não tem clareza do seu objetivo: fazer uma revolução? Para colocar o quê no lugar do atual regime democrático representativo?

O cidadão comum acredita naquilo que assiste na televisão e lê nos jornais, participa das redes sociais, mas não consegue construir com clareza um discurso ideológico, uma visão geral do mundo.

O cidadão comum sente-se oprimido pelos fatos e não encontra nenhuma instituição que o represente.

O cidadão comum não reconhece as mudanças que aconteceram nos últimos dez anos no Brasil – saída de 40 milhões de pessoas da situação de miséria, a quase erradicação da fome no país, a política de estabilidade econômica e baixo índice de desemprego, o aumento do consumo nas classes populares, a inclusão social de afrodescendentes, o investimento maciço na educação, entre outras conquistas – porque não enxerga uma mudança radical no país.

O cidadão comum aceita o discurso ideológico da grande mídia e dos grupos conservadores.

O cidadão comum, antes desorganizado, começa a se organizar. Ele não tem ideologia. Não tem partido. Não tem uma alternativa de poder.

Quem está atuando nos bastidores, porém – e já saiu às ruas, sem máscaras – tem ideologia, tem partido e tem alternativa de poder: a extrema-direita, representada por entidades como o Instituto Millenium, Revoltados On Line, entidades de oficiais da reserva e outros setores que representam o que há de mais reacionário na sociedade brasileira.

São estes setores que usam a frustração popular, o ressentimento, a insatisfação com as instituições, para chegar ao seu objetivo – derrubar o governo democrático de Dilma Rousseff e implantar em seu lugar um regime análogo ao de 1964, que coloque os partidos políticos na ilegalidade (“sem partido, sem partido”, gritam nas ruas), as centrais sindicais – 20 sindicalistas da CUT foram agredidos hoje no Rio de Janeiro, militantes petistas foram hostilizados e suas bandeiras, rasgadas – e todas as demais instituições democráticas dos trabalhadores e da juventude brasileira.

Por quê não fechar o Congresso?

Afinal, lá estão Renan, Sarney, Collor, Maluf e tantos outros corruptos!

Por que não abolir as eleições?

Afinal, Lula pode se candidatar de novo, e ainda Dilma, Suplicy, Haddad e outros petistas ou comunistas.

Para quê auxílio-detenção?

Preso tem que morrer! Menor de idade? É bandido, tem de morrer também!

Parada gay?

Nem pensar! Homossexualismo é doença. O PT quer ensinar as crianças nas escolas a serem gays e lésbicas! Eles querem a ditadura gay!

Exagero?

Basta sair às ruas e ouvir o que o homem comum diz.

O homem comum é fascista?

Ele não sabe o que é fascismo. Acha que direita e esquerda são a mesma coisa. Ele não quer pagar impostos, mas o governo – ele pensa – deve oferecer transporte de graça, saúde e educação para todos, já. Como? Por milagre. Porque – acredita o homem comum – um presidente pode fazer milagres.

Só há um porém: não há milagres.

Quando o homem comum descobrir isso, ele não poderá mais reclamar de NADA.

NÃO PODERÁ RECLAMAR DE NADA.

Porque quem reclama é petista ou comunista – e para estes há prisão, tortura, exílio ou assassinato.

Exagero?

A culpa, reconheço, não é do cidadão comum.

A culpa é do PT.

Sim, a culpa é toda do PT, porque esse partido acreditou sinceramente no respeito às instituições democráticas, na legalidade, no respeito à ordem, à propriedade privada, à liberdade de imprensa-empresa.

O PT acreditou que seria possível melhorar a qualidade de vida de milhões de brasileiros sem fazer a revolução socialista.

Realmente, em dez anos de governos progressistas, houve imensas conquistas, muito mais do que nos últimos 50 anos da política brasileira.

Mas ninguém contou isso ao cidadão comum, porque o PT não quis implementar a Lei de Mídia, permitiu que a imprensa burguesa o atacasse diariamente, sem fazer absolutamente nada.

O PT permitiu que o Poder Judiciário permanecesse nas mãos de oligarquias retrógradas.

O PT não politizou a população, ao contrário: engessou o movimento sindical e popular, que era o seu único e verdadeiro amigo.

O PT teve medo e perdeu a esperança.

O PT poderia fazer do Brasil um grande país socialista, que mudasse os rumos do mundo.

Mas teve medo.

Teve medo.

TEVE MEDO.

Agora sim, o PT tem razão para sentir medo, porque milhares de pessoas podem invadir o Congresso Nacional ou o Palácio do Planalto.

A menos que aconteça alguma coisa.

A menos que o PT vença o medo.

A menos que o PT assuma, de uma vez por todas, o seu papel histórico, ao lado dos comunistas e outras forças populares e revolucionárias.

Haverá tempo ainda?

Josias de Souza

Reza um antigo refrão dos baixinhos que tamanho não é documento. Dona de 90 votos na Câmara, uma oposição diminuta submeteu o condomínio governista, gigante de 493 cabeças, a um sufoco improvável. Emparedados por uma obstrução parlamentar implacável, os governistas dobraram os joelhos pouco depois das 2h. Sem quórum, PMDB e PT passaram a se acusar mutuamente. Criticaram também a debilidade da articulação política do governo Dilma Rousseff.

Líder do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP) inaugurou o destampatório ao dizer que se sentia “injustiçado” por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). Insinuou que o presidente da Câmara beneficava a oposição com interpretações benevolentes do regimento interno. Algo que esticava o processo legislativo e levava à falta de quórum.

Abespinhado, Henrique refutou. “O problema é da base do governo”, disse o mandachuva da Câmara. “A oposição cumpriu o seu papel de obstruir. A base, agora, tem que fazer a sua parte, tem que trazer aqui os seus parlamentares e dar quórum.” Chinaglia tomou as dores do consórcio, que concluíra a análise da MP e das emendas.

Faltava votar, porém, a redação final do texto. Sem isso, todo o esforço anterior seria vão. O bloco governista não conseguia levar ao painel nem o número mínimo de 257 presenças. Àquela altura, cerca de 50 deputados do PMDB e 20 do PT já haviam trocado o terno e a gravata pelos pijamas.

As críticas de Chinaglia estimularam outros petistas a investirem contra Henrique. Entre eles José Genoino (PT-SP). Mal lavados, os petistas distribuíam também indiretas aos peemedebistas desertores. Alceu Moreira (PMDB-RS) escalou a tribuna e elevou o timbre.

“Nao aceito uma sílaba de crítica ao comportamento do presidente Herique Eduardo Alves. Foi sereno. Aqueles que se acham donos do poder e, por ser maioria, querem esmagar a minoria não contem com o PMDB.” Após pregar o respeito ao regimento, o deputado mirou acima do PT, no Planalto.

“Façam uma reflexão: não dá para ter parceiro necessário e indesejável”, disse Alceu Moreira. “Ou o parceiro é necessário e desejável ou não é parceiro. Não dá para chamar o PMDB só para cuidar do doente na beira do leito hospitalar. Para um aniversário nunca fomos convidados. Queremos os dois lados.”

Enquanto o plenário matava o tempo à espera do retorno dos fujões, os governistas esfolavam-se uns aos outros. Líder do PT, José Guimarães (CE) foi ao microfone para repisar as críticas de Chinaglia a Henrique Alves. “É claro que muitos da base do governo se sentiram inseguros porque a interpretação do regimento favoreceu a oposição.”

Henrique Alves atalhou o orador: “Nao favoreceu a oposição coisa nenhuma, caro líder. Só fiz cumprir o regimento. E não me afasto um milímetro do cumprimeiro desse regimento. Não entre por esse argumento que é muito perigoso. Esse tipo de entendimento eu não posso aceitar. Em momento algum tive sequer a intenção de beneficar quem quer que seja.”

Guimarães cuidou assoprar: “Respeitamos a bancada do PMDB e as demais bancadas. Essa base esteve unida durante o dia todo. Deu curto-circuito no final.” Mordeu novamente: “A interpretação que foi dada ao regimento é que terminou facilitando enormente para que a oposição estivesse com essa cara de felicidade.”

Líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), desafeto de Dilma, também saiu em defesa de Henrique Alves. Tido pelo petismo como um dos responsáveis pelo sumiço de deputados, disse que o problema não era nem o regimento nem a obstrução dos oposicionistas PSDB, DEM e PPS. A exemplo do liderado Alceu Moreira, Cunha mirou no Planalto.

“Se nós estamos passando o que estamos passando é por problemas que estão existindo dentro da própria base do governo. Não adianta tapar o sol com a peneira. Há problemas sim, há problemas de articulação política. O método utiizado para tentar melar a votação da semana passada e tumultuar a sessão de ontem não foi prática de parlamentares da base. Foi falha da articulação política. Errou e teve consequências.”

Eduardo Cunha prosseguiu: “Agora, precisamos é baixar a bola. Está faltando voto. Estamos aqui há duas madrugadas. São 4h56. Ninguém aqui é criança. Ninguém aquenta ficar duas noites e dois dias seguidos achando que parlamentar vai ficar aqui defendendo e ainda ouvindo desaforos. Mandei carro buscar quatro, cinco deputados em casa. Agora, isso não pode ser feito debaixo de desaforo.”

Às 5h08, o painel eletrônico do plenário voltou a registrar o quórum mínimo de 257 deputados. A sessão foi reaberta. Porém, num sinal de que a falta de quórum era proposital, os votos do governo voltaram a rarear. No primeiro pedido de verificação do quórum feito pela oposição a sessão voltou cair.

Henrique Alves esticou a sessão até o sol raiar. Só às 8h57 o quórum seria restabelecido. Às 9h43 o processo de votação da medida provisória foi, finalmente, encerrado. “Nasceu a fórceps”, ironizou Chico Alencar (PSOL-RJ). As fornalhas do plenário ficaram ligadas por quase 23 horas ininterruptas. Somando-se às 18 horas do dia anterior, foram 41 horas de atividades.

Ex-líder do PT, Fernando Ferro (PE) atribuiu o suadouro “menos ao mérito da oposiçãoo e mais ao fracasso da base do governo”. Desalentado, disse que “mesmo a conclusão da votação não autoriza comemorações. Não há falhas só aqui. Há falhas da articulação política. Não posso deixar de reconhecer. Inclusive o governo terá de aprender com isso.” Henrique Alves parabenizou-o pela “avaliação realista.”

Ex-candidata à presidência da Câmara, Rose de Freitas (PMDB-ES) resumiu a atmosfera da madrugada: “Esse governo, que eu integro e defendo, não sabe tratar essa Casa. Não tem conversa, não senta na mesa, não discute nenhuma medida antecipadamente. O que aconteceu aqui foi o desdobramento das fatalidades que a falta de articulação do governo está fazendo acontecer.”

Saul Leblon – Carta Capital

No seminário dos dez anos de governo do PT, realizado nesta 3ª feira, em Porto Alegre, o ex-presidente Lula fez uma ponderação interessante:

‘Quando você ficar em dúvida, feche os olhos, imagine o que seria o Brasil de hoje sem os dez anos de governo do PT’.

Um bom começo é dar de barato que José Serra venceu as eleições em 2002 e seria reeleito em 2006, fazendo o sucessor em 2010.

Nesse Brasil imaginário, caso a Petrobras ainda resistisse, reservas imensas de petróleo seriam descobertas em 2009.

A seis mil metros abaixo da superfície do oceano, o Brasil seria premiado com uma poupança equivalente a 50 bilhões de barris. As maiores descobertas de petróleo do século 21.

O que Serra faria com elas não é preciso imaginar.

Basta reler despachos de dezembro de 2009, da embaixada norte-americana no Brasil, revelados pelo WikiLeaks.

Matéria da ‘Folha de S.Paulo’, de 13/12/2010 transcreveu o teor desses documentos.

Neles, o tucano explicita as consequências para o Brasil, caso as urnas de 2010 transformassem em realidade o país imaginário proposto por Lula.

Trechos da matéria da Folha intitulada ‘Petroleiras foram contra novas regras para pré-sal’:

“Segundo telegrama do WikiLeaks, Serra prometeu alterar regras caso vencesse. Assessor do tucano na campanha confirma que candidato era contrário à mudança do marco regulatório do petróleo (realizada por Lula).

As petroleiras americanas não queriam a mudança no marco de exploração de petróleo no pré-sal que o governo aprovou no Congresso, e uma delas ouviu do então pré-candidato favorito à Presidência, José Serra (PSDB), a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse.

“Deixa esses caras [do PT] fazerem o que eles quiserem. As rodadas de licitações não vão acontecer, e aí nós vamos mostrar a todos que o modelo antigo funcionava… E nós mudaremos de volta”, disse Serra a Patricia Pradal, diretora de Desenvolvimento de Negócios e Relações com o Governo da petroleira norte-americana Chevron, segundo relato do telegrama.

O texto diz que Serra se opõe ao projeto, mas não tem “senso de urgência”. Questionado sobre o que as petroleiras fariam nesse meio tempo, Serra respondeu, sempre segundo o relato: “Vocês vão e voltam”.

A mudança no marco regulatório do pré-sal, que Serra prometia reverter, restituiu à Petrobras o controle integral de todo o processo de extração, refino e comercialização, esfarelado em 1997, quando o PSDB rompeu o monopólio.

Desde então, a exploração passaria a ser regida pelo modelo de concessão em que a empresa vencedora dos campos licitados se torna a proprietária soberana de todo o óleo.

Em síntese, o Estado deixa de exercer qualquer controle sobre o processo.

No modelo de partilha do pré-sal, que teve oposição virulenta do conservadorismo, a Petrobras ganhou duas vantagens: será a operadora exclusiva dos campos e terá, no mínimo, 30% de participação nos consórcios que exercerem a exploração.

O óleo extraído será dividido com o país. A presença direta da Petrobrás impedirá manipulações.

Mais importante que tudo: a estatal definirá o ritmo da extração, de modo a viabilizar a pedra basilar do novo marco regulatório.

A regra de ouro consiste em tornar o pré-sal uma alavanca industrializante, capaz de deflagrar um salto de inovação no parque fabril brasileiro.

Cerca de 60% a 70% dos bens e equipamentos requeridos em todo o ciclo de exploração terão que ser adquiridos de fabricante local.

O fracasso desse modelo conta com uma poderosa torcida incrustrada em diferentes setores da economia, da política e da mídia. Local e internacional.

O Brasil que Lula convida a especular felizmente não aconteceu. Mas seus atores potenciais não desistiram de protagonizá-lo.

Um fiasco da Petrobrás no pré-sal é tido por eles como o atalho capaz de materializar a relação de forças que as urnas descartaram em 2002, 2006 e 2010.

Na 5ª feira da semana passada, o arguto José Serra reafirmou essa esperança em um artigo no Estadão em que reitera a incompatibilidade histórica do PSDB com o petróleo brasileiro. Trata-se de uma espécie de atualização histórica do antagonismo entre a UDN e o desenvolvimentismo.

O texto sugere o nome de Lula ao Guinness World Records.

Motivo: o ex-presidente teria empurrado a Petrobrás a uma situação de pré-insolvência, entre outras razões, por ter modificado a regulação herdada do PSDB, no caso das reservas do pré-sal.

Trechos do artigo de Serra, publicado na edição de 09/05/2012 do jornal:

“Em palestra recente afirmei que o ex-presidente Lula mereceria pelo menos três verbetes no Guinness World Records. O primeiro por ter levado à pré-insolvência a Petrobras, apesar de ser monopolista, a demanda por seus produtos ser inelástica, os preços internacionais, altos e as reservas conhecidas, elevadas. Fez a proeza de levar a maior empresa do País à pior situação desde que foi criada, há 60 anos. Promoveu o congelamento de seus preços em reais, instaurou uma administração de baixa qualidade e conduziu a privatização da estatal em benefício de partidos e sindicatos, com o PT no centro. Esse condomínio realizou investimentos mal feitos e/ou estranhos, sempre a preços inflados; queimou o patrimônio da Petrobras na Bolívia; promoveu previsões irrealistas sobre o horizonte produtivo do pré-sal e fulminou, para essa área, o modelo de concessão, trocando-o pelo de partilha, que exige da empresa ampliação de capacidade financeira, administrativa e gerencial impossível de se materializar”.

O tucano causou frisson na rede conservadora, recebendo rasgados elogios daqueles que o consideram dotado de um tirocínio econômico privilegiado.

Três dias depois de sepultada no mausoléu dos grandes fracassos nacionais, a Petrobrás ressuscitou no noticiário.

O mármore da lápide onde o coveiro tucano gravou seu artigo do Estadão dissolveu-se, então, sob o peso de US$ 11 bilhões de dólares.

A montanha de dinheiro foi captada no mercado internacional com a venda de seis tranches diferentes de títulos da Petrobrás, com vencimentos variáveis que se estendem até 2043.

A demanda dos investidores internacionais teria alcançado US$ 40 bilhões, excesso que a estatal declinou.

Os maiores bancos e fundos internacionais negligenciaram a perspicaz avaliação do PSDB e de seu eterno presidenciável sobre a higidez presente e futura da Petrobras, do Brasil e do modelo de extração do pré-sal, que lastreia papeis com horizonte de vencimento de até 30 anos.

Não só. Nesta 3ª feira, infelizmente pelo modelo de concessão ainda vigente em áreas externas ao pré-sal, dezenas de empresas se apresentaram para arrematar campos leiloados pela Petrobras em diferentes regiões brasileiras.

O investimento previsto é de R$ 7 bilhões.

O que evidencia esse exercício frugal de rememoração, inspirado no convite de Lula, é a frivolidade quase caricatural com que o PSDB e seus ventríloquos torturam as palavras ‘desastre’, ‘fracasso’ e ‘crise’, de modo a vesti-las no país e num governo, cujos flancos existem.

Mas, por certo, não serão aqueles diagnosticados por Serra; e tampouco passíveis de superação com a receita conhecida dos herdeiros do udenismo.

“A 11ª Rodada de Licitações é um grande retrocesso para o Brasil”

Escrito por: Página do MST

Bandeira brasileira: movimentos sociais em defesa da soberania e contra o entreguismo do nosso petróleo às transnacionais

Bandeira brasileira: movimentos sociais em defesa da soberania e contra o entreguismo do nosso petróleo às transnacionais

Na manhã desta segunda-feira (13), cerca de 600 camponeses organizados pelo MST, MCP, MAB, além de quilombolas e dos trabalhadores ligados à Federação Única dos Petroleiros ocuparam o Ministério de Minas e Energia, em Brasília.

A ação faz parte do conjunto de protestos contra a 11ª rodada de licitações de blocos para a exploração de petróleo e gás natural, prevista para os dias 14 e 15 de maio, e contra a privatização de diversas barragens cujas concessões vencem até 2015.
“A 11ª Rodada de Licitações é um grande retrocesso para o Brasil, que, desde 2008 havia suspendido os leilões de petróleo, após muita luta e pressão dos movimentos sociais. Ao retomar essa agenda, o governo brasileiro, equivocadamente, atende aos anseios das multinacionais, ávidas por abocanhar nossas valiosas reservas de óleo e gás”, disse João Antônio Moraes, coordenador da Federação Única dos Petroleiros.

Além de Brasília, devem acontecer atos no Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba. Em São Paulo, haverá distribuição de jornais nas estações dos metrôs. Com as mobilizações, os manifestantes querem demarcar posição contrária à privatização dos 289 blocos de petróleo, localizados em 11 estados brasileiros. O volume a ser leiloado poderá ultrapassar 40 bilhões de barris, o que equivale a um lucro próximo a R$ 1,16 trilhões que será apropriado por empresas transnacionais do petróleo. Ao todo 64 empresas estão disputando os blocos.
“O lucro obtido com os barris de petróleo deveria ficar com o povo brasileiro. Os leilões são uma ameaça à soberania nacional. Se eles se realizarem, estaremos entregando para as transnacionais as nossas riquezas. É dinheiro que deveria ser investido na reforma agrária, no passivo com os atingidos por barragens, com as comunidades quilombolas, nos territórios indígenas, na educação”, afirmou Francisco Moura, integrante da coordenação nacional do MST.
As manifestações cobram também que o governo brasileiro não faça a licitação de 12 usinas hidrelétricas e de 23 pequenas centrais que estão encerrando seus prazos de concessão até o ano de 2015. A usina hidrelétrica Três Irmãos, localizada em Andradina, interior de São Paulo, será a primeira delas. Antes controlada pela estatal Companhia de Energia de São Paulo (CESP), a usina teve seu contrato de concessão vencido em 2011 e já está sob propriedade da União.
“A privatização das hidrelétricas também não é interessante ao povo. Se o Estado mantém a gestão, a tarifa de energia pode ser mais baixa. Para citar um exemplo, na mão de consórcios privados, a Hidrelétrica Três Irmãos, em São Paulo, repassa cada megawatt/hora por R$ 182, enquanto que a Eletrobrás vende o mesmo megawatt por R$ 32 a hora”, explicou Moisés Borges, integrante do MAB.
Mais de 50 organizações assinaram uma carta que será entregue à presidenta Dilma exigindo o cancelamento do leilão do petróleo e da privatização das barragens.
Informações à imprensa:
Iris Pacheco: (61) 83384640
Mayrá Lima (61) 96846534
Evandro – MAB (64) 92224240
Leia a carta na íntegra:
Carta à presidenta Dilma
Excelentíssima Senhora
Dilma Vana Rousseff
Presidenta da República do Brasil.
Brasília, 10 de Maio de 2013.
Excelentíssima,
Nós, movimentos populares e sindicais abaixo assinados, vimos, por meio desta, solicitar o cancelamento dos leilões de petróleo, previstos para os dias 14 e 15 de maio de 2013, bem como o cancelamento do processo, que prevê a privatização das hidrelétricas, de Três Irmãos em São Paulo e Jaguara em Minas Gerais, além de várias outras usinas, que podem significar cerca de 5.500 MW médios . Estes leilões significarão a retomada das privatizações em um dos setores mais estratégicos ao povo brasileiro. Entregar o petróleo e as hidrelétricas, que fazem parte do patrimônio da União ao capital internacional, será um erro estratégico.
Lembramos que o povo brasileiro, com seu trabalho e suas lutas, construiu um grande setor de energia no Brasil. A luta do “PETRÓLEO É NOSSO”, juntamente com a utilização dos nossos rios para a produção de energia elétrica nos propiciou, por muito tempo, que estas riquezas estivessem, em certa medida, sob controle nacional, uma vez que o controle estava garantido pelo Estado.
Foi, sem dúvida, no período dos governos de Collor e Fernando Henrique Cardoso, que este sistema foi sendo destruído e entregue ao capital internacional, sob o pretexto de que não servia mais para o nosso país. As melhores empresas públicas foram entregues para o controle das grandes corporações transnacionais, prejudicando nosso país e os trabalhadores.
Nessas ocasiões, os setores neoliberais se apropriaram do discurso falacioso da ineficiência do Estado, especialmente na gestão das empresas públicas, com o objetivo de iludir o povo brasileiro com falsas promessas e entregar o patrimônio público para o “mercado”.
Esta história nós já conhecemos bem. Depois da privatização, a energia elétrica aumentou mais de 400% (muito acima da inflação), trabalhadores foram demitidos e recontratados com salários menores e em piores condições e a qualidade da energia elétrica piorou muito. Quedas de energia, explosão de bueiros e apagões são consequências da privatização.
No setor do petróleo a realidade é semelhante, FHC quebrou o monopólio estatal e vendeu parte da Petrobrás, e só não fez pior, porque foram derrotados na eleição de 2002.
Não é a toa que todo este processo foi chamado de PRIVATARIA. Mais de 150 empresas públicas – das melhores – acabaram sendo entregues aos empresários, a preços irrisórios.
O povo brasileiro votou em Lula duas vezes e em Dilma no ano de 2010, ciente de que aquilo que foi feito nos governos anteriores não era bom para o Brasil. A esperança vencia o medo e exigia que as privatizações tivessem um basta.
A extraordinária descoberta de petróleo na área chamada pré-sal, as enormes reservas de água, nosso território e nossas riquezas naturais exuberantes e, fundamentalmente, a capacidade de trabalho dos trabalhadores brasileiros, acenam para a construção de um país com enormes potencialidades, com possibilidades de usar e bem distribuir estas riquezas. E é isto que vemos ameaçado nesse momento.
Se as riquezas são tantas e boas para o país, por que entregar para as grandes empresas transnacionais as riquezas do povo brasileiro?
São as empresas do Estado Brasileiro, entre elas a Eletrobrás e a Petrobrás, que impulsionam o setor de energia em nosso país. É o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social-BNDES, quem financia as demandas do setor. São as empresas de pesquisa do Estado que fazem os estudos. São as empresas estatais, em especial, o Sistema Eletrobrás que está ofertando eletricidade a preços mais baratos. Então, por que não discutir com nosso povo, unir forças e buscar soluções para que, tanto o petróleo quanto a energia elétrica, fiquem nas mãos do Estado, com soberania nacional, distribuição de riquezas e controle popular?
É fundamental que todos nós tomemos posição neste momento tão importante para o destino da nação. Defendemos o cancelamento dos leilões, que irão privatizar o petróleo e as usinas hidrelétricas, que estão retornando para a União.
Não temos dúvida de que, se consultado, o povo brasileiro diria: Privatizar não é a Solução.
Certos de que seremos atendidos em nossas proposições, nos dispomos a discutir, mobilizar nosso povo, buscar a união de todos para que estas riquezas sejam do povo brasileiro e com controle do Estado. Nos colocamos à disposição para discutir com Vosso governo e com o povo brasileiro.
Sem mais, aguardamos resposta.
Articulação de Empregados Rurais do Estado de Minas Gerais – ADERE/MG
Assembléia Popular
Barão de Itararé – Centro de Estudos de Mídia Alternativa
Central de Movimentos Populares – CMP
Central de Movimentos Sociais – CMS/PR
Central Única dos Trabalhadores – CUT Brasil
Central Única dos Trabalhadores – CUT MG
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
Coordenação Nacional de Entidades Negras – CONEN
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Estado de São Paulo – FTIUESP
Federação Estadual dos Metalúrgicos – CUT/MG
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – FISENGE
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar – FETRAF
Federação Nacional dos Urbanitários – FNU
Federação Única dos Petroleiros – FUP
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação – FNDC
Levante Popular da Juventude
Marcha Mundial das Mulheres – MMM
Movimento Camponês Popular – MCP
Movimento de Mulheres Camponesas – MMC
Movimento dos Atingidos pela Mineração – MAM
Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Pastoral da Juventude Rural – PJR
Plataforma Operária e Camponesa para Energia
Sindágua MG
Sindicato dos Camponeses de Ariquemes e Região
Sindicato dos Engenheiros do Estado do Paraná – SENGE/PR
Sindicato dos Metalúrgicos de Erechim/RS
Sindicato dos Metalúrgicos de Passo Fundo/RS
Sindicato dos Petroleiros do Estado de São Paulo – SINDIPETRO/SP
Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo – SINERGIA CUT
Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Energia de Florianópolis e Região – SINERGIA
Sindicato dos Trabalhadores Urbanitários – STIU/DF
Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais – SINDIELETRO/MG
Sindicato Unificado dos Trabalhadores de Minas Gerais – Sind-UTE MG
Sind-Saúde MG
Stop the Wall
União Brasileira de Mulheres – UBM
União Brasileira dos Estudantes Secundaristas – UBES
União da Juventude Socialista – UJS
Via Campesina Brasil

Leilões do petróleo, um roubo das riquezas do Brasil

POR JOÃO PEDRO STEDILE, Terra Magazine

Mais uma rodada de leilões do petróleo deve acontecer nos dias 14 e 15 de maio no Rio de Janeiro.

O 11ª Rodada de Licitações de Blocos para a Exploração de Petróleo e Gás Natural é organizada pela famigerada Agência Nacional do Petróleo (ANP), criada pelo governo FHC para privatizar uma das nossas maiores riquezas.

Essa rodada é tão importante que ninguém sabe ainda ao certo onde acontecerá.

Esses leilões, que têm base em uma lei dos tempos do neoliberalismo tucano (lei 9478/1997), já foram contestados em juízo como inconstitucionais.

Mesmo assim, o governo Dilma e a ANP usam-na para legitimar a entrega de nossas reservas.

Os 289 blocos de petróleo que serão leiloados nos próximos dias foram descobertos pela Petrobrás no nosso continente, 123 deles em terra e o restante no pós-sal no mar.

A empresa arcou com todos os custos de pesquisa e mapeamento. Agora, que estão descobertos e identificados os volumes depositados pela natureza, o governo fará um leilão e qualquer empresa estrangeira poderá explorá-lo.

O discurso oficial é que esses leilões são realizados para que as empresas invistam em pesquisa e corram o risco de não encontrar o volume de petróleo esperado. No entanto, esses estudos já foram feitos pela Petrobrás.

Especialistas apontam que cerca de 60 empresas transnacionais se inscreveram para participar desse leilão, ávidas por essa riqueza quase doada. Por que tanto interesse?

Pelas regras do leilão, cada empresa pode se candidatar aos diversos blocos, que têm 54 bilhões de barris estocados. A extração do ouro negro desses blocos não vai exigir nenhuma tecnologia especial, tampouco usarão mão-de-obra brasileira.

As empresas entrarão com o custo de produção de extrai-lo e pagarão ao governo apenas 10% de royalties.

Depois, carregarão seus navios, sem pagar nada de impostos, pois a Lei Kandir também dos tempos do FHC isenta exportações de matérias-primas (soja, minério de ferro e petróleo).

Assim, levam o líquido negro bruto para vender no mercado internacional.

Existe uma burrice maior do que entregar uma riqueza natural, que está no nosso território, para as empresas transnacionais em troca de 10% do valor em royalties?

Se garantíssemos o monopólio de exploração à Petrobras, não exportaríamos petróleo bruto, sem valor agregado.

O Brasil pode refinar o petróleo, criando empregos para brasileiros e desenvolvendo tecnologia.

Dessa forma, o governo pode arrecadar impostos no processo de industrialização, além do imposto de renda sobre pessoa jurídica sobre os lucros da Petrobrás.

Segundo o engenheiro e especialista em energia Paulo Metri, da Sociedade de Engenharia do Rio de Janeiro, os blocos que serão entregues têm um valor estimado em petróleo de U$S 1,5 trilhões.

Ele aponta que as empresas espoliadoras terão apenas a obrigação de pagar em royalties para o governo brasileiro US$ 225 bilhões, ao longo dos trinta anos de concessão.

Portanto, serão pagos em torno de US$ 7,5 bilhões por ano. Se essa riqueza fosse explorada pela Petrobrás, o Brasil ficaria com US$ 900 bilhões ao longo de trinta anos, ou seja, US$ 30 bilhões por ano.

Assim, os leilões representam uma perda de US$ 675 bilhões em trinta anos, o que poderia ser investido em educação para libertar finalmente todo o nosso povo da falta de escolas de qualidade em todos os níveis, com o investimento de R$ 44 bilhões por ano.

Os especialistas da área jurídica também advertem que esses leilões são inconstitucionais, pois a Constituição de 1988 é clara ao determinar que toda riqueza do petróleo pertence ao povo brasileiro. Portanto, os governos não têm o direito de transferir essa riqueza para empresas transnacionais.

Já foram ajuizadas dezenas de ações que tratam desse tema, mas nossos juizes – que se arrogando uma total neutralidade – são lerdos como tartarugas quando julgam ações contra o capital. No entanto, são rápidos como os felinos para analisar ações contra o povo e os trabalhadores.

Basta lembrar que uma ação de diversos deputados foi ajuizada em 1997 para anular o leilão de privatização da empresa Vale do Rio Doce.

Em 2005, já em 2ª instância, o Tribunal Regional Federal de Brasileia considerou o leilão foi fraudulento e anulou a privatização.

No entanto, o processo foi para a 3ª instância a pedido dos advogados do Bradesco. E lá dorme um sono eterno…

Assim, podemos concluir que as instâncias judiciais superiores se movem apenas por interesses da classe dominante.

Nenhum brasileiro pode se calar diante de tamanha entrega das nossas riquezas, que afronta a soberania nacional e coloca em dúvida os interesses presentes no governo Dilma.

Não paira dúvidas sobre os interesses defendidos pelo ministro de Minas e Energia Edison Lobão, desde quando era um flamante jornalista defensor da ditadura, que foi escolhido porta-voz do governo militar por José Sarney, então presidente da Arena. De lá para cá, Lobão fez uma carreira camaleônica, tentando passar de jornalista defensor dos militares a democrata especialista em energia e mineração.

A presidenta Dilma deve – e pode – suspender o leilão. Precisamos protestar e denunciar para o conjunto da sociedade o que representa a entrega dos blocos de petróleo.

Assine e ajude a divulgar o abaixo-assinado para barrar os leilões (clique aqui)

Precisamos intensificar essa luta para impedir essa rodada e para nos prepararmos para enfrentar em novembro o primeiro leilão das reservas do pré-sal, que foram encontradas pela Petrobrás em mar brasileiro.

A presidenta Dilma entende do assunto e, certamente, com toda sua história de defesa dos interesses nacionais, não quer entrar para a história do Brasil como a líder do governo que entregou nosso petróleo para as empresas estrangeiras.

Dilma sabe que o leilão de petróleo não é vontade do povo brasileiro, que fez uma grande campanha na década de 1950 para fundar a Petrobras, nem representa os interesses dos setores populares que contribuíram para a sua eleição à Presidência.