Cinco meses após a polêmica desocupação de Pinheirinho, juristas, militantes de defesa dos direitos humanos e ex-moradores denunciam a arbitrariedade da ação do estado paulista à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos. Na terça (19), já haviam pedido ao Conselho Nacional de Justiça a apuração das irregularidades cometidas pelos magistrados que atuaram no caso.
Najla Passos
Brasília – Nesta sexta (22), exatos cinco meses após a polêmica desocupação de Pinheirinho, juristas, militantes de defesa dos direitos humanos e ex-moradores do local denunciam a arbitrariedade da ação do estado paulista à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA). Na terça (19), Já haviam pedido ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a apuração das irregularidades cometidas pela justiça de São Paulo no despejo e a regulamentação das ações de reintegração de posse em geral, de forma a priorizar a mediação de conflitos e a conciliação.
De acordo com o grupo, a desocupação constituiu-se em brutal violação dos mais elementares direitos da pessoa humana. Cerca 6 mil pessoas foram atingidas, grande parte delas perdendo todos os seus bens de uso pessoal, documentos e o mínimo necessário para a sobrevivência. Até hoje, o Estado ainda não garantiu condições suficientes para que retomassem suas vidas. Dois aposentados, inclusive, morreram em decorrência da ação truculenta: um havia sido vítima de espancamento e outro foi atropelado.
Pinheirinho era uma ocupação irregular na cidade de São José dos Campos, a 97 Km de São Paulo, que há oito anos abrigava 1,6 famílias. A área, de 1,43 milhões de metros quadrados, pertence à massa falida de uma empresa do megaespeculador Naji Nahas, que deve cerca de R$ 12 milhões em impostos federais e R$ 14 milhões, em municipais. A desocupação ocorreu em um domingo, autorizada pela justiça paulista, dois dias após a justiça federal conceder uma liminar em favor dos moradores e depois que autoridades federais e estaduais firmaram um acordo que protelava o despejo em 15 dias, com vistas à conciliação das partes.
De acordo com a advogada Giane Álvares, a petição encaminhada à OEA narra os fatos anteriores à desocupação e as irregularidades jurídicas cometidas. “São violações graves de diversos dispositivos da Convenção dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, incluindo dispositivos políticos, econômicos e sociais, como o direito à moradia. Só estamos fazendo está denúncia agora porque ainda estávamos tipificando o crime, descrevendo a situação das vítimas e colhendo informações e depoimentos”, explica ela.
De acordo com o coordenador-executivo da ONG terra de Direitos, Antônio Escrivão Filho, que também assina a petição, o despejo violou, ainda, o Artigo 26 da Convenção, conhecido como clausura de não retrocesso social. “Esse artigo prevê que as ações do Estado devam apontar para a melhoria das condições de vida da população, o que não ocorreu”, explica. Segundo ele, a denúncia questiona também a estrutura dos sistemas de justiça e segurança pública, incapazes de trabalhar adequadamente para a resolução dos conflitos sociais.
Na terça (19), o mesmo grupo encaminhou denúncia também ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os juristas apresentaram reclamação disciplinar contra os principais magistrados responsáveis pelo ocorrido: a juíza da 6ª. Vara Civel de São José dos Campos, Márcia Loureiro, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, seu assessor, juiz Rodrigo Capez, o desembargador Cândido Além e o juiz da massa falida, Luiz Beethoven.
Os militantes questionam porque a juíza Marcia Mathey Loureiro concedeu liminar de oficio para que a desocupação fosse realizada. Ou seja, sem ser provocada sequer pela outra parte envolvida no conflito. E porque o presidente do TJ-SP, que não tinha competência para atuar na reintegração de posse, já que sua função é administrativa, se envolveu no impasse.
Eles alegam, também, que os moradores tinham em seu favor uma liminar dada pela Justiça Federal, dois dias antes da desocupação, em virtude do interesse na União Federal no processo. Havia um acordo para adiar por 15 dias a reintegração assinado pelo juiz da falência, pelo representante do proprietário do terreno e vários parlamentares, que não foi respeitado. E que as casas das famílias foram derrubadas com todos os pertences dentro, sem o devido acompanhamento de oficiais de justiça e assistentes sociais.
“A decisão da juíza foi meio repentina. Não sabemos porque o desembargador interviu, já que sua função é mais administrativa. Pedimos, inclusive, a aplicabilidade do Código de Ética dos Juízes, que prevê que as decisões sempre devem respeitar os direitos humanos e se atentar para as repercussões sociais que provocam”, afirma Antônio.
A outra dimensão abordada na representação visa regulamentar a atuação dos magistrados em casos de conflitos de terra, que envolvam interesses sociais diversos. “Em casos assim, o Judiciário não pode agir como nos demais. O objetivo não pode ser apenas o de solucionar o processo em favor de uma das partes. Precisa atuar também com o propósito de resolver o conflito social”, defende o coordenador-executivo.
Assinam as denúncias os juristas e professores da Universidade de São Paulo Fabio Konder Comparato, Dalmo Dallari, e Celso Antonio Bandeira de Mello, além do ex-presidente da OAB Federal, Cezar Britto, o reitor da Universidade de Brasília (UnB), José Geraldo Junior, o procurador do Estado de São Paulo, Márcio Satele Felippe, a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, o Sindicato dos Advogados de São Paulo, a Central Sindical Conlutas, a ONG Terra de Direitos e a Associação dos Moradores do Pinheirinho, entre outros.